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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.285' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Fado novembro

Duarte / Popular *fado menor*
Repertório de Duarte


Trago em todos os meus fados
Um não sei que de saudade
Corações danificados
E dias sem ter vontade

Trago em todos os meus fados 
Aquela melancolia
De quem anda sem cuidados 
De fazer das noites, dia

Faço coisas que não digo 
Digo coisas que não faço
Às vezes fado é castigo 
Outras vezes é cansaço

Por cada fado que canto 
Pago uma noite perdida
Mas se eu perdesse este canto 
Perdia também a vida

Flor da beira rio

Verónica / António José
Repertório de Vasco Rafael


Maria era flor feita mulher
Maria era flor da beira rio
Não era uma flor para qualquer
E de quem ela foi, não, ninguém viu

Tanto era uma flor feita ternura
Como era uma flor de tempestade
De mãos bem apoiadas na cintura
Mais flor e corpo e alma da cidade

Nome de barco e canoa 
Gaivota de Portugal
Tudo a gente te perdoa 
Pois nada te fica mal
Flor desta velha Lisboa 
De chinelas e avental

Quando ela punha a canastra á cabeça
Maria tinha a Ribeira com ela
Contudo, por mais estranho que pareça
Agora já ninguém mais sabe dela

Quem saberá dizer porque partiu
E hoje quem passar, seja quem for
Repara com pesar, que a beira rio
Ficou mais triste sem a flor

Quem diz

Carlos Conde / Pedro Rodrigues
Repertório de Ilda Silva

Quem diz que o fado se aprende

Não conhece não entende
Suas doces melopeias
O fado para ser fado
Deve correr misturado
No sangue das nossas veias

Quem diz que o génio fadista 
Só com palmas se conquista
Deve sofrer de ilusão
Fadista não é quem canta 
É quem filtra na garganta
O que sente o coração

Quem diz que o fado não é 
Uma cadência de fé
De uma toada imortal
Não conhece concerteza 
A canção mais portuguesa
Das canções de Portugal

No fado, p’ra se vencer 
Não basta apenas manter
O amparo de gente amiga
O que é preciso é ter garra 
Abraçar uma guitarra
E cantar uma cantiga

Eu gosto daquela feia

Albino Paiva / Júlio Proença *fado puxavante
Repertório de José Coelho

É feia mas gosto dela
Tenho-lhe tanta amizade
Como se fosse a mais bela
Das jovens da sua idade

É feia sim, vejo bem / O meu olhar não se ilude
Tem raras prendas porém / Honra nobreza e virtude

Mesmo feia é a meu gosto / Gosto dela e com razão
Não tem beleza no rosto / Mas tem-a no coração

Se os homens, almas daninhas / Só quisessem mulheres belas
Ai das feias, coitadinhas / Ninguém casava com elas

Meu coração não receia / A calúnia rasteirinha
Eu gosto daquela feia / Feia sim, mas é só minha

Barco à deriva

Artur Ribeiro / Jorge Fontes
Repertório de José Manuel Castro 


Eu busquei por esse mundo 
Lugar para eu viver
Fui até me convencer 
Que a igualdade é um mito

No meu errar vagabundo 
Devo ter feito lembrar
Barco á deriva no mar 
Em busca do infinito 

Barco à deriva
Perdido no mar salgado
Por todos abandonado
Ao sabor da direção
Barco à deriva
Que um dia saiu do cais
E não chega nunca mais
A porto de salvação 


Temos o mesmo fadário 
De não saber como ir
Como tu, ando a fugir 
À fúria dos vendavais

Também fico solitário
Também me sinto maldito
Pois no mundo em que habito 
Eu sinto que estou a mais

Alfama

Henrique Perry / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Gabino Ferreira 

Alfama antiga dos nobres 
Morada do velho Gama 
E da primeira nobreza
Hoje és o berço dos pobres
Mas mesmo, assim velha Alfama
Mostras que és bem portuguesa

Alfama, pela manhã
Parece uma cidadela 
Onde a ambição não existe
Moira tornada cristã
Tua canção é mais bela 
Cantada num fado triste

Alfama, Santa Luzia
Velando por ti velhinha 
Pelas tuas tradições
Quer de noite ou quer de dia
Estás sempre aos pés da santinha 
Em constantes orações

Velha mãe da minha mãe
No teu encanto bairrista 
Alfama tu tens amarras
És a minha mãe também
Por isso é que sou fadista 
Nasci ao som das guitarras

Perdidamente

Florbela Espanca / João Gil
Gravado pelo grupo Al Mouraria


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens, morder como quem beija
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do reino de áquem e de além dor!

É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja
É ter cá dentro um astro que flameja
É ter garras e asas de condor

É ter fome, é ter sede de Infinito

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim
É condensar o mundo num só grito

E é amar-te, assim, perdidamente

É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente

Lisboa que amanhece

Letra e musica de Sérgio Godinho
Versão de Carlos do Carmo

Cansados vão os corpos para casa 
Dos ritmos imitados de outra dança 
A noite finge ser 
Ainda uma criança de olhos na lua 
Co'a sua cegueira da razão e do desejo 

A noite é cega e as sombras de Lisboa
São da cidade branca a escura face
Lisboa é mãe solteira
Amou como se fosse a mais indefesa princesa
Que as trevas algum dia coroaram 

Não sei se dura sempre esse teu beijo
Ou apenas o que resta desta noite
O vento, enfim, parou
Já mal o vejo por sobre o Tejo
E já tudo pode ser tudo aquilo que parece
Na Lisboa que amanhece

O Tejo que reflete o dia à solta
À noite é prisioneiro dos olhares 
Aos Cais dos Miradoiros 
Vão chegando dos bares os navegantes 
Amantes das teias 
Que o amor e o fumo tecem 

E o Necas que julgou que era cantora
Que as dádivas da noite são eternas 
Mal chega a madrugada 
Tem que rapar as pernas para que o dia 
Não traia Dietriches 
Que não foram nem Marlénes 

Em sonhos, é sabido, não se morre
Aliás... essa é a única vantagem
De após o vão trabalho o povo ir de viagem
Ao sono fundo, fecundo
Em glórias e terrores e aventuras 

E ai de quem acorda estremunhado 
Espreitando p'la fresta a ver se é dia
Ai essas ansiedades 
Ditam sentenças friamente, ao ouvido
Ruído que a noite a seu costume transfigura

O fado que vejo

Letra e musica de Ricardo Anastácio
Repertório do grupo Al Mouraria

Passeio a realidade
Algo toca o espirito
E toma liberdade 
Na harmonia do que está escrito

Estendo a mão a receber 
Um conto a encantar
Desenhando uma mulher 
Que a vida vem embalar

Meu fado, és tu que eu vejo
Em cada lampejo p
ortuguês 
No meu olhar
Falar contigo, entoa
Este velho país num futuro por achar
Cantar o teu povo, o seu sentimento
Soltar um poema cá dentro e que sente
Fado, és vida da tua gente

A alma de um fadista 
Vinda do beco da cidade
A história bairrista 
E uma guitarra de saudade

Tudo isto em seu refrão 
Que se afirma e sabe de cor
Seja castiço ou de salão
Seja menor ou maior

Primeiro beijo

Carlos Tê / Rui Veloso
Gravado pelo grupo Al Mouraria


Recebi o teu bilhete 
Para ir ter ao jardim
A tua caixa de segredos 
Queres abri-la para mim

E tu não vais fraquejar
Ninguém vai saber de nada
Juro não me vou gabar
A minha boca é sagrada

De estar mesmo atrás de ti
Ver-te da minha carteira
Sei de cor o teu cabelo
Sei o shampoo a que cheiras

Já não cômo, já não durmo
E eu caia se te minto
Haverá gente informada 
Se é amor isto que sinto

Quero o meu primeiro beijo
Não quero ficar impune
E dizer-te cara a cara
Muito mais é o que nos une

Que aquilo que nos separa

Promete lá outro encontro
Foi tão fugaz que nem deu
Para ver como era o fogo 
Que a tua boca prometeu

Julgava que a tua língua 
Sabia a flor do jasmim
Sabe a chicla de mentol 
E eu gosto dela assim

Fado ao sabor da sorte

Letra e musica de Valentim Filipe
Reportório do grupo Al Mouraria


Fado, fado vida, fado ardente
Fado novo que se sente
Nas cordas duma emoção;
Fado, fado sina de mulher
Que seja o que Deus quiser
Na mágoa duma canção

Fado de amor e de dor
Doce canto de saudade
Dois amores, vinho tinto 
Entornado em liberdade

Fado triste, fado louco
Que façam pouco, é o destino
Fado incerto de um poema 
Rasgado num desatino

Fado antigo
Fado amigo
Fado corrido ou vadio
Fado que nasce no peito 
Como a nascente de um rio
Fado vida
Fado morte
Fado de ser ou não ser
Quem anda ao sabor da sorte 
Tem de aprender a viver

E quando é já madrugada 
O fado toca o destino
Na noite embriagada 
O fado é outra vez menino

Verdes anos

Pedro Támen / Carlos Paredes
Repertório do grupo Al Mouraria


Era o amor que chegava e partia
Estarmos os dois
Era um calor que arrefecia
Sem antes nem depois

Era um segredo 
Sem ninguém para ouvir
Eram enganos
E era o medo de amar-te a rir
Dos nossos verdes anos

Foi o tempo que secou
A flor que ainda não era
Como o Outono chegou
No lugar da Primavera

O nosso sangue corria
No vento de sermos nós
Nascia a noite e era dia
E o dia acabava em nós

Ao sabor dos sonhos

Filipa de Sousa / João Maria dos Anjos
Repertório de grupo Al Mouraria

Quem sou eu afinal
Neste mundo irreal
Fujo de mim e do mundo
Por linhas marcadas da vida
Procuro a frase sentida
Entregue ao sonho profundo

Não sei quem sou, nem que faço 
Tento encontrar meu espaço
Onde vou ou deixo de ir
No refúgio dos sentidos 
Em sonhos indefinidos
Perco-me no teu sorrir

Deixei que os sonhos entrassem 
P’ra que eles me levassem
Ao mundo de amor e poder
Não sei sequer, quem tu és 
Mas vendo o mundo a teus a teus pés
Deixo as frases por dizer

Silêncio e tanta gente

Letra e musica de Maria Guinot
Gravado pelo grupo Al Mouraria


Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro o amor em teu olhar
É uma pedra, é um grito
Que nasce em qualquer lugar

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal aquilo que sou
Sou um grito, sou uma pedra
De um lugar onde não estou

Às vezes sou o tempo 
Que tarda em passar
E aquilo em que ninguém 
Quer acreditar
Às vezes sou também 
Um sim alegre ou um triste não
E troco a minha vida 
Por um dia de ilusão

Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra, é um grito
De um amor por acontecer

Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal p'ra onde vou
E esta pedra, e este grito
São a história d'aquilo que eu sou

A gente cresce, cresce

Letra e musica de Carlos Paião 
Gravado pelo grupo Al Mouraria
Do repertório de Joel Branco

Já todos nós tivemos 
Um amor há muito tempo
Desses que não se diz 

Se são mesmo a sério 
Ou de momento
Foi uma paixoneta 
De risada e de birrinhas
Mas tudo muito simples

Como quem brinca ás casinhas

Já todos nós escrevemos 
Cartas cheias de paixão
Mais erros que palavras

O que contava era a intenção
Já todos nós quisemos 
Ser também apaixonados
Como no cinema os namorados


A gente cresce, cresce 
E julga que é alguém
A vida sobe e desce 
E o amor também
E a gente cresce cresce
Amando mais e mais
E como que adormece 
Em mil amores iguais
E enquanto a gente cresce 
Há tanto em que pensar
Mas tudo o que acontece 
Só nos faz lembrar
A gente cresce, cresce
A ida toma cor
E nunca mais se esquece
Do primeiro amor

Já todos nós sorrimos 
Com as nossas desventuras
Dessas paixões antigas

Mil promessas, mil ternuras
E de olhos fechados 
Nós então compreendemos
Que lá bem no fundo, não crescemos

Sou a cidade de ti

Silva Ferreira / Raul Ferrão *fado carriche*
Repertório de Chico Madureira


Se te perdesses, querida
Nos braços desta cidade
No meu sol terias vida
Nas minhas ruas, saudade

Se num largo sem ter sombras 
Ficasses á minha espera
Cobriam-te asas de pombas 
E já sabias quem era

Numa calçada que sou 
Podias parar cansada
Que das árvores que dou 
Terias sombra parada

Se te perdesses, amor 
Nos braços desta cidade
Corrias ruas de cor 
No meu amor amizade

E neste jardim que tenho 
E nestas sombras que dou
Descobrias donde venho 
E saberias quem sou

Lua cheia

Letra e musica de Belo Marques
Repertório de Carlos Barra

Aqueles dois velhinhos 
Bem casados, namorados
De quem me lembro c
om saudade infinda
Deixaram este mundo 
Á mesma hora e agora
Repousam lá no céu, t
alvez ainda

Viviam na casinha 
Pequenina, da colina
Velhinha como o canto dos riachos
Um quintaleiro fresco
Uma horta e à porta
Uma roseira com formosos cachos

E a Tia Maria 
Sorria, sorria por tudo e por nada
E punha, ladina 
Um rir de menina na cara enrugada
Seu homem, coitado
Alegre ou zangado fingia amuar
Soltando queixumes
Talvez com ciúmes do próprio luar

E quando p’la noitinha 
Se sentavam na casinha
Ia aninhar-se entre os dois, a lua cheia
Eis que os seus lindos olhos 
Se cruzavam e lembravam
Crianças a brincarem sobre a areia

Crianças casaram
Crianças ficaram pela vida infinda
70 anos idos
Morreram unidos, crianças ainda
E agora à noitinha
Naquela casinha que parece morta
Há formas sombrias de mãos fugidias 
Que batem á porta

Em tudo na vida há fado

Letra e musica de António Alvarinho
Repertório do grupo Al Mouraria


Em tudo na vida há fado 
Embora diga que não
Fado é destino marcado 
Fado está escrito na mão

É jura d’amor, sentida 
Ódios, ciúmes fatais
Com tanto fado na vida 
Não há dois fados iguais

Sentir a falta de alguém... é fado
Beijar a face da mãe... é fado
Estar teso e não ter vintém... é fado
Não dever nada a ninguém... é fado
Cantar com amor p’ra vocês... é fado
Ter algo no fim do mês / é fado

Chegar a casa cansado

Deitar-se p'ró lado e a mulher a ver
E nada poder fazer... é fado
Ter na mesa um bom cozido
Prato preferido e não poder comer
O que é que se há-de dizer... é fado

Ninguém sabe donde vem 
Ninguém sabe onde está
As voltas que a vida tem 
As voltas que o fado dá

O fado a um é passado 
A fado a dois é saudade
E p’ra mostrar que é verdade 
Cantem comigo este fado

Mar, meu destino

Letra e musica de José Bandarra
Repertório do Grupo Al Mouraria


Sul, Oeste, Sudoeste
Costa, Vento, Barlavento, meu amor
O destino é o mar
Que o poeta ao cantar deu vida
A norte fica a serra
E as gentes da nossa terra amiga
Infante, Nau, Adamastor
Não houve parto sem dor

Onde há mar alguém sonha
Porque essa força tamanha
Faz a vida amanhecer
Tráz tempestade e bonança
Música, poesia e dança
Bem-me-quer... mar-me-quer

Ai como me apraz
Olhar este mar que faz
Sonhar com outros mundos
Por aí adiante
Navegar com vaga de levante
Bebê-lo todo de um trago

Música, poesia e dança
Bem-me-quer... mar-me-quer

Andorinha da Primavera

Carlos Maria Trindade / Pedro Ayres Magalhães
Repertório de Madredeus 
Gravado pelo grupo Al Mouraria

Andorinha de asa negra aonde vais?
Que andas a voar tão alta
Leva-me ao céu contigo, vai
Que eu lá de cima digo adeus ao meu amor

Ó andorinha da Primavera
Ai quem me dera também voar
Que bom que era
Ó Andorinha da primavera
Também voar

Amália por favor

Ennio Morricone / João Mendonça
Repertório do Grupo Al Mouraria


Amália...
Amália...
Amália...

Tens no olhar, na alma e na voz
O verdadeiro fado que há em nós
E preso ás cordas da guitarra 
Vibra o teu coração
Sem saber a razão

Cantas o mar, a terra e o céu
Com o coração na voz 
Que Deus te deu
Sete colinas e varinas 
E mil pregões pelo ar
E o povo a rezar

Há uma voz a cantar
Saudade, teu nome quiseste dar
Á mulher que foi Amália por amar

E a cantar tu dás tanto amor
Que morres p’ra matar a nossa dor

E há sardinheiras nas janelas 
E procissões a passar
E o povo a rezar

Tens no olhar, na alma e na voz
Música no fado que há em nós

Menina das tranças loiras

Domingos Gonçalves da Costa / Maximiano de Sousa
Repertório de Max


Menina das tranças loiras 
Como douradas auroras
Que o sol ardente ilumina
Não ria dos meus cabelos 
Que outrora foram tão belos
Como os seus, linda menina

Esta cabeça que a neve 
Já salpicou ao de leve
E onde os cabelos são escassos
Já fez acender desejos 
Já descansou entre beijos
E em deslumbrantes regaços

Guarde o seu sorriso
Não faça alarde da sua beleza
Seu sorriso é preciso
Se um dia mais tarde chorar de tristeza
Não pense que o mundo ledo
É tudo sorrisos francos
E pense que tarde ou cedo
Há-de ter cabelos brancos

E como há pouco lhe disse 
Vivi sonhos encantados
Que o amor iluminou
Já afaguei com meiguice 
Muitos cabelos doirados
Que o tempo agreste orvalhou

Não ria pois, tenha calma 
E Deus guarde as suas tranças
Da cor do ouro fulgente
Seu sorriso fere a alma 
De quem vive de lembranças
Do amor há muito ausente

Brinquei com as palavras

Paco Gonzalez / Raúl Pereira *fado zé grande*
Repertório de Fernando João


Brinquei com as palavras, fiz poemas
Na minha, a tua boca a sussurrar
Deixei p’ra trás metáforas de medo
E a rima foste tu com teu olhar

Brinquei com as palavras, fiz a noite
Teu corpo junto ao meu, cor de avelã
Deixei p’ra trás os temas da saudade
E a praia foste tu, nessa manhã

Brinquei com as palavras, fiz a água
Matando a tua sede de carinho
Deixei p’ra trás mistérios e florestas
E só te vi a ti no meu caminho

Brinquei com as palavras, fiz a vida
Fiz a terra, fiz o sol, fiz a flor
Fiz do teu corpo a alma apetecida
O leito onde repousa o teu amor

É este fado

Orlando Laranjeira / Jorge Fernando
Repertório de Luísa Basto

Este é o fado
Que nos prende e nos amarra
Neste desejo de amor e ansiedade
Este é o fado
No trinar duma guitarra
E duma voz bem timbrada
Em versos de liberdade

É este o fado
Meio gingão e meio vadio
Que cantado ao desafio
Nos vem trazer a lembrança
De que este fado
Bem alegre e desgarrado
Há nascença foi marcado
Pela onda da esperança


E traz o vinho
Para a mesa da alegria
Que alimenta
Esta nossa fantasia
E mata a sede
Deste querer, desta vontade
Deste grito de saudade
Nascido da nostalgia

Este é o fado
De varinas e pregões
É a tristeza
Da cautela não vendida
É este o fado
De romances e paixões
De poetas e canções
Que ficam p’ra toda a vida

Sopa à portuguesa

José Luís Gordo / Nóbrega e Sousa
Repertório de Ada de Castro


Com legumes de saudade
Faço sopa à portuguesa
Que se come na cidade
Desta terra portuguesa

Com legumes de cansaço
Cheirando a terra sadia
Sempre com sopa e bagaço
Começa o povo o seu dia


Uma sopa à portuguesa
Aquece a tristeza 
Dum pobre sem ver
Fumegando vem p’ra mesa
E faz a riqueza 
De quem a comer
Uma sopa à portuguesa
Aquece a tristeza 
De uns olhos que a espreitam
Tem o cheiro deste povo
Tão velho e tão novo
Num fio de azeite

Já tiveste tantos nomes
Minha sopa à portuguesa
Já foste a sopa dos pobres
Numa fila de tristeza

Aqueceste tantos lares
Em noites de tanta fome
É por isso que te canto
O teu cheiro e o teu nome

Nasci fadista

José Luís Gordo / José Marques
Repertório de Carminho

Ó gente, nasci fadista
Não me chamem de artista
Fado é outra condição;
Fazer do pranto alegria
Transformar a noite em dia
Ter alma no coração

Ser amante da saudade

Ter Lisboa por cidade 
Gostar de Alfamas de gente
Ter nos olhos a tristeza

Dar ao fado esta riqueza 
Que só esta gente sente

E do povo ter o cheiro

Ser barco sem marinheiro 
Ser mais além do que artista
E dentro deste meu peito

Da minha mãe tenho o jeito 
Ó gente, nasci fadista

A cidade a horas mortas

José Guimarães / Manuel dos Santos
Repertório de Fernando João

Almas vencidas 
Na cidade a horas mortas
Vidas perdidas 
Sem saber p’ra onde vão
Em cada rua 
Há sempre um vulto qualquer
Um homem, uma mulher
Amantes da solidão


Do candeeiro da esquina
Densa névoa esconde a luz
Parece uma lamparina
A iluminar uma cruz;
Essa cruz de tanta vida
Que não tem luz, não tem nada
Quanta verdade escondida
Nas sombras da madrugada


Passos marcados 
Batem nas pedras da rua
Olhos cansados 
Vagueando ao Deus dará
As horas mortas 
São refúgio dos sem nada
Que encontram na madrugada
O que o dia não lhes dá

Quase feliz

José Luís Gordo / Carlos Simões Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Patrícia Rodrigues


Fui sol da noite em meus dias
Estrela dum céu coalhado;
Fui vento em pratas vazias
Castelos de fantasia
Nas areias do meu fado

Não me matarei por ti 
Mas por ti eu morrerei
Tudo ganhei e perdi 
Num amor quase feliz
Mas por fim eu me encontrei

Alevantados do chão 
Andam meus olhos em ver
Porque motivo ou razão 
É que rasgo o coração
Que teima em me acontecer

Rosa azul, céu infinito 
Parado na madrugada
Tanto silencio num grito 
Porque chego aonde não fico
E andando fico parada

Silêncio, não quero falar contigo

José Luís Gordo / Carlos Macedo
Repertório de Natalino de Jesus

Silêncio...
Não quero falar contigo
Não me turves mais as águas 
Que tenho para chorar
Silêncio...
Não quero falar contigo
Já me basta este castigo 
De não me saber encontrar

Silêncio...
Não quero falar contigo
Já o rio galgou as margens 
Gritando num outro mar
Silêncio...
Não me grites, por favor
Já me roubaste o meu tempo 
Que tinha para te dar

Silêncio...
Não quero falar contigo
Vai-te embora do meu quarto
Quero estar a sós comigo
Silêncio...
Não quero mais esta água
Quero esquecer esta mágoa
Mas contigo não consigo

Esta voz

José Luís Gordo / José Marques do Amaral
Repertório de Ricardo Ribeiro


Esta voz que canta em mim
É um rio que se desata
Ao beijar o teu jardim
Com sete fontes de prata

Quando choro e quando canto 
É com prazer e tristeza
Sou como a relva do campo 
Presa ao chão da natureza

Olho a papoila que baila 
Nos teus lábios rubra cor
E há uma voz que me cala 
Nos teus olhos. Meu amor

Há milhões de pensamentos 
Que são teus todos os dias
E há sete espadas de ventos 
Golpeando as ventanias

Guitarra companheira

José Luís Gordo, Carlos Macedo / José Marques do Amaral
Repertório de Carlos Macedo


Há quanto tempo te canto
Poemas que só eu sei
Todos os dias o pranto
Deste fado, te ensinei

São carícias que te faço 
Quando te encosto ao meu peito
Se choras no meu abraço 
Eu choro do mesmo jeito

Faço correr os meus dedos 
No teu corpo de menina
P’ra desvendar os segredos 
Do fado que é minha sina

Meu coração te pertence 
Minha alma se desgarra
Este amor que ninguém vence 
Ó minha querida guitarra

Sete pedaços de vento

José Luís Gordo / Custódio Castelo
Repertório de Cristina Branco

Entrego ao vento os meus ais
Onde o desejo se mata
Sete desejos carnais
Que o meu desejo desata;
Meus lábios estrela da tarde
Sete crescentes de lua
Que o desejo não me guarde
Na vontade de ser tua

Quero ser, eu sou assim 
Sete pedaços de vento
Sete rosas num jardim 
Num jardim que eu própria invento

Sete ares de nostalgia 
Sete perfumes diversos
Nos cristais da fantasia 
Amante de amores dispersos

Sete gritos por gritar 
Sete silêncios, viver
Sete luas por brilhar 
E um céu por me acontecer

Gaivota em teu cais

Maria de Lourdes Carvalho / Carlos Macedo
Repertório de Carlos Macedo


Quem me der ser gaivota
Desse teu cais por achar
Quem me dera ser gaivota
Em teus olhos cor do mar

Do suco do teu sorriso 
Meu alimento tirar
Quem me der ser gaivota 
Para em teu corpo poisar

Voar rentinho tão perto 
Mergulhar na tua boca
Quem me der ser gaivota 
Meio perdida, meio louca

Em teus olhos cor do mar 
Meio perdida, meio louca
Para em teu corpo poisar 
Fiz um cais em tua boca

Adoro essa mulher

Letra e música de Carlos Macedo
Repertório do autor


Tenho um amor que me quer
E que eu quero sem limite
Eu digo p’ra quem quiser
E quem quiser que acredite

É bem verdade o que digo
Adoro essa mulher
O que passa comigo
Não sei nem quero saber

Gostar de ti como eu gosto 
Eu aposto ninguém gosta
As loucuras que nós temos 
E fazemos, eu preciso
Preciso de estar contigo
Ser amante, ser amigo
Com teus beijos fico louco 
E pouco a pouco sem juízo

Tu dizes que me queres bem
Eu digo que bem te quero
O nosso amor tudo tem
Até tem amor sincero

Ao ciúme ninguém liga
De nada temos receio
O nosso amor não tem briga
Tem amor de prato cheio

Se eu não voltar amor

Mário Raínho / Renato Varela *fado varela*
Repertório de António Rocha

Se eu não voltar amor, para os teus braços
Aonde primaveras descobri
Decerto se perderam os meus passos
Cansados a tentar saber de ti

Se eu não voltar amor, ao teu sorriso
Sorriso aberto como um dia a despertar
Não julgues meu amor que não preciso
Da imensidão do sol do teu olhar

Se eu não voltar amor, para o teu peito
Almofada de sonho e de prazer
Chora por mim o fado mais perfeito
Que morro de saudades, podes crer

Rua da amargura

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de António Mourão


Rua da amargura
És a noite escura 
Do meu coração, assim
Rua da amargura
Mataste a ternura 
Que viveu em mim

Rua da amargura
Vive sem ventura
Vive só de dor
Rua da saudade 
E da crueldade
Rua sem destino 
Dum perdido amor

Rua da amargura
Hoje é só tristeza 
E recordação, p’ra mim
Desde que partiste
Hoje é rua triste
É rua sem fim

Só a saudade amor
Meu peito é somente dor
Meus olhos choram por ti
Não mais te vi
Uma saudade sem fim
Eu trago em mim tristeza e dor
Rua da amargura
Rua feia e escura
Rua sem amor

O Págem

Fernando Teles / Alfredo Duarte
Repertório de Alfredo Marceneiro

Todas as noites um págem
Com voz linda e maviosa
Ia render homenagem
À Marquesinha formosa

Mas numa noite de agoiro
O Marquês fero e brutal
Naquela garganta de oiro
Mandou cravar um punhal

E a Marquesa delirante 
De noite em seu varandim
Pobre louca alucinante
Chorando, cantava assim

Óh minha paixão querida 
Meu amor, meu págem belo
Foge sempre, minha vida 
Deste maldito castelo

Teu passo miúdinho

José de Vasconcellos e Sá / Alfredo Duarte *fado bailarico*
Repertório de António Pinto Basto


Quando há dias te encontrei
Tua figura intrigante
Sugeriu-me o arco-íris
Fez-me para um instante

O teu passo miudinho 
Decidido mas brejeiro
Muito leve, cor de arminho 
Cheirou-me a campo em Janeiro

Terra húmida, fogosa 
A pedir semeadura
Lembraste uma flor mimosa
Cheia de força e candura

Ao envolver-me esta aurora 
Julguei-te a rua da vida
Afinal foste-te embora 
Estou num beco sem saída

Nem uma vez consegui 
O amor de uma mulher
Quando te encontrei a ti 
Foste mais uma qualquer

O pierrot

Linhares Barbosa / Alfredo Duarte *versículo*
Repertório de Alfredo Marceneiro 

Naquele dia de entrudo / lembro bem 
Um intrigante pierrot / da cor do céus 
Um ramo de violetas / pequeninas 
À linda morta atirou / como um adeus 

Passa triste o funeral / é duma virgem 
Mas ao povo que lhe importa / aquele enterro 
Que a morte lhe passa à porta / só por ele 
Em dia de carnaval / e de vertigem 

Abaixo a máscara, gritei / com energia 
Quem és tu grosseiro que ousas / profanar 
Perturbar a paz das lousas / tumulares 
E o pierrot disse: não sei / e não sabia 

Sei apenas que a adorei / um certo dia 
Num amor todo grilhetas / assassinas 
Se não vim de vestes pretas / em ruínas 
Visto de negro o coração / e resoluto; 
Atirou sobre o caixão / como um tributo 
Um ramo de violetas / pequeninas
- - -

Versão original
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Naquele dia de Entrudo / Lembro bem:
Um intrigante pierrot / Da cor dos céus
Um ramo de violetas / Pequeninas
À linda morta atirou / Como um adeus

Passa triste o funeral / É duma virgem
Mas ao povo o que lhe importa / Aquele enterro
Que a morte lhe passe à porta / Só por erro
Em dia de Carnaval / E de vertigem
A hora é de bacanal / Cores a tingem
Por isso se alheia a tudo / Num vaivém
Farto de estar carrancudo E sem vintém
Anda ele o ano inteiro, Bem contado,
E assim ’stava galhofeiro / E tresloucado
Naquele dia de Entrudo / Lembro bem

O cortejo lá seguiu / Tristonhamente
Indif’rente aos mascarados / Foliões
Que par’ciam vitimados / Corações
Dum eterno desvario / Impenitente
O meu olhar, então, viu / Amargamente
Um caso que o intrigou / Oh! olhos meus
Quando o cortejo chegou / Entre plebeus
À porta do cemitério / Taciturna
Seguia o carro funéreo / Junto à urna
Um intrigante pierrot / Da cor dos céus

Abaixo a máscara! – gritei / Com energia
Quem és tu grosseiro que ousas / Profanar
Perturbar a paz das lousas / Tumular
E o «pierrot» disse: – Nem sei / Que não sabia
Sei apenas que a adorei / Um certo dia
Num amor todo grilhetas / Assassinas
Se não vim de vestes pretas / Em ruínas
Visto negro o coração / E resoluto
Atirou sobre o caixão / Como um tributo
Um ramo de violetas / Pequeninas

Os guardas não permitiram / Com razão
No cemitério a entrada / Triunfante
Àquela dor mascarada / Àquele amante
Cujos soluços se ouviram/ De emoção
Disseram-me então que o viram / Com paixão
Que o pobre amante tirou / Dos olhos seus
A másc’ra que os disfarçou / E fê-los réus
E num adeus, num temor / Com humildade
Um casto beijo de amor / Todo saudade
À linda morta atirou / Como um adeus

Palavras de vento

Tiago Torres da Silva / Alzira Espindola
Repertório de Maria João Quadros


O vento que vem do mar
Traz abandono nos lábios
Talvez por vir devagar
Testemunha de naufrágios

Ele contou-me um segredo / Talvez um dia o cante
Agora não, tenho medo / Que uma onda se levante

Aquilo que o vento diz / Só poucos podem escutar
Que ele é vento por um triz / Quando sopra devagar

O vento canta baixinho / Nos anéis dos meus cabelos
Porque vem devagarinho / Testemunha de degelos

E mesmo quando ele pára / Como se não existisse
Eu sinto na minha cara / Tudo aquilo que ele disse

Não esqueças o meu lamento / Não me dispas a nudez
Eu não deixo de ser vento / Só porque tu não me vês

A menina do mirante

Henrique Rego / Popular
Repertório de Alfredo Marceneiro 


Menina lá do mirante
Toda vestida de cassa
Deite-me vista saudosa
E um adeus da sua graça

A menina é o retrato 
Sem mesmo tirar nem pôr
De quem me prendeu de amor
Nas festas de São Torcato;
Tem mesmo um olhar gaiato 
Expressivo, embriagante
E essa boca insinuante 
Onde a alegria perdura
É romã fresca madura
Menina lá do mirante

Anda a brisa, com desvelo 
Perfumada a lúcia-lima
A saltitar-lhe por cima 
Dos anéis do seu cabelo;
Abençoado modelo 
De mulher da minha raça
Pois toda a gente que passa 
Olha os céus e diz ao vê-la
A menina é uma estrela
Toda vestida de caça

Ó meu amor vá um dia 
À minha terra e verá
Que do seu mirante lá 
É um voo de cotovia;
Verá como se extasia 
Ante a paisagem formosa
Que se estende graciosa
Num encanto sem limite
Caso aceite o meu convite
Deite-me vista saudosa

No domingo há procissão 
Com andores dos mais ricos
Bodo aos pobres, bailaricos 
Fogo preso e animação;
Lá encontra um coração 
Que de amor se despedaça
Portanto, a menina faça 
Esse coração vibrar
Dando-lhe um simples olhar 
E um adeus da sua graça

Mocita dos caracóis

Linhares Barbosa / Alfredo Duarte
Repertório de Alfredo Marceneiro

Mocita dos caracóis
Não me deixes minha querida
Não ouves os rouxinóis
A cantarem como heróis
A história da nossa vida

Se abalares da nossa herdade 
Os teus encantos destróis
Irás atrás da vaidade 
Que a moda lá na cidade 
Não são desses caracóis 

Teu cabelo é lindo e loiro 
De caracóis verdadeiros
Na cidade esse tesoiro
É comprado a peso d’oiro 
Nos grandes cabeleireiros

Dá-me a tua mocidade 
Que eu dou-te a minha depois
Não queiras ir p’rá cidade
Porque eu morro de saudade 
Mocita dos caracóis

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Esta estrofe não foi gravada
A tua saia rodada
Bordada de girassóis
P’ra tua escultura bonda
Serei sempre a tua ronda
Mocita dos caracóis

Fado escravo

Tiago Torres da Silva / Olívia Byington
Repertório de Maria João Quadros


É no silêncio da noite 
Quando o murmúrio do mar
Se transforma num açoite 
Que todos querem escutar
Que a mulher convoca o vento 
E semeia a tempestade
Ensinando o seu lamento 
A transformar-se em saudade

Talvez se escutem poemas
No negror do tombadilho;
As mulheres são mães supremas
Num braço, trazem algemas
No outro, levam um filho

Por cada onda há um homem 
Num remar de tanta idade
Não são as dores que o consomem
Só o consome a saudade
Há um chicote a estalar
E há um navio que avança
Ninguém se atreve a chorar
Ninguém se atreve a ter esperança

Talvez se escutem canções
Na negrura do convés
Os homens calam paixões
Esconderam os corações
Por sob a planta dos pés

Quem são estes desgraçados 
Que invocam os mares do sul
E acabam naufragados 
Na sombra do céu azul?
Que mar este que se acalma 
Em corpos que o sol queimou
Indo a estibordo da alma 
Que nenhum Deus lhe doou

Talvez se escute uma prece
E se ergam olhos aos céus
Em cada corpo se esquece
Um Deus que não o conhece
Um Deus que não quer ser Deus

Eu lembro-me de ti

Linhares Barbosa / Alfredo Duarte
Repertório de Alfredo Marceneiro

Eu lembro-me de ti, chamavas-te saudade
Vivias num moinho, ao cimo dum outeiro
Tamanquinha no pé, lenço posto à vontade
Nesse tempo eras tu, a filha dum moleiro

Eu lembro-me de ti, passavas para a fonte
Pousando num quadril, o cântaro de barro
Imitavas em graça, a cotovia insonte
E mugias o gado, até encheres o tarro

Eu lembro-me de ti, que às vezes a farinha
Vestia-te de branco, e parecias então
Uma virgem gentil, que fosse à capelinha
Num dia de manhã, fazer a comunhão

Eu lembro-me de ti, e fico-me aturdido
Ao ver-te pela rua, em gargalhadas francas
Pretendo confundir, a pele do teu vestido
Com a sedosa lã, das ovelhinhas brancas

Eu lembro-me de ti, ao ver-te num casino
Descarada a fumar, luxuoso cigarro
Fecho os olhos e vejo, o teu busto franzino
Com o avental da cor, e o cântaro de barro

Eu lembro-me de ti, quando no torvelinho
Da dança sensual, passas louca rolando
Eu sonho eu fantasio, e vejo o teu moínho
Que bailava também, ao vento, assobiando

Eu lembro-me de ti, e fico-me a cismar
Que o nome de Lucy, que tens, não é verdade
Que saudades eu tenho, e leio no teu olhar
A saudade que tens, de quando eras saudade

Vais dizer adeus

Tiago Torres da Silva / Chico César
Repertório de Maria João Quadros


Adeus que não vais voltar 
Adeus que não vais fugir
Adeus que não vais olhar
Vais dizer adeus

Não me vais mentir, n
ão te vais zangar
Não me vais sorrir
Vais dizer adeus
Eu não vou gritar, eu não vou ouvir
Eu não vou chorar
Vais dizer adeus
E vou desmentir o que o teu olhar
Teima em repetir

Há palavras que são pergunta e resposta
Há palavras que são silêncio e barulho
Hã palavras que talvez dêem á costa
Quando enfrentam a saudade num mergulho;
Ou quando o fado se encosta ao nosso orgulho

Mas se os teus olhos são meus

E neles encontro abrigo
Mesmo que te diga adeus

Fico contigo

O meu fado

Moreira da Cruz / José António Sabrosa 
Repertório de Beatriz da Conceição 
Este poema aparece gravado pelo Ricardo Ribeiro na música 
do Fado Maria Rita de Armando Machado com o título *
Mas porquê de eu ser assim* 

Mas porquê se eu ser assim 
Porque trago dentro em mim 
Tanta morte e tanta vida
Esta fogueira inconstante 
Ora chama crepitante 
Ora cinza arrefecida 

Quase sempre esta descrença 
Este estado de indiferença 
Pela verdade ultrajada 
E de repente, esta fé 
Esta ânsia de pôr de pé 
Cada ilusão derrubada 

Quase sempre a cobardia 
Com que enterro dia a dia 
Meus velhos sonhos perdidos 
E logo a fúria incontida
Com que esbofeteio a vida 
Quando ela humilha os vencidos 

Ai quem me dera ter paz
Quem me dera ser capaz 
De vos negar minha mão 
Atraiçoar um amigo 
Libertar-me do castigo 
De te sentir meu irmão

Amor alheio

Paulo César Pinheiro / Ivo Lancellotti
Repertório de Maria João Quadros


Tu foste embora e agora o meu coração
É um coração cortado ao meio
Cada metade dele é uma emoção
Numa eu te adoro, noutra eu te odeio

Tu foste embora e agora em mim, que aflição
Custa a conter o meu anseio
Fiquei achando que ia ter teu perdão
Quis tanto ter teu perdão e ele não veio

Tu foste embora meu bem
E eu vivo com receio
É tanto o amor que a gente tem
Que é triste ver que o amor de alguém
Não foi amor, foi devaneio

Tu foste embora de mim
E eu quase ainda não creio
Por isso é que eu fiquei assim
Pois só se crê que o amor tem fim
Quando é o fim do amor alheio

Grãos de areia

António Rocha / Paulo Valentim
Repertório do autor  


Tal como grãos de areia que fugiam
Por entre as minhas mãos escassas de esperança
Assim foram os sonhos que existiam
Nos restos dos meus sonhos de criança

Tal como a ira ou mansidão do vento
Afaga ou põe em fúria, a voz do mar
Também este meu triste pensamento
Recorda o que não queria recordar

Se a vida fosse um mar de brancas rosas
Como os meus velhos sonhos foram já
Não haveria estradas sinuosas
Onde procuro aquilo que não há

Assim numa alegria que é fingida
Eu sou, nesta procura do meu ser
Grão de areia que foge ás mãos da vida
E cai nas mãos da morte p’ra viver


Gota d’água

Letra e musica de Chico Buarque
Repertório de Maria João Quadros


Já te dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue, quando fervia

Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa

Por favor, deixe em paz meu coração
Que ele é um pote, até aqui, de mágoa
E qualquer desatenção
Faça não
Pode ser a gota d’água

Eu hei-de amar uma onda

Tiago Torres da Silva / Francis Hime
Repertório de Maria João Quadros


Eu hei-de amar uma onda
Que de tanto naufragar
Não deixará que eu responda
Aos gritos roucos do mar

Eu hei-de amar uma pedra
Que sentindo-se tão só
Vai fazer tremer a terra
P’ra se desfazer em pó

Não há coração mais puro 
Do que aquele que adivinho
Rente ao chão quando procuro 
O amor do meu caminho
Não tem amor mais desejado
Nem paixão mais violenta
Porque eu hei-de amar no fado 
A saudade que ele inventa

Eu hei-de amar uma fonte
Fonte de água tão clara
Que a linha do horizonte
Vai prender-se á minha cara

Eu hei-de amar uma rosa
Que ao saber-me sua amante
Irá nascer tão viçosa
Que murcha no mesmo instante