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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.285' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Mulher perdida

Isidoro de Oliveira / José Lopes *fado lopes*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Qualquer mulher desgraçada
Que se perdeu nesta vida
Perde-se ao ser encontrada
E continua perdida

Deve dar graças ao céu 
Toda aquela que honrada
Honrada também nasceu 
Qualquer mulher desgraçada

O amor quis encontrar 
No amor foi iludida
Foi por amor procurar 
Que se perdeu nesta vida

Dá amor sem sentimento 
Sem amar nem ser amada
Encontra-se num momento 
Perde-se ao ser encontrada

Vai gastando o seu carinho 
Com quem encontra na vida
É deixada p’lo caminho 
E continua perdida

Pobre de mim

Manuel Andrade / Filipe Pinto *fado meia-noite*
Repertório de João Braga

Pobre de mim que sou eu
Assim como tu me vês
Tudo de mim se perdeu
Tudo de nós se desfez

Ficaria bem a meu lado 
Morta, uma rosa qualquer
Que lembre um sonho passado 
Um rosto duma mulher

Meu amor, de longe vim 
Meu amor, p’ra longe vou
E ao partir vai-se de mim 
Toda a luz que em mim brilhou

Criei-me num sonho um dia 
Sonho vão que em vão nasceu
Nada mais em mim havia 
Pobre de mim que sou eu

Olhos do mundo

Tiago Torres da Silva / Frederico de Brito *fado dos sonhos*
Repertório de Teresa Tarouca

De regresso à solidão
Procuro o meu coração
Que diz que não quer bater
Porque é que ele há-de pulsar
Se o sol por não te enlaçar
Diz que recusa nascer

Lagos de leitos vazios
Já nem sabem que são rios 
Nem a direção do mar
Vão seguindo a sua rota
Nas asas de uma gaivota 
Que nunca mais vai voar

As ondas voltam pra trás
E até o tempo é capaz 
De nos roubar um segundo
Só pra te dizer adeus
Nuns olhos que sendo meus 
São do mar e são do mundo

Fado azul

 *se azul se atreve*
João Gigante-Ferreira / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Helena Sarmento

Verdes ondas branca flor
Cor do vento, espuma breve
Verdes ondas, branco em flor
Cor do vento, espuma breve;
Qualquer cor a do amor
Beijo azul p'ra quem se atreve
Qualquer cor a do amor
Beijo azul p'ra quem se entregue

Como barco rumo ao sul 
No meu corpo, a maresia
À procura desse azul 
Que o teu corpo prometia;
Na procura desse azul
Naveguei-te até ser dia

Tão constante foste vaga 
Tão ardente a maré-viva
Tua proa que naufraga 
Nosso rasto de saliva;
Tua proa que em mim naufraga
Nossas bocas na deriva

Este jeito de ser livre 
Na prisão da tua boca
Sabe a tudo onde não estive 
Lucidez que me põe louca;
Sabe a tudo onde não estive
Lucidez é coisa pouca

Somos chuva tão precisa 
Somos ventos do Magrebe
Somos ecos da Galiza 
Somos tudo o que se perde;
Somos língua que desliza 
Como tudo o que se escreve
Somos beijo desta brisa 
Beijo azul se azul se atreve

Ao primeiro beijo

Tiago Torres da Silva / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Jorge Nunes

Não sei se posso ou não posso
Dizer-te aquilo que sinto
O amor é um Pai-Nosso
Que se reza por instinto

É logo ao primeiro beijo 
Que a gente entende que Deus
É o nome do Desejo 
Quando os lábios são ateus

Não sei se devo ou não devo 
Falar do que ando a sofrer
Nos versos que já não escrevo 
Porque não sei se os vais ler

Quando dois corpos se dão 
É que o meu Deus se revela
Mas só reza esta oração 
Quem não acredita nela

Morte de Fernando d’Oliveira

Isidoro de Oliveira / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Doze de Maio, dia ameno
Praça do Campo Pequeno
Com gente até à bandeira
O cartaz é o maior
Há toiros de Castel’ Melhor 
P’ra Fernando d’Oliveira

Saem outros cavaleiros
E, a pé, grandes toureiros
Mas ‘stá tudo impaciente
O povo espera ansioso
O cavaleiro famoso  
Da vila de Benavente

Vem num cavalo montado
Que é d’azeitona chamado 
Tão negra é a sua cor
Na arena ninguém se move
Sai o toiro trinta e nove 
De seu nome Ferrador

Citando de praça a praça
Crava com arte e com raça 
Um ferro mesmo à estribeira
Segue a lide triunfante
O povo está delirante 
Com Fernando d’Oliveira

Ao quartear-se a montada
É colhida, derrubada 
À saída duma sorte
O cavalo vai fugido
Fernando fica caído 
Já marcado pela morte

Foi transportado a correr
Mas nada havia a fazer 
Salvá-lo ninguém podia
Sob o colete bordado
A vida tinha parado 
O coração não batia

Mulher que passa

Isidoro de Oliveira / Carlos Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Passas, deixando no ar
Perfume da tua graça
Passa breve o teu olhar
Parece que tudo passa
E eu fico a ver-te passar

E depois, por mais que faça 
Não te consigo esquecer
Não sei se é graça ou desgraça
No desejo de te ver 
Até o tempo não passa

Ao passar dás-me coragem 
Volta-me a esp’rança perdida
Se a vida é uma passagem
Ao passar tu dás-me a vida 
E deixas-me a tua imagem

Eu sinto que não consigo 
Viver sem te ver passar
Se um dia p’ra meu castigo
Tu partires p’ra não voltar 
Levo os meus olhos contigo

Nome antigo

Tiago Torres da Silva / Popular *fado mouraria*
Repertório de Teresa Tarouca

Há um nome que eu persigo
Mas não posso murmurar
Quero dizê-lo e não digo
Falta-me a voz se o chamar

Não é que eu não o conheça 
Ou que me tente esquecer
Se não me sai da cabeça 
Mas não o posso dizer

É um nome muito antigo 
Que adormece ao meu redor
Quero falar, não consigo 
Mas sempre o soube de cor

Talvez ele é que não queira 
Dizer-se na minha voz
Como um rio que faz fronteira 
Entre a nascente e a foz

Há um nome que eu não digo 
Mas por muito que eu o negue
Já não sei se eu o persigo 
Ou se ele é que me persegue

Só sei que um dia ensinou-me 
A falar mesmo calado
E se eu não digo o seu nome 
Ao menos chamo-lhe fado

Fado depois da tempestade

João Gigante-Ferreira / Samuel Cabral
Repertório de Helena Sarmento

Em noite de tempestade 
Quando as árvores se agitam
Somos folhas que nos gritam 
O medo que nos invade

E mudos assim ficamos 
Sem estrelas nem luar
Só espantalhos a dançar 
Dependurados nos ramos

Vejo velas nos teus olhos
Não de barcos, de moinhos
Rosa dos ventos sozinhos

Porque o raio fulminante 
Se acompanha do trovão?
É que nem a luz suporta 
Do escuro a solidão

Já lá vem a madrugada 
Vem com pressa de chegar
Traz estrelas atrasadas 
Nos teus olhos só de amar

Vejo velas nos teus olhos
Não de barcos, de acender
Incêndios de amor a arder

E depois da tempestade 
Nascem bocas incessantes
Sobre a pele de mãos se arde 
Velha história dos amantes

Aquela canção

Manuel Andrade / Alfredo Duarte *fado bailado em sextilhas*
Repertório de Eduardo Falcão

Ouves aquela canção?
Meu amor, que longe vão
As horas que ela nos deu
Ouves aquela canção?
Tantos sonhos nela vão
Sonhos que o vento varreu

Meu amor, naquela altura
Construímos de loucura 
A mais sublime ilusão
No luar entrelaçadas 
Nossas sombras de mãos dadas 
Iam naquela canção

Das sombras que baloiçavam
Só teus cabelos brilhavam 
Ia longe a realidade
E teus lábios entre beijos
Murmuravam-me desejos 
De amor e eternidade

Tudo foi no vento agreste
E dos beijos que me deste 
Ficou a recordação
Mas às vezes a sonhar
Julgo crer tudo voltar 
Ao som daquela canção

Todas as mulheres

Tiago Torres da Silva / José Lopes *fado lopes
Repertório de Cristina Clara

Há uma de mim que sonha
Com juras que não te digo
E outra que se envergonha
Por ter sonhado contigo

Uma pede que eu te assuma 
A outra sente desdém
Quem me dera ser só uma 
Mas sou a outra também

Não aprendi a ser tantas 
Não pedi este destino
Se tenho duas gargantas 
Como é que não desafino?

É que eu teço a minha teia 
Do final para o começo
Nenhuma delas te odeia 
Gostam de ti do avesso

Como na igreja os sinos 
Tocam vésp’ras ou finados
Também tenho dois destinos 
E dentro deles, mil fados

Por isso, se me quiseres 
Tens de me aceitar assim
E amar todas as mulheres 
Que eu tenho dentro de mim

El-rei D.Sebastião

Isidoro de Oliveira / José Marques *fado natália*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

El-rei D.Sebastião
Tombara no areal
O reino de mão em mão
Entre cobiça e traição
Deixou de ser Portugal

O povo desde esse dia 
Suportou o cativeiro
Dizendo que El-rei vivia
E a salvá-lo voltaria 
Em manhã de nevoeiro

Longos anos se passaram 
Debaixo da estranha lei
Os portugueses penaram
Mas portugueses ficaram 
Certos da volta de El-rei

Em manhã de nevoeiro 
Junto do paço real
Sacudindo o cativeiro
Alguém gritou do terreiro 
Viva El-rei de Portugal

Gritava Real Real 
Por nosso rei D.João
Renascia Portugal
Tinha voltado afinal 
El-rei D. Sebastião

Na companhia de fadistas

Tiago Torres da Silva / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Jussara Silveira

Não é por ter amado o fado antigo
Que eu já posso dizer que sou fadista
Mas por lhe ter amor é que eu te digo
Que o fado fez em mim nova conquista

Não sei o que há no fado Margaridas
Que chora ao mesmo tempo que sorri
Descubro neste fado tantas vidas
Que já nem sei dizer quantas vivi

Talvez não seja aceite entre os puristas
Talvez pensem que eu não tenho o direito
Mas é na companhia de fadistas
Que eu sinto a vida a latejar no peito

Sei que não sou do fado por nascença
E só o posso ser por condição
Por isso, ao começar peço licença
E assim que terminar, peço perdão;
Por isso, ao começar, peço licença
Mas só o posso amar de coração

Fado em branco

João Gigante-Ferreira / Samuel Cabral e João Gigante-Ferreira
Repertório de Helena Sarmento

Voar sem culpa do mar que nunca se deita  
Sentir a chuva a cair, de vida insuspeita
Sofrer a dor de morrer na dor imperfeita
Sorrir, por dentro mentir, verdade perfeita

Assim é a vida de amor dividida
Cerrada no peito
Um barco à deriva, verdade fingida
Doença sem leito
Eu bem que não queria saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte, sem vida nem morte
Sem crime nem lei

Amar, de amor sufocar a boca na boca
Florir, ficar e partir de tanto ser pouca
Vender de graça o prazer, sentir como louca
Chorar sem culpa do mar, do beijo e da boca

Assim é a vida de amor dividida
Cerrada no peito
Um barco à deriva, mentira fingida
Doença sem leito
Eu bem que não queria saber algum dia
Que sempre serei
O vento do norte, sem vida nem morte
Sem crime nem lei
O verso da sorte, sem que isso me importe
Saber que cheguei

Guitarra carpideira

Manuel Andrade / Alfredo Duarte Marceneiro
Repertorio de Carlos Mendes Pereira

Ó guitarra carpideira
Doce e triste companheira
Voz dolente do meu fado
Cordas tensas a vibrar
Como é lindo o teu chorar
Nesse tom terno e magoado

És como as rosas de Outono
Folhas murchas e sem dono 
Que o vento leva em carreira
Como o riso das crianças
Relicário de lembranças 
Ó guitarra carpideira

E à noite, ruas desertas
Procuras portas abertas 
Com teu sussurro amoroso
E é tal qual assim, guitarra
Quando a sorte se desgarra 
Nesse fado desditoso
- - -
Esta estrofe (3a do original) não foi gravada 

A um canto da taberna
À luz fosca da lanterna 
Vais carpindo o teu penar
Esta voz rouca e cansada
É perdida e abafada 
No confuso vozear
- - -
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Fogueira da desgraça

Isidoro de Oliveira / Filipe Pinto *fado meia-noite*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Ardem fogueiras na praça
Ardem, deixá-las arder
Na fogueira da desgraça
Ninguém se pode aquecer

Passam dias, passam anos 
Só a verdade não passa
Com lenha de desengano 
Ardem fogueiras na praça

Em atitudes ligeiras 
Todos nós, sem o saber
Deitamos lenha às fogueiras
Ardem, deixá-las arder

Não vê insensato o homem 
Na vaidade a que se abraça
Quantas almas se consomem 
Na fogueira da desgraça

É belo o fogo dourado 
Duma vida de prazer
Mas nesse fogo gelado 
Ninguém se pode aquecer

Por te ver na procissão

Tiago Torres da Silva / Carlos da Maia *fado perseguição
Repertório de Jorge Morgado

Não posso cantar o fado
Se o meu coração parado
Deixou-me o peito vazio
Mas se ele bate, não sinto
E só canto por instinto
Se já não choro nem rio

No desejo de ir embora 
Sinto que a alma não chora 
Só porque o fado a impede
E sei que o meu coração
Se bate, pede perdão 
Se não bate, já nem pede

Por isso, sempre que eu canto
Nasce em mim um dia santo 
E é nesta inquietude
Que ao pé do meu coração
Passa sempre a procissão 
Da Senhora da Saúde

Ponham colchas nas janelas
Que ao passar em frente delas 
Talvez o meu coração
Se lembre daquele dia
Em que sentiu alegria 
Por te ver na procissão

Dona fortuna

Alberto Ribeiro / Frederico de Brito
Repertório de Alberto Ribeiro

Vocês já p’raí
Uma senhora importuna
Chamada fortuna, chamada fortuna
Que anda sempre acompanhada 
Doutra senhora mais forte         
Que se chama sorte, que se chama sorte

Nasceu na rua da fé 
E mora desde criança
No bairro da esperança
No bairro da esperança
E por mais que a gente fale
E por mais que a gente diga
Não liga, não liga, não liga, não liga

Pois se alguém a encontrar 
Era favor perguntar
Onde vive agora
Onde é que ela mora
A fortuna, quando vem 
Nunca espera por ninguém
Chega só na hora
Vai-se logo embora

Já disse a dona calúnia
Qe ela é filha do acaso
Mas não façam caso, não façam caso
Também há muito quem diga 
Que ela é irmã da cobiça
É uma injustiça, é uma injustiça  
                                                       
Que ela anda um pouco indiferente 
Co’a dona felicidade
É uma verdade, uma verdade
Há quem diga que o pudor
Quando ela passa, suspira
Mentira, mentira, mentira, mentira