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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.280' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Aqui

Carla Pires / Alfredo Marceneiro *menor-versículo*
Repertório da autora 

Aqui estou eu a teus pés, mais uma vez 
Debruçada na janela onde te encontro
Mesmo sem te olhar nos olhos, eu já sinto
O teu cheiro em cada esquina, quando dormes

Ouço-te em cada recanto, cada beco
Cada rua pequenina onde procuro
Como se o tempo que é tempo já não ande
Passe apenas sem parar, num desatino

Busco sempre cheiros que de ti me lembrem
Quando à noite me debruço na janela
És a cidade que canto, se estou longe
És Lisboa e de todas, a mais bela

Quando parto, parto sempre com a certeza
Que um dia voltarei p’ra te abraçar
Sei que tu não és só minha, mas porém
Será sempre para ti que vou voltar 

Quero um cavalo

Reinaldo Ferreira / Frei Hermano da Câmara
Repertório de Frei Hermano da Câmara

Quero um cavalo de várias cores
Quero-o depressa, que vou partir
Esperam-me prados com tantas flores
Que só cavalos de várias cores
Podem servir

Quero uma sela feita de restos
D’alguma nuvem que ande no céu
Quero-a evasiva, nimbos e cerros
Sobre os valados, sobre os aterros
Que o mundo é meu

Quero que as rédeas façam prodígios
Voa cavalo, galopa mais
Trepa às camadas do céu sem fundo
Rumo áquele ponto, exterior ao mundo
P’ra onde tendem as catedrais

Deixem que eu parta, agora, já
Antes que murchem todas as flores
Tenho a loucura, sei o caminho
Mas como posso partir sozinho
Sem um cavalo de várias cores 

Poeta

Letra e música de Carminho
Repertório da autora

Quem escreve suas canções
Dizendo aquilo que sente
Faz crescer os corações
Emoções como semente


Sementes que deixam tal 
Que inspiram os passarinhos
A construir os seus ninhos 
À beira do vendaval
E numa confiança igual 
De entre as suas devoções
O poeta em orações 
Escreve os poemas e fados
Ilumina os mais cansados
Quem escreve suas canções

Dá-nos saber e coragem 
E é inspirado pela sorte
De uma tal singela arte 
Que só o talento tem
Escreve poemas porém 
Na tentativa demente
De dizer a toda a gente 
As emoções que não teve
Segue mentindo quem escreve
Dizendo aquilo que sente

Pois esta sabedoria 
Torna-o assim imortal
Dá-lhe coragem igual 
À do herói d’alagoria
Vive numa fantasia 
O poeta nas canções
Leva a todos emoções 
Dá imagens a beber
Ilumina, dá saber
Faz crescer os corações

Agora entendo a canção 
Que ouvi uma vida inteira
Com a tua sementeira 
Cresceu o meu coração
E nas noites ao serão 
Ouvi cantar tanta gente
Desta forma comovente 
Para entender que o amor
Cresce assim como a flor
Emoções como semente

Emboscadas

Letra e música de Sérgio Godinho
Repertório de Camané

Foste como quem me armasse 
Uma emboscada
Ao sentir-me desatento 
Dando aquilo em que me dei
Foste como quem me urdisse 
Uma cilada
Vi-me com tão pouca coisa 
Depois do que tanto amei

Resgatei o teu sorriso
Quatro vezes foi preciso 
Por não precisares de mim
E depois, quando dormias
Fiz de conta que fugias 
E que eu não ficava assim
Nesta dor em que me vejo
 De nos ver quase no fim

Foste como quem lançasse 
As armadilhas
Que se lançam aos amantes 
Quando amar foi coisa em vão
Foste como quem vestisse 
As mascarilhas
Dos embustes que se tramam 
Ao cair da escuridão

Resgatei o teu carinho
Quatro vezes fiz o ninho 
Num beiral do teu jardim
E depois, já em cuidado
Vi no espelho do passado 
A tua imagem de mim
E esta dor em que me vejo
De nos ver quase no fim

Foste como quem cumprisse 
Uma vingança
Que guardavas às escuras 
Esperando a sua vez
Foste como quem me desse 
Uma bonança
Fraquejando à tempestade 
De tão frágil que se fez

Resgatei o teu ciúme
Quatro vezes deitei lume 
Ao teu corpo de marfim:
E depois, como uma espada
Pousei na terra queimada 
O meu ramo de alecrim
E esta dor em que me vejo
De nos ver quase no fim

Foste como quem me armasse 
Uma emboscada
Foste como quem me urdisse 
Uma cilada 

Quarto de hotel

Gonçalo Salgueiro / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Carlos da Maia

Meu amor é quarto antigo
Onde vivo por castigo
Na rua que não te esquece
Meu amor é quarto de hotel
Decorado a mágoa e fel
Onde nada permanece

Meu amor é quarto fechado
Em beco escuro, isolado 
Por onde já ninguém passa
Não é quarto nem é cela
Tem uma pequena janela 
Com vista para a desgraça

Nesta rua sem sentido
Todo o amor é proibido 
E a saudade nunca dorme
Neste quarto, a solidão
Arrancou meu coração 
Mas não levou o teu nome

Meu amor é quarto frio
De albergar o teu vazio 
Sempre de porta trancada
Teu regresso quem me dera
Fico aqui à tua espera 
Meu amor, no quarto nada

Fado das sombras

Aníbal Nazaré / João Nobre
Repertório de Fernanda Baptista
Fado da Revista "Cala o Bico"

Uma sombra, um lamento
Recordação dum tormento
Que eu peço a Deus p’ra esquecer
P’ra que o mundo me não tente
Eu só queria eternamente
Estar na sombra até morrer

Sombras que são 
Ansiedade que voltou
Sombras que a luz 
Da saudade me deixou
Sombras rolando
Bailando, perdidas, fugidas
Num estranho cavalgar
Sombras que passam 
Mas tornam a voltar

Cada sombra é uma tortura
E traz consigo a amargura
Dum velho amor que morreu
Passam sombras delirantes
Que lembram sonhos distantes
Duma s
ombra que sou 

Desembarcar

Letra e música de Charles Edward Haden
Repertório de Inês Duarte

No peito trago esta saudade
Um mar de amor-verdade
Que me alimenta a ilusão
De ter o sol do teu rosto
Eterno fogo-posto
Dentro do coração

No peito trago este desejo
De ver a luz perfeita
Dos teus olhos-azulejo

Se há viagem que não canse
Que não traga vento norte
Névoa, noite, triste sorte
É sonhar-te ao meu alcance
E no cais do teu olhar
Desembarcar, desembarcar 

Negrura

Miguel Torga / Bernardo Couto
Repertório Francisco Salvação Barreto

Neste dia sem luz que me anoitece
Que me sepulta inteiro
Até de mim a minha dor se esquece
Para que eu seja um morto verdadeiro

Chove tristeza fria no telhado
Do castelo do sonho, nua, nua
A calçada que subo, já cansado
De tanto andar perdido nesta rua

Duma olaia caiu, morta, amarela
Qualquer coisa que foi princípio e fim
E bem olhada, bem pensada, é ela
Aquela folha que lutou por mim

Sozinho e morto ouço cantar alguém
Mas é longe demais a melodia
E o ouvido que vai nunca mais vem
Trazer-me a luz que falta no meu dia

Bandeira azul e branca

Letra e música de Victor Rodrigues
Repertório de António Pelarigo

Pelos soldados que tombaram a lutar
Por uma terra que qu’riam unificada
Aos marinheiros que não temeram o mar
Levando mais além a Pátria amada

Pela espada de Afonso, que desbravou
Os caminhos mais sagrados do ideal
Pela bandeira que o povo se enamorou
Que tinha as cores dos céus de Portugal

Por sentimentos que enaltecem a razão
Por cumprimento do dever e lealdade
Contra aqueles que dividem a nação
Canto o passado, por amor e por saudade

Bandeira azul e branca que encantas
Como é belo te ver a desfraldar
Nas ameias do castelo que era altar
Onde o rei ia rezar perante Deus;
Bandeira azul e branca 
Que encantas sonhos meus 

A caminho do calvário

Letra e música de Frei Hermano da Câmara
Repertório de Amália Rodrigues
Ópera *O nazareno*

Vai Cristo para a cruz e tem no rosto
Pintado a sangue, o ósculo de Judas
Em toda a terra é hora de sol posto
O céu é mar fechado em trevas mudas

Vejo a turba judaica alucinada
Vejo Cristo passar no meio d’alas
E tu Senhora, vais tão calada
Senhora Nossa, porque não falas?

Sei que Jesus padece mil tormentos
Anunciados pela profecias
Correm blasfémias no furor dos ventos
E lágrimas nos olhos das judias

Sei que dentro de Cristo, a dor caminha
E caminham labaredas infinitas
E tu Senhora, vais tão sozinha
Senhora Nossa, porque não gritas?

Tango quase fado

Rosa Lobato Faria / Mário Pacheco
Repertório de Carla Pires

Não faças caso deste riso alucinado
Não faças caso destas lágrimas à toa
O coração é que não estava preparado
Para este encontro numa rua de Lisboa

Não faças caso do meu tango quase fado
Não faças caso deste amor que me desgarra
Se o corpo lembra acordéon apaixonado
As mãos suspiram em carícias de guitarra

Mas numa noite, s
obre a calçada
Prendes-me ao peito sem dizer nada
E sem palavras, ao rés do espanto
Fui tango e fado, sorriso e pranto;
Foi de repente, foi sem aviso
Na minha frente surgiste inteiro
Foi um oásis de paraíso
Banhada em riso chorei primeiro

Morna quente

Fernando Gomes dos Santos / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte

Num mar de imenso azul
Parti com rumo a sul
Vim p’lo caminho da saudade
E o som tão doce que aqui me trouxe
Foi de cumplicidade

Senti cadências de um lamento
Num canto maduro
Vozes ao vento nas asas do futuro

Ouvi a alma desta gente
Que tem um passado
Na morna quente
Que é irmã do meu fado

O ritmo acorda o dia, aquece e contagia
Cantei o sol de ilha em ilha com sal na voz
Turvada em nós de mar e maravilha

Noite só

João Monge / Carlos Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Francisco Salvação Barreto

Cheguei à casa deserta
Foi tão escuro o que vivi
Na casa não há viv’alma
Reina uma estranha calma
E tudo me cheira a ti

No quarto não há ninguém 
Só sinais de alguém dormir
Num canto jaz um vestido
Que tu deixaste esquecido 
Com a pressa de partir

Na mesa só ponho um prato 
Estendo a toalha dobrada
O teu lugar está vazio
O que era fome é fastio 
E tudo me sabe a nada

A cama está por fazer 
Os lençóis são pontas soltas
Ainda lá está a almofada
Pelo teu rosto marcada 
Talvez eu sonhe que voltas 

O teu amor é saudade

Samuel Lopes / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte

O escuro da luz ao entardecer
Traz a sombra dos teus passos
Tantos mares juntos navegamos
E ao mesmo porto fui voltar

E o que vista já não vê
O meu coração ainda sente aqui tão perto

Ao amanhecer já não vejo o mar
Sou gaivota em terra, na tempestade
Ao anoitecer procuro o teu olhar
Mas o teu amor é saudade

Perder a magia do teu sorrir
E só a encontrar no meu pranto
É um adeus sem me despedir
Que aos meus olhos tira o encanto 

Paixão fadista

António J. Pinto / Popular
Repertório de Helena Santos

Gosto do fado castiço
Este fado que é tão nosso
E talvez seja por isso
Que canto sempre que posso

O fado nasce co’a gente 
Enquanto a gente viver
Por ser nosso eternamente 
Com a gente há-de morrer

Hei-de também ser do fado 
Entrar nas suas fileiras
Meu nome há-de ser falado 
Pelas outras cantadeiras

O fado é minha paixão 
Ele é todo o meu encanto
É dele o meu coração 
Por isso lhe quero tanto

Quem me dera que Deus queira 
Que o destino me dê sorte
P’ra que eu seja cantadeira 
Ser do fado até à morte 

O começo

Pedro Homem de Mello / Acácio Gomes *fado bizarro*
Repertório de Carminho

Principio a cantar para quem tenha
Fome de ouvir a música do vento
Porém, sabeis que fiz da mágoa, lenha
E que das suas brasas me sustento

Fiel, acorro à última chamada
Ninguém comigo, pode estar ausente
Trago uma farda inteira, já mudada
E que se há-de mudar eternamente

Só dura o mundo enquanto dura a trova
Rasgado o coração, pairam gemidos
Nascemos porque a dor é sempre nova
E não há sofrimentos repetidos

Quadras soltas

Silva Tavares / Casimiro Ramos *fado pinóia*
Repertório de Maria do Rosário Bettencourt

Dá-me os teus olhos profundos
E o mundo pode acabar
Que importa ao mundo se há mundos
Lá dentro do teu olhar

Quando me vejo no fundo
Dos teus olhos namorados
Sinto que os males do mundo
São pelo mundo inventados

Teus olhos indefinidos
São labirintos de cor
Onde os meus cinco sentidos
Andam perdidos de amor

Eu só gostava de ter
O poder de adivinhar
Que estão teus olhos a ver
Quando te vejo a pensar

Verbo ser e verbo amar
São duas frases de Deus
Que eu quisera desvendar
No fundo dos olhos teus 

Gola alta

Henrique Segurado / Alfredo Duarte *senhora do monte*
Repertório de Camané

Tu levantas mais a gola
T-shirt de casmere
Enquanto o vento se enrola
Noutras folhas a cair

Tivesse mãos outonais 
Talvez te fosse despir
Mas minhas mãos são iguais 
Aos pedintes a pedir

Estendo a mão à caridade 
Sonhando tocar nas tuas
Colho folhas sem idade
De jornais voando em ruas

Alquimias do Outono 
Tornando o verde amarelo
Capricho de rei sem trono 
Cortando relva a cutelo

São pedaços de pão duro 
Migalhas indo em roldão
Eu sou um fruto maduro 
Que não vais colher do chão

Viver de ouvido

Alice Sepúlveda / José Fialho Gouveia
Repertório de António Zambujo

Eu só sei viver de ouvido
Não fui nunca de estudar
O que sei foi aprendido
Pelas artes de escutar

Eu só sei viver de ouvido 
Nunca fui de erudições
Mas eu sei pôr em sentido 
O bater dos corações

Não me queiras no papel 
De escritor mais inspirado
Mas sei pôr na tua pele 
Um poema arrepiado

Eu só sei viver de ouvido 
Nunca leio as instruções
Mas sei ler o teu vestido 
Sei abrir os teus botões

Nenhum de nós

Marco Oliveira / Miguel Amaral
Repertório de Miguel Xavier
Este poema também foi gravado por Marco Oliveira na música 
do Fado Alexandrino de Sesimbra do próprio Marco Oliveira
    
De tudo o que dissemos, faltou dizer adeus
Chorar, seguir de vez por essa longa estrada
O tempo foi passando, levou-me beijos teus
E as cartas que escrevi ficaram sem morada

Eu nunca mais te vi, tu nunca mais me viste
Nas mesmas velhas ruas onde a saudade mora
Saudade de nós dois, do amor que ainda existe
Por pena desespera, de mágoas se demora

É tudo tão diferente, bem sei que já mudaste
Em tudo o que sonhava, em tudo o que sentisse
Mas lembra-te de mim na vida que encontraste
Adeus, amor, adeus; nenhum de nós o disse

Amor e saudade

António Torre da Guia / André Teixeira
Repertório de Miguel Xavier
Este poema foi gravado anteriormente por Ana d'Assunção
na música do Fado Isabel de Fontes Rocha

O amor que sentimento
Tão belo e tão fatal
Acaba na lei do tempo
Por nos fazer sempre mal

Saudade meu Deus saudade 
São estas coisas sem fim
Que quanto mais são verdade 
Mais caem dentro de mim

E quando o amor passou 
Tão perto do meu lugar
Quase ninguém reparou 
Que a saudade ia a passar

Quem teve amor e saudade 
E depois tudo perdeu
Pode sentir à vontade 
Que do que nada é seu

Na distância dos teus passos

Marla Amastor / Miguel Amaral
Repertório de Miguel Xavier

Porque andei de rua em rua
À mercê da tua jura
Entre as brumas da saudade
Meu amor, cada cansaço
Que dobrei no meu regaço
Dei ao vento da cidade

Nessa noite em que partiste
Nem sequer te despediste
E pisaste os sonhos meus
Na distância dos teus passos
Congelaram os abraços
Que ainda guardo como teus

Se algum dia me pensares
E a lembrança que lembrares
Te deixar em solidão
Não te apresses na demora
Porque eu espero a toda a hora
O sentir da tua mão

O tiro pela culatra

Ricardo Cruz / Maria do Rosário Pedreira
Repertório de António Zambujo

Mal a vi fui seduzido
P’lo seu corpo lança-chama
E a perna bem torneada
E meti no meu sentido
Se não a levo prá cama
Não sou homem não sou nada

Pus um ar de matador
E assim sem falinhas mansas 
Convidei-a pra jantar
Quase a vi ficar sem cor
Mas quando eu perdia as esperanças 
Aceitou sem hesitar

Pronto prá grande conquista
Barba feita, risco ao lado 
Sapato novo e brilhante
Comprei rosas na florista
E cheguei adiantado 
À porta do restaurante

Quase me caía o queixo
E até fiquei aturdido 
Com o choque da surpresa
Ela ao chegar deu-me um beijo
Apresentou-me o marido 
E foi andando prá mesa

Trazes mais amor à minha vida

António Laranjeira / Rogério Ferreira
Repertório de Cláudia Picado

Trazes mais amor à minha vida
Trazes outro rumo ao meu caminho
A noite quando vem, fico vencida
Mais perdida… e tu sozinho

Trazes mais calor aos meus abraços
Tão despidos de ti e do que somos
As palavras não perdem os espaços
Se nos teus braços sou o que já fomos

Trazes tanta luz e tanto pranto
Que me disperso a procurar em ti
Aquele olhar de sonho e d’espanto
Que no entanto eu nunca esqueci

Trazes mais amor à minha vida
O mundo é menos baço e menos triste
Não há cansaço e à noite adormecida
Segredas-me que ainda não partiste

Trazes mais amor à minha vida
E o desejo de um beijo que restou
Quando numa breve despedida
O meu corpo viveu porque te amou 

Canção de Brazzaville

José Eduardo Agualusa / Ricardo Cruz, Jon Luz
Repertório de António Zambujo


Pois me beijaste depois partiste
Até luz do sol me anoitece
E o azul do mar parece triste
Durante um fulgor tudo foi meu
Coração traidor bate e esquece
O céu dos dias que me pertenceu

Não sei se inveje quem ama ou se lamente
O amor é uma espécie de loucura
Em que vemos bailar o firmamento
Dai-me Senhor a paz do esquecimento

Pois se vi a luz e a perdi
Sou mais cego agora do que dantes
E o meu fado já não mora aqui
De que servem estrelas a brilhar no céu
Se não tiver na minha a tua mão
E o teu olhar não iluminar o meu

Depois, se a razão me diz; esquece
Neste peito bate um coração
Que contra a razão faz e acontece
Não existe mentira havendo fé
A lua perdida na imensidão
É quem no alto céu puxa as marés

Valsa do vai não vás

Letra e música de Samuel Úria
Repertório de António Zambujo

Se queres ser melhor mulher
Embarca para uma ilha
Se algum rapaz por lá houver
Não é deserta, a ilha

Se melhorares e eu te quiser
Não esqueças nessa ilha
Que eu não vou querer melhor mulher
Mulher, vou querer-te minha

Se queres, porém, enriquecer
Emigra lá p'ra fora
Se noutra terra o cofre encher
Foi bom tu estares lá fora

E se então alguém te pretender
Não te olvides lá fora
P'ra mim tu és rica mulher
Não tinhas de ir embora

Podes querer até te embelezar
Mas vais deixar-me tão triste
Não quero mais bela mulher
Mais bela não existe

Não voltes

Maximiano de Sousa / Renato Varela *fado varela*
Repertório de Max
                                                                                      
Não voltes porque não quero mais sofrer
Saudades e tristezas que causaste
Não voltes pois não quero reviver
Tanta falsa promessa que juraste

Não penses em voltar, porque não quero
Sentir a arfar teu peito junto ao meu
E agora só em sonhos eu venero
O nosso grande amor que já morreu

E deixa que o perfume da saudade
Me embale no castelo onde estou preso
E guarda p’ra castigo da maldade
O meu ódio profundo, o meu desprezo

Último desejo

Alexandre Barreto da Hora / Martinho da Vila / Noel Rosa
Repertório de António Zambujo

Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo 
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete 
Sem luar, sem violão

Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo 
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero  seu beijo
Mas meu último desejo 
Você não pode negar

Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga 
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora 
A nossa separação

Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto 
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida 
Que você pagou para mim

Braços erguidos

António Vilar da Costa / António Chainho
Repertório de Alcindo de Carvalho

Braços erguidos
Ao céu que quero alcançar
Gritos perdidos
Boca sem ter quem beijar
Olhos fechados
Abertos ao coração
Passos mal dados
No caminho da ilusão

Onde andarei
O que farei, não sei de mim
De tudo e todos ausente
Rastejo feito serpente
Num labirinto sem fim
Da felicidade
Só há saudade nos olhos meus
Minha alma não tem par
Sou gota de água no mar
Sou Padre Nosso, sem Deus

Não penses

António Laranjeira / Rogério Ferreira
Repertório de Cláudia Picado

Se pensas que algum dia me tiveste
Criaste certamente uma ilusão
Foram tais as cenas que fizeste
E não se mente assim ao coração

Se pensas que ganhaste, não entendes
Quem perde um grande amor não é feliz
Se sentes que te quero só me ofendes
Ninguém te vai querer como eu te quis

Se pensas que te espero perdes tempo
O tempo que não tens para aprender
Que ter um coração fora do tempo
E não saber ter tempo p’ra viver


Se pensas que me trazes na memória
Não sabes como dói uma ilusão
Quem confunde saudade com vitória
Não sabe como bate um coração

Não há razão maior para viver
Do que saber que o teu bate por mim
Por muito que te custe compreender
O meu amor por ti chegou ao fim 

Valsa de um pavão ciúmento

João Monge / Pedro Silva Martins, Luís Silva Martins
Repertório de António Zambujo

Eu vi como ela o trata e pensei p'ra mim
Se ele é tão bom, tem boca de pudim
Tem voz de santo e modos de pavão
Eu sei que a minha mãe nunca me fez assim
Andei na escola do principio ao fim
Uns dias ia, outros também não

Já dei por mim às vezes a falar sozinho
Troco o Benfica por algum carinho
Se ela trocar pela minha paixão
Já vi que ele usa botas de polimento
E aqueles fatos a cem por cento
Isso diz tudo acerca dum qualquer

Eu sei como ela dança com o peito colado
Ninguém diz que tem o pé apertado
Se está nos braços desse Fred Astaire
Se alguém pensar que morro deste desconsolo
Eu vou para os alunos da Apolo
E dou a vida por essa mulher

Perdão elo mau jeito que dei, meu rapaz
És tão perfeito, tu és quase um às
Mas eu guardei para o fim o melhor trunfo
Eu dei a ela mais do que a minha atenção
Abri a porta do meu coração
Ela escolheu, não foi nenhum triunfo
Amigo, vais ver que um dia ainda vais ser feliz
Se tens dói-dói faz aquilo que eu fiz
Morre por ela e trata-a com drunfo

Flinstones

João Monge / Ricardo Cruz
Repertório de António Zambujo

Eu sei que cheguei tarde 
Mas tenho uma explicação
Não passei na matilha
Não provei nem uma jola
Até colhi uma flor 
P’ra colher tua atenção
Eu juro que hoje não
Não pus o pé na argola

Trago marcas de batom 
No casaco azul marinho
Hoje foi Dia da Mãe,
Passei lá para a beijar
Mas ela já não vê bem
Beijou-me o colarinho
Ela perguntou por ti 
E acabei por me atrasar

Apanhei fila na ponte
Viste no telejornal
Ainda te quis avisar
Mas dali não tinha rede
O destino às vezes faz 
Partidas de Carnaval
Vá lá, tem pena de mim
Tenho fome e tenho sede

Eu sei que cheguei tarde
Estou meio morto e com batom
Mas deixa-me explicar 
O que foi a essa hora morta
Não grites por favor
Não faças subir o tom
Já está tudo a espreitar,
Vá lá Wilma, abre a porta

Mágoa que magoa

Jorge Fernando / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Cláudia Picado

Dizem que as horas soavam
Na velha Sé de Lisboa
Entoando p’la cidade
E as guitarras que trinavam
Dores, num fado que magoa
Quando magoa a saudade

E um vagabundo discreto
Arrastando os pés gelados 
Indiferente à sua sorte
Deu-lhe a saudade por perto
Pois foi cantador de fados 
Vindo das terras do Norte

Teve um amor desmedido
Por uma jovem cantadeira 
Por quem cedo foi trocado
Nas dores de um homem traído
Recusou-se à vida inteira 
E nunca mais cantou o fado

Dizem que as horas soavam
Na velha Sé de Lisboa 
Entoando pela cidade
E uns olhos tristes choravam
Toda a mágoa que magoa 
Quando magoa a saudade 

Fado vivido

Manuela de Freitas / Miguel Amaral
Repertório de Miguel Xavier

Eu sei que o amor tem arte
De fingir e de cegar
Mas mais que amor, é amar-te
Conseguindo perdoar-te
Sem nada te desculpar

Tu finges que estás à espera 
Que eu escreva um fado menor
A dizer que a Primavera 
Nada perdeu do que era
Por morrer o nosso amor

De que me serve inventar 
Um fado que tu não sentes
Nunca o vais poder cantar 
Tu mentes sempre a falar
Mas a cantar nunca mentes

Por isso é que eu acredito 
Que entre os fados que vivi
O meu fado mais bonito 
Mesmo que não seja escrito
Será cantado por ti

Menino

Rui Rocha / Fernando Silva
Repertório de Cláudia Picado

Dou-te a mão a cada passo 
Dás-me um beijo de menino
Mil afetos num abraço
Teu sorriso é o meu destino

É o tempo que nos guia
Com vontade de viver
São caminhos da nossa alegria
São canções que irão renascer

Serás flor crescendo ao vento
Como os versos deste fado
Alma minha meu contentamento
Meu eterno poema cantado

Minha mão estará aberta
Como está meu coração
Por seres meu, minha voz se liberta
Neste canto és tu a razão 

Pantomineiro

Letra e música de Edu Mundo
Repertório de António Zambujo

A Rosa é bonita, mas mais é a Rita
Que coisa tão bela
E as flores nela como à Gabriela
Vestem  perfume que fica tão bem
Formosa é a Anita, esguia, catita
Mas que caravela
Já a Daniela, seu corpo revela
Sorrisos que assumem que a quero também

Falei com Amélia, para ver a Aurélia
Irmã de Florbela
Pois flor como aquela só vira Manuela
A flora ciúme de rubro carmim
Quase não quis Odete
Que através de Elisabete mandou 
As lágrimas dela
Ao contar-lhe na viela que não seria ela
Quem ia cuidar de mim

Já beijei Joana e a Mariana
Mas foi com cautela
Pois nessa ruela, na mesma cancela
Num golpe de sorte, Marina me quer
Tal como a Firmina, Ana e Josefina 
Querem ter a tutela
Mas sinto a cela e o meu amor gela
Reanimo o norte e fujo a correr

Sonhei com os dias de todas as Marias 
Virem à janela
E como uma aguarela verde e amarela
Num ondulado forte de azul rosmaninho
De tanto querer tudo o que é mulher
Sei que no final
De não saber qual, vivo assim o mal
De amar sozinho