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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.285' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Grito de paz

João Aldegalega / João David *fado rosa*
Repertório de Rodrigo

Deixa morrer a saudade
Vê como o sol amanhece
O amor não tem idade
E a alma não envelhece

Sopra as cinzas do passado 
Na maré do esquecimento
Leva o teu corpo embarcado 
Na proa do melhor vento

Entrega o corpo ao futuro 
Ninguém vive a tua vida
Leva o sonho branco e puro 
Da ave à pouco nascida

Ri-te do ódio e da raiva 
E do que o tempo desfaz
Canta para que o mundo saiba 
Que o teu destino é de paz

Balada da distãncia

Horácio Carvalho / Popular *fado das horas*
Repertório de Artur Batalha 

Quero um caminho, um lugar
Onde possa estar mais só
Não quero que pises o pó
Que eu pisei ao caminhar

Quero deixar esta saudade 
Onde tu não me procures
Eu quero um lugar, algures 
Onde encontre a felicidade

Quero um sulco sobre o pó 
Que não se possa apagar
Quero um caminho, um lugar 
Onde possa estar mais só

Quero olvidar a fragrância 
Sopro de perfumes finos
Quero ouvir mil violinos 
Na balada da distância

Ter amor

Carlos Conde / Casimiro Ramos
Repertório de Florinda Maria 

Duas mãos entrelaçadas
Duas bocas muito unidas
Dois corações a bater
E em duas juras sagradas
Duas almas, duas vidas
Prontas a amar e a sofrer;
E começou entre nós 
O desejo de viver

Ter amor é ter o mundo na mão
O sumo da redenção
Todo o sol do nosso bem
Ter amor é ter tudo, mas não ter
É não ter nada a perder
Muito mais do que ele tem


Dias negros de azedume
Duas lágrimas correndo
Na palidez do meu rosto
Outra mulher, o ciúme
E a lei de um martírio horrendo
A marcar um régio posto;
E começou entre nós 
O mais intimo desgosto

Coração do alto mar

Tiago Torres da Silva / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte 

Vem à beira do tempo
Ver a vida passar
Há um rio no meu pensamento
Vai correndo para o mar

Há uma onda 
Que eu jamais hei-de saltar
Ai onda, o
nde o mar morreu de frio
Quem viu o coração do alto-mar
Diz que o rio é o sangue do luar

E quem não viu
Quem não foi, talvez se vá perder
Quem não foi, quem não viu
Jamais vai entender


Há uma esquina 
Que eu jamais hei-de dobrar
Ai... onde o meu amor morreu de frio
Vive o meu coração no alto-mar
Onde um rio é a foz do meu olhar

Vida vazia

Lopes Vitor / Francisco Carvalhinho
Repertório de Berta Cardoso 

Vejo o vazio tão nú e frio 
Do nosso lar 
Sinto a saudade duma verdade 
Que foi amar
Da inconstância olho a distância 
Entre dois mares
Vou-te esperando, sei lá até quando
Até voltares

Não, não, não queiras
Mudar o norte ao meu intento
Pois que de sorte
Eu ando ausente p
P’ra meu tormento
Volta depressa
Pois se a tantos já cheguei
Já perdoei há muito tempo


Os dias morrem e as noites correm 
Na mesma espera
Porque não vens, se tu me tens 
Á tua espera?
Pobre de mim que vivo assim 
Buscando o norte 
Vivendo a dor dum frio amor 
Fugido à sorte

Profeta

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Maria Dilar 

Vem ouvir na voz do mar
O recado do tempo 
Que a vida tem p’ra dar
O profeta rende o tempo
Fala do futuro
Diz que ele vai chegar

Enquanto a paz se faz do medo
A gente agride a própria gente
E a terra chora triste 
Enquanto vai esperando
Que a hora do profeta chegue cedo

E então n
o coração de cada um 
Nasce uma flor
Será da cor do sol, cheirando a vida 
Chamada amor

Ouve na voz da razão
A esperança renascida 
Que a fé nos dá sentido
Deixa que o teu coração
Aceite as leis da vida
Se torne arrependido

E o amor nos olhos e nos gestos
E as mãos abertas, mãos de dar
Viradas para o infinito azul do céu
Esperando a luz 
Que em breve vai chegar

Eu entrego

Letra e música de Edu Mundo
Repertório de Ana Moura 

Ao entregar me prendi 
Na liberdade dos braços
Teus passos eu perdi
E tão perto quanto agora 
Dói-me ver-te ir embora
O que outrora permiti

Disso já me arrependi 
De deixar o tempo lasso 
Já espaçado calculei 
Quis saltar o inatingível 
Assaltei o intransponível 
Me prendi e te soltei

Vai agora, minha flora
Quem te quer, ao longe também te adora 
Não me chego, mas não nego
Que o que tenho de teu, não entrego
Que o que tenho de teu, eu entrego

Há uma voz que me acorda

Fernando Gomes dos Santos / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Liliana Martins 

Há uma voz que me acorda
Do meu sonho tão cinzento
Uma voz em que transborda
Cada sonho que eu invento;
Há uma voz que me acorda
E me acalma o desalento

A minha noite sombria 
Aclara quando te vejo
Mudas-me a penumbra em dia
Que eu na escuridão, faquejo;
A minha noite sombria
Resplandece no teu beijo

Já me perdi por caminhos
Onde o sol escureceu
Ao caminharmos sozinhos
Há tantas nuvens no céu;
Já me perdi por caminhos
Mas encontrei-me no teu

No teu corpo é que me abrigo
Da solidão mais feroz
Se as trevas dormem comigo
A manhã nasce p’ra nós;
No teu corpo é que me abrigo
E acordo com a tua voz

Os lobos e ninguém

Letra e música de José Luís Tinoco
Repertório de Carlos do Carmo 

Cresceu nas pedras
Falou sozinho co’a voz de relento
Soube do sabor da morte
Da sorte e do vento
Cresceu calado
Dormiu sozinho na terra batida
Marchou descalço no pó 
Dos caminhos da vida

Guardou os rebanhos 
Dos lobos à chuva e ao frio
Suou tardes de terra dura 
Na ponta do estio
Comeu do pão magro
Da magra soldada
Largou a enxada
Largou o noivado
Largou p’ra cidade mais perto
Para um pão mais certo

Malhou no ferro
Abriu trincheiras, estradas
Sonhou
Andou no mato perdeu a infância
Matou
Marchou caldo
Dormiu sozinho na terra batida
Caiu descalço no pó 
Dos caminhos da vida

E os lobos lá longe 
E as asas de abutres sem cara
E o medo na tarde
Na farda, no corpo e na arma
Soldado na morte, do mato no norte
Na sorte do vento, no fogo da terra
Nascido descalço, crescido nas pedras
Dormido sozinho no pó do caminho
Enxada, pão magro, relento, soldado
Na ponta do estio e o medo na tarde
E os lobos lá longe 
E as asas de abutres sem cara

Beleza maldita

Gabriel Silva / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Jaime Dias 

Quero saber quem sou e não consigo
Queria saber quem és mas não consentes
Queria fugir de mim, deste castigo
E nunca mais ouvir-te quando mentes

Não queria mais falar-te mas quero ver-te
Quero saber a razão porque me queixo
Não te quero, tenho medo de perder-te
Já tentei odiar-te e não te deixo

Serás tu deste mundo ou és um mito
Ou serei eu fermente de desejos
Ou tudo será falso e eu acredito
Na loucura fremente dos teus beijos

Queria saber de ti, qual a maneira
Que fez da minha alma um mar de escolhos
Que me faz prender quase em cegueira
À beleza maldita dos teus olhos

P’ra não ver a realidade

Carlos Alberto França / Rodrigo *fado aida*
Repertório de Rodrigo 
Fado Aida, segundo "O Livro dos Fados* do mestre 
António Parreira

Corre as cortinas que a luz
Que me entra pela janela
Traz uma nova manhã
E eu hoje não quero vê-la

Corre as cortinas que a luz 
Do sol que lhe bate em cheio
Vai fazer-me despertar 
E eu hoje tenho receio

Fecha a janela que o ar 
Que vem do lado de fora
Não o quero respirar 
Pelo menos por agora

Fecha tudo bem fechado 
Que não entre a claridade
Eu hoje fico trancado 
P'ra não ver a realidade

Definhar

José Gonzalez / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Margarida Bessa 

Senhora vim pedir, ao teu altar 
A proteção na raiva destas horas
Há uns breves momentos p'ra gastar
E tu, meu amor, porque demoras?

Há um sol de verão à nossa espera
Com chamas de paixão e ansiedade
E tenho um coração que desespera
Ardendo na fogueira da saudade

Existe amargura incontida
Na luz que enegrece esta ribalta
A vida vai gastando a própria vida
E o nosso leito chora a tua falta

Mas vai crescendo em mim esta revolta
E deixo-me embrenhar p'lo sofrimento
O tempo que perdemos já não volta 
Mas volta tu, meu amor, que ainda há tempo

Primavera triste

Aldina Duarte / Jaime Santos *fado alvito
Repertório de Gisela João 

Dá-me os beijos que não déste
Os abraços que esqueceste
Meu amor, cuida de mim
Tanto tempo à tua espera
O meu olhar desespera
Neste mar que não tem fim

Odeio o céu, as estrelas
Já não sei olhar p’ra elas 
O meu norte é o meu chão
Largo o medo pelas águas
Contra o sol as minhas mágoas 
E na lua, o coração

Sou amiga das marés
Por saberem quem tu és 
Como eu e mais ninguém
Sabe Deus mais do que o mundo
Do desejo mais profundo 
De quem sofre a dor d’alguém

Tens os olhos de Deus

Letra e música de Pedro Abrunhosa
Repertório de Ana Moura

Tens os olhos de Deus 
E os teus lábios nos meus
São duas pétalas vivas
E os abraços que dás 
Rasgos de luz e de paz
Num céu de asas feridas
E eu preciso de mais
Preciso de mais

Dos teus olhos de Deus 
Num perpétuo adeus 
Azuis de sol e de lágrimas
Dizes: fica comigo 
És o meu porto de abrigo
E a despedida uma lâmina
Não preciso de mais
Não preciso de mais

Embarca em mim que o tempo é curto
Lá vem a noite, faz-te mais perto
Amarra assim o vento ao corpo
Embarca em mim que o tempo é curto
Embarca em mim

Tens os olhos de Deus
E cada qual com os seus
Vê a lonjura que quer
E quando me tocas por dentro 
De ti recolho o alento
Que cada beijo trouxer
E eu preciso de mais
Preciso de mais

Nos teus olhos de Deus 
Habitam astros e céus
Foguetes rosa e carmim
Rodas na festa da aldeia 
Palpitam sinos na veia
Cantam ao longe que sim
Não preciso de mais
Não preciso de mais

Fado da Bica

Carlos Conde / Jaime Santos *fado da bica*
Repertório de Amália 

Quem diz que o amar que custa
Decerto que nunca amou
Eu amei e fui amada
Nunca o amor me custou


Fiando junto à lareira 
Dizia a avó à netinha
Ao tempo que esta mantinha 
O crepitar da fogueira

Meu amor, não há maneira 
De fugir à fé robusta
Da paixão que não assusta 
Quem pecou por ter amado;
Porque só cai em pecado
Quem diz que o amar que custa

A neta, ao ver-se enleada 
No seu intimo segredo
Apenas sorriu a medo 
E quedou-se envergonhada

Fingindo não dar por nada 
A avó continuou
Quis um dia ao teu avô 
Como ele me quis a mim;
E quem nunca amou assim 
Decerto que nunca amou 

A casa da Mariquinhas

Capicua / Alberto Janes *vou dar de beber à dor*
Repertório de Gisela João

Foi numa ruela escura que encontrei
A tal casa do fado *A Mariquinhas*
Que de Alfredo Marceneiro
Veio ao nosso cancioneiro
Como sendo uma casa de meninas

E com o tempo passado
Foi na voz da D.Amália
Que a casa foi da desgraça às ginginhas
E que mesmo com o fado renovado
Já não tinha nem sardinhas

Depois veio Hermínia Silva que cantou
O regresso da saudosa Mariquinhas
Mas foi sol de pouca dura
Que mesmo sem ditadura
Hoje em dia até as vacas são lingrinhas

Agora vêm meus olhos
Que nem amor nem penhor
Esta casa está mais velha que as vizinhas
As janelas ‘stão tapadas com tijolos
E as paredes ‘stão sozinhas

Só um gato solitário no telhado
E uma placa que ‘stá cheia de letrinhas
Vende-se, oca, esburacada
Por fora toda riscada
E encostada na fachada, uma menina

Mas esta não canta o fado
Só sabe fumar cigarro
E com o fuma, quando sopra, faz bolinhas
Não sabe quem já morou naquele espaço
Ou quem foi a Mariquinhas

E aqui estou à porta, desgostosa
Venda a casa que ‘stá morta e em ruínas
Por causa destes senhores
Até já nem tem penhores
Porque já ninguém tem ouro nas voltinhas

Mas se eu fechar os olhos
E imaginar as farras
Ainda se ouvem as guitarras e cantigas
Porque a casa é a canção que sei de cor
E vou cantar toda a vida

Moura encantada

Manuela de Freitas / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Ana Moura 

É lenda, na mouraria
Que grande riqueza havia
Por uma moura guardada
Um dia alguém perguntou-me
Se a Moura que há no meu nome
É essa moura encantada

Não sei, só sei que me dou
E me esqueço de quem sou
Como num sono profundo
E nos sonhos que vou tendo
Eu adivinho e desvendo 
Todos os sonhos do mundo

A minha voz, de repente
É a voz de toda a gente 
De tudo o que a vida tem
Quando a noite chega ao fim
Vou à procura de mim 
E não encontro ninguém

Não sei se é lenda ou se não
Se é encanto ou maldição 
Que às vezes me pesa tanto
Sei que livre ou condenada
E sem pensar em mais nada 
Eu fecho os olhos e canto:
Serei talvez encantada
E sendo assim tudo e nada 
Eu fecho os olhos e canto

Canto da boca

Cátia Oliveira / Valter Rolo
Repertório de Liliana Martins 

Beijo no canto da boca 
Chamas e finjo de mouca
Faço rodar o vestido 
Num dia atrevido
Enrolo o cabelo no dedo 
Do escuro eu finjo ter medo
Peço que acendas a vela 
E a ponhas na janela

Gosto do teu jeito afoito, sim
E de ter quase os dezoito, tremo
Quando me mordes a orelha
Pouca vergonha *diz a velha*

Falo mansinho contigo 
Deixo espreitar o umbigo
Espalho na praça o jasmim 
Que te faz lembrar de mim
Deitas-te no meu regaço 
Despeço-me num abraço
Um beijo no canto da boca 
Não seja a saudade pouca

Meu amor que te foste sem te ver

Agostinho da Silva / Paulo de Carvalho
Repertório de Joana Amendoeira 

Meu amor que te foste sem te ver
Que de mim te perdeste sem te amar
Quem sabe se outra vida tu vais ter
Ou se tudo se perde sem voltar

Ou se é dentro de mim que tem de haver
Tanta força no meu imaginar
Que o poeta que é Deus o vá reter
E te dê vida e faça regressar

Para de novo o sonho desfazer
Num contínuo surgir e retornar
Ao nada que dá ser ao que é querer
Ao fado que só dá para se dar

Por tudo estou amor e merecer
O que venha para eu te relembrar
Só adorando o nada pretender
Só vogando nas águas de aceitar

Escada da vida

Carlos Conde / Júlio Proença *fado proença*
Repertório de Nuno de Aguiar 

Há três coisas, para nós
Que devem ser as que mais
Nos rodeiam de carinhos
Na infãncia, ter avós
Na mocidade, ter pais
Na velhice, ter netinhos

Um exemplo; avô e neto
Ternura em horas seguidas 
Entre saudades e esperanças
E deste amor amor, deste afeto
Um sorriso em duas vidas 
Amor em duas crianças

Outro exemplo: pai e filho
Conjurando horas incalmas
Sem pragas nem maldições
E desta luz, deste brilho
Sedução em duas almas 
Amor em dois corações

Que bom é trocar carinhos
Ao calor da mesma brasa 
Ao bem da mesma afeição
E todos, todos, juntinhos
Vivendo na mesma casa 
Comendo do mesmo pão

Barqueiro das estrelas

Artur Ribeiro / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Artur Ribeiro 

Até quando, barqueiro das estrelas
Até quando me sinto coisa a mais
Até quando serei barco sem velas
Até quando navego sem ter cais

Até quando me gasto em falso fumo
De fogueiras que não quis acender
Até quando vagueio noutro rumo
Que só me leva a quem não quero ser

Até quando verei à minha volta
O mundo ajoelhar perante o mito
Quando será meu grito de revolta
Ouvido para cá do infinito

Barqueiro das estrelas, até quando
O contrário da lei que nos trouxeste
E este deixar que as aves do teu bando
Me neguem o lugar que tu me deste

A vida passa depressa

Fernando Gomes dos Santos / Raul Portela *fado magala*
Repertório de Liliana Martins 

A vida passa depressa 
Não te percas no caminho
Quem se perde não regressa
Chega ao fim sempre sozinho

Andas por aí à toa 
Porque te julgas audaz
Mas olha que o tempo voa 
E nunca mais volta atrás

Só pensas noutras mulheres 
E é atrás delas que vais
No dia em que me quiseres 
Já será tarde demais

Quando acordares no escuro 
Co’a solidão a teu lado
Verás que perde o futuro 
Quem se perdeu no passado 

Retalhos

Ary dos Santos / Tozé Brito
Repertório de Carlos do Carmo

Serras, veredas, atalhos 
Fragas, estradas de vento
Onde se encontram retalhos 
De vidas em sofrimento

Retalhos fundos nos rostos 
Mãos duras e retalhadas
Pelo suor do desgosto 
Retalha as caras fechadas

No caminho que seguiste 
Entre gente pobre e rude
Muitas vezes tu abriste 
Uma rosa de saúde

Cada história é um retalho
Cortado no coração
De um homem que no trabalho
Reparte a vida e o pão;
As vidas que defendeste
E o pão que repartiste
São lágrimas que tu bebeste
Dos olhos de um povo triste 


E depois de tanto mundo 
Retalhado de verdade 
Também tu chegaste ao fundo 
Da doença da cidade

Da que não vem na sebenta 
Daquela que não se ensina
Da pobreza que afugenta 
Os barões da medicina

Tu sabes quanto fizeste 
A miséria não segura
Nem mesmo quando lhe déste 
A receita da ternura

Voar a dois

Maria Manuel Cid / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Matilde Pereira 

Amar é ser criança a vida inteira
Amar é ser assim como um cristal
É ver abrir em flor uma roseira
E ver a vida à luz de um ideal

Juntar partes iguais da mesma vida
Dois corpos num só corpo confundir
Fechar com beijos loucos uma ferida
E as portas da coragem reabrir

Deixar passar o vento no telhado
Sem nunca abandonar o mesmo ninho
Sentir que vai seguro e amparado
Chegar ao fim sem desviar caminho

Sentir o coração batendo certo
Com outro coração ir a compasso
Seguir na escuridaão destino aberto
Poder voar a dois no mesmo espaço

Ninharia

Maria do Rosário Pedreira / Carlos da Maia
Repertório de Ana Moura 

Foi nessa noite maldita
Que abri a porta à desdita
De que só eu sou culpada
Precipitada, incontida
Expulsei-te da minha vida
Por uma coisa de nada

Quando ela vinha a passar
Cismei ver no teu olhar 
Um brilho que me ofendia
E logo rompi os laços
Atirei-te p'rós seus braços 
Só por essa ninharia

O que fiz não tem remédio
Tudo é solidão e tédio 
Não mereço ser feliz
Porque não fui eu capaz
De logo voltar atrás 
E desfazer o que fiz?

Agora, quando te vejo
Suspiro pelo teu beijo 
Mas nem pergunto aonde vais
Chamo baixinho o teu nome
Na culpa que me consome 
Mas sei que é tarde demais

Cai a noite

Cátia Oliveira / Manuel Graça Pereira
Repertório de Liliana Martins 

Espero-te à saída
Dando por perdida 
Cada hora triste que passei
Sussurras “Margarida”
Amor da minha vida
E o corpo imerso no abraço que te dei

Mas porque é que partes céu afora?
Leva-me contigo, leva-me embora

Cai a noite longa na cidade
Dos amores perfeitos
Na mais longa noite da saudade
Bebem-se sonhos insuspeitos 


Cedo a despedida 
Chega desabrida 
E dilacera o coração sem lei
Sussurras "Margarida" 
A frase repetida 
Perdoa, dou-te o melhor que sei

Mas porque é que partes céu afora?
Leva-me contigo, leva-me embora

Cai a noite, veste-se a cidade
Na luz que se espelha
O amor demais leva a vontade 
E dói a sorte que nos calha

Sonhei com Amália

Eduardo Rebelo / Cavalheiro Jnr. *fado menor do porto*
Repertório de Luís Caeiro 

Um dia destes sonhei
Que vi a Amália rezar
O que ela rezou não sei
Sei que rezou a cantar

Cada fado era uma reza 
Estava sempre em oração
Com alma bem portuguesa 
E fados no coração

É por isso que cantava 
Com os olhos bem fechados
Cantava enquanto rezava 
Pois rezava a cantar fados

A sua voz de cristal 
Que Deus lhe deu p'ra cantar
Tinha algo celestial 
E assim cantava a rezar

E quando se despediu 
No meio de tanta saudade
O fado que o mundo sentiu 
Tornou-se bem da humanidade

Agora é que é

Letra e música de Pedro Abrunhosa
Repertório de Ana Moura 

Faltam palavras p'rá loucura do momento
Alguém mentiu no juramento 
Alguém nos trouxe este pesar
Salvem as pratas pela porta do jumento
Já não temos muito tempo 
E ainda havemos de dançar

Não houve balas, nem vontade de atirá-las
Não faltam bate-palas 
A quem nos traz tanto penar
Houve promessas e agora faltam peças
Levam louças e sanefas 
Cuidado, querem voltar

Agora é que é
Agora é que é
Ou fazemos malas 
Ou fazemos marcha à ré
Agora é que é
Agora é que é
Ide lá buscá-las 
E quem caiu ponha-se em pé

Houve canasta e uma gente muito casta
Um ar sisudo é quanto basta 
Cair nas graças da vizinha
Vinham de fato engomado na gravata
À mesa com quatro facas 
E uns alarves na cozinha

E houve festa de gente que se detesta
Eu não tenho um T na testa 
Que bem os via na vidinha
Foi-se a saúde com os galãs de Hollywood
Maracas e alaúde 
E agora toca a dançar

Já não me lembro se foi num dia de Setembro
Já nem sei se era membro 
Ou se lá estava por azar
Abram as comportas que frio vem dessa porta
Tanta gente a dar a volta 
E o baile vai começar!

Veio a justiça, chegou à cavalariça
Ao cavalo ninguém atiça 
Não vá o chão empinar
Fizeram frete de apreender o canivete
Com o sabre ninguém se mete 
Há tanta história p'ra contar

Chegou a fome de tirar a quem não come
De vender até o nome 
Por tuta e meia e um jantar
Virar faisões, comprar porta-aviões
Vou ali contar tostões 
Ai que vontade de mandar

Como nos romances de cordel

Tiago Torres da Silva / Valter Rolo
Repertório de Liliana Martins 

Ai, Lisboa, quem me faz a corte? 
Ai. Lisboa, quem me quer casar?
Ai, Lisboa quem vai ter a sorte
Ai, de me levar ao altar?
 

Na Igreja de Santa Luzia
Fiz promessas que não vou cumprir
Eu prefiro ir à romaria
Namorar com quem me faça rir 

E se tu me atiras num piropo
Uma quadra ao gosto popular
É possível que eu não te dê troco
Se no final a quadra não rimar 

Um Manel por cada Maria
Dez Marias por cada Manel
Não me digas que eu fico p’ra tia
Como nos romances de cordel 

Se assim for, Lisboa que me minta
Sei que o tempo corre a meu favor
Mas depois que a gente chega aos trinta
Até o tempo perde o seu esplendor 

Quem me fez promessas de alegria
Foi prá guerra mas não vai voltar
Sempre soube que não voltaria
Mesmo assim, fartei-me de o esperar 

E agora vou pró bailarico
Vou de braço dado a mais ninguém
Mas sozinha em casa é que eu não fico 
Que a solidão nunca me caiu bem

Tango de um amor proibido

Paulo Espírito Santo / Valter Rolo
Repertório de Liliana Martins 

A minha rua sente-se tua
Sempre que passas para me ver
E até a lua te espera nua
Nestas vidraças para te ter

E a sorrir eu sinto-te a chegar
Abro a porta, quero-te abraçar
Amo a noite 
Porque ela te traz p’ra mim

E danço contigo um tango perdido
Que o sol jamais verá
Amor proibido, o céu prometido
Que nunca se abrirá
És minha vida 
E o tudo que eu não terei
Ser toda em ti
Eu nunca o serei

E fica a lua dona da rua
Quando, minguante, te vê sair
E eu que sou tua, sinto-me nua
No frio instante do teu partir

Nasce o dia e volta a contrição
Cada aurora chama-me à razão
Mas eu bem sei 
Que p’ra te ter só mesmo assim

Trechos da boémia antiga

Carlos Conde / Armandinho *fado alexandrino antigo*
Repertório de Raúl Pereira 

Pronto, aqui tens um xaile, uma saia de barra
Chinelas de veludo e lenço de tricana
Agora vem daí, traz a tua guitarra
E vamos passear naquela traquitana

Vais ver como é bonito um faia à tua ilharga
Como o fado se canta e a fama se conquista
Eu levo a calça justa, o chapéu d’aba larga
As botas de verniz e a samarra à fadista

Manda agora bater a tipóia prás hortas
Quero um retiro bom, que tenha tradições
Hoje vamos os dois jantar fora de portas
Peixe frito, salada e vinho em canjirões

Sentemo-nos aqui, dizem que há malandragem
Rufias de navalha a par da fidalguia
Porém, a maior parte, é toda fadistagem
E uma guitarra vence a naifa de um rufia

Que tarde se passou, de fado e de rambóia
Mas desce agora a noite e nós vamos num salto
Mandar bater de novo essa velha tipóia
E cear numa adega ali do Bairro Alto