-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* 7.280' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

. . .

Horas de chorar

Artur Ribeiro / Miguel Ramos *fado margaridas*
Repertório de Maria Valejo

Guitarra, fica muda neste instante
Hoje não quero ouvir o teu trinar
Guitarra não me peças que te cante
Respeita minhas horas de chorar

Guitarra, por favor, pára um momento
São horas de chorar, chorar apenas
E esta noite é tal o meu tormento
Que nem tu alivias minhas penas

Guitarra, não me causes mais saudade
Não me tragas maistristeza, por favor
Não quebres o silêncio que me invade
São horas de chorar p'lo meu amor

Sou a casa

Diogo Clemente / Joaquim Campos *fado alexandrino*
Repertório de Sara Correia 

Se quanto mais te aperto, menos te sinto aqui
Se quanto mais te aparto, és dono dos meus dias
Que sábio ou Deus incerto, no inverno em que te vi
Fez por querer deixar-te às minhas mãos vazias

Chegaste-me em segredo com tudo p’ra me dar
Levaste por conquista a minha solidão
Meu bem, não tenhas medo de quereres em mim morar
Sou a casa, não insistas fugir da minha mão

É que nem vivo eu e minto às leis da vida
Nem tu fazes morada por quereres viver de luas
O amor que hoje se deu é meia despedida
É meio fim da estrada, meias saudades tuas

E agora contas feitas, meu amor diz-me onde vais
Ou então não digas nada que as dores hão-de bastar
Deixa-as cair desfeitas, são dores, nada de mais
Que ao fim da madrugada eu sei hás-de voltar

Na volta

Manuela de Freitas / Casimiro Ramos *fado freira*
Repertório de Kátia Guerreiro

Ouvi dizer que és feliz
Que pelo mal que eu te fiz
Até queres agradecer-me
Porque outra te veio salvar
Fazendo-te acreditar
Que só ganhaste em perder-me

Mas tu sabes e eu sei
Que tudo o que eu não te dei 
Há-de p’ra sempre faltar-te
E aquilo que não me deste
Foi o melhor que perdeste 
E que ninguém pode dar-te

Vais sendo feliz assim 
Não com outra, mas sem mim 
Como se fosse um castigo
Em que afinal te confrontas
Com o acerto de contas 
Que fazes sempre comigo

No fim de mais essa história
Conta co'a minha memória 
Na volta, posso ajudar-te
Ainda não me esqueci
Como dar cabo de ti 
Para vir outra salvar-te

Aqui

João Mário Veiga / José Marques *fado rigoroso*
Repertório de Kátia Guerreiro 

Aqui neste jardim onde me sento
Ar fresco, onde respiro a madrugada
Às vezes, vez em quando, sopra o vento
Mas de ti o que resta é quase nada

A sombra não engana a solidão
Fui eu que t’escolhi neste lugar
E escondo do meu próprio coração
A vontade sem fim de te encontrar

Aqui neste jardim onde me sento
Nem água mata a sede dos desejos
Mas lava dentro em mim o desalento
Saudades infinitos dos teus beijos

As flores estão desertas de saudade
Cansadas, como eu, de estar aqui
Pudesse eu conquistar a liberdade
P’ra me sentir de novo ao pé de ti

Só a distância

Flávio Gil / Alberto Costa Lima *fado dois tons*
Repertório de Carla Linhares

E de mim só a distância
Sem tristeza nem revolta
A indiferença da infância
Ao que passou e não volta

E de mim nem o desprezo 
Que aos meus ombros não desceu
E assim não sentem o peso 
Do que não aconteceu

E de mim nem a saudade 
Hás-de ter, para tua glória
Que eu não estou presa à idade 
Que tem a tua memória

E de mim, nem que eu te veja 
Hás-de sentir a inconstância
Terás tudo, de quem seja 
E de mim, só a distância

Agora o tempo

Letra e música de Diogo Clemente
Repertório de Sara Correia

Agora já não sei o que escrever
Perdi tantas palavras no caminho
Lá fora há mais um dia p’ra nascer
E eu só quero anoitecer sózinho

Agora o fumo antigo do cigarro
É pouco p’ra calar a solidão
A vida é um corpo triste a que me agarro
E quer viver aqui na minha mão

Agora o tempo pesa-me a alma
E aos poucos deixa marcas no meu peito
Escreve o teu nome a sangue e suor;
Perdi o tempo, perdi a calma
Se o sol se pôs, a noite que me guarde
É dela que hás-de vir, oh meu amor
Eu espero-te na noite, meu amor 

Agora nada tem a mesma cor
Passou o gosto amargo da saudade
O que era verde e luz sabe-me a dor
Levou o farol, escondeu-me a liberdade

Agora arrumo as coisas pela casa
E a alma é dentro dela, um corpo nu
Falta-me o par que é par da minha asa
Falta-me o meu amor, faltas-me tu

Fado Pessoa

José Fanha / José Pedro Blanc *fado blanc*
Repertório de Kátia Guerreiro

Às vezes sou quem não sou
Basta o sopro de uma aragem
Que me leva onde não vou
Quando parto de viagem

Vivo a vida d’outras vidas 
Que nunca me hão-de habitar
Em paixões desconhecidas 
Vou ao fundo a mergulhar

Visto a pele de outro qualquer 
Olho o mar e num momento
Já não estou onde estiver 
Saio à rua e sigo o vento

Sem saber aonde vou 
Beijo a lua lá no céu
Entre o que sou e não sou 
Às vezes até sou eu

Minha margem sul

Letra e música de Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia 

Da Margem Sul 
Vejo Lisboa inteirinha
Debruçando-se à beirinha
Do Tejo, seu namorado
Bairros castiços
Vejo-os todos de uma vez
E o canto mais português
Mora lá, chama-se Fado

A Margem Sul 
Também canta esta canção
Vizinha de rés-do-chão
De um rio que também é rua
Atravessada desde a Barra 
Ao Mar da Palha
P'lo vaivém de quem trabalha
Em margem que não é sua

Na Margem Sul 
Acorda mais cedo, o povo
Preparando um dia novo
Perfumado a maresia
Rompe a manhã
O cais fervilha de gente
Maré humana de enchente
Que em Lisboa se esvazia

Na Margem Sul 
Toda a gente é navegante
marujo humilde e importante
Formiga de um formigueiro
E as duas margens 
Trocam beijos sem cessar
Nas manobras de atracar
Quando chega um cacilheiro

À Margem Sul 
Também chamam “Outra Banda"
Mas p'ra quem anda e desanda
Trocando-as a toda a hora
A “Outra” é esta
Tão castiça e tão bairrista
Tão toureira, tão fadista
E nesta é que a gente mora

À Margem Sul
Regressa p'lo fim do dia
Com orgulho e alegria
Quem do trabalho faz lei
P'ra recolher 
Ao lar e à doce ilusão
De dormir na proteção
Dos braços do Cristo Rei

Quem diria

Letra e música de José Rebola
Repertório de Kátia Guerreiro c/ José Mário Branco

Se o meu destino eu soubesse 
Encontrar sem GPS
Não te tinha perguntado 
Pra que lado, pra que lado?
E tu respondeste afoito 
Quer almoço e cama feita?
Não procure muito mais 
Mas nunca vire à direita

Eu ali a olhar sozinha 
À procura do caminho
Com as buzinas já tão perto
E o semáforo aberto
Ó senhor fale-me a sério 
Não está a ver que me atrasa
Mais a sério não podia 
Fique já em minha casa

Quem diria, quem diria
Num acaso tão bicudo
Só por te encontrar a ti
Já tinha encontrado tudo
Quem diria, quem diria
Que ao levar-te pr’onde vais
Estacionava ali o carro
E não lhe mexia mais

Quem diria, quem diria
Que à espera que a fila andasse
Eu não encontrava nada
Se eu a ti não perguntasse
Quem diria, quem diria
Que ao dizeres-me para onde ia
Eu deixava ali o carro
E nunca mais não lhe mexia

Apanhada de surpresa
Co’a chave a fazer faísca
Com o carro da empresa 
Nem sabia onde era o pisca
E tu num gesto certeiro 
De super-herói sem capa
Estendeste a mão p’la janela 
Rasgaste-me ali o mapa

Oiça lá ó meu amigo 
Só sei que engracei consigo
Se o senhor não sente o mesmo 
Eu também não o obrigo
Faz favor de decidir 
Não se arrependa depois
Ou se vai daqui embora 
Ou vamos daqui os dois

A luz do Castelo Picão

Artur Soares Pereira / Popular *fado das horas*
Repertório de Daniel Gouveia
Este tema aparece com o títiulo *Maria da Luz* no livro
*Poetas do Fado-Tradicional* de Daniel Gouveia e Francisco Mendes

No velho bairro de Alfama
Em tempos que já lá vão
Tive uma gaja da trama
A Luz do Castelo Picão

A Luz era uma gaiata 
Filha de um beijo qualquer
Mais tarde foi a mulher 
Que eu cantei em serenata
À luz do luar da prata 
Vi o seu olhar em chama
Com a luz que ele derrama 
O meu peito iluminei
Nessa noite em que a beijei
No velho bairro de Alfama

Comprei logo uma samarra 
Calças à boca de sino
Cantei o Alexandrino 
Acompanhado à guitarra
Depois entrei numa farra 
Quis armar-me em fanfarrão
Mas fui parar à prisão 
Por ter naifado um rufia
Só p’ra mostrar valentia
Em tempos que já lá vão

Na Rua de São Miguel 
Onde a ia namorar
À Luz, alguém foi chibar 
Que eu parava num bordel
Ela armou tal aranzel 
Que se ouviu em toda a Alfama
Mas um fadista com fama 
Tem de ter uma rameira
E na Rua da Regueira
Tive uma gaja da trama

E quando a Luz se apagou 
Na Rua do Paraíso
Quase perdi o juízo 
E toda a Alfama a chorou
Aquela que tanto amou 
Este fraco rufião
Fez de mim um valentão 
E nisso tenho vaidade
Mas eu choro de saudade
A Luz, do Castelo Picão

Diz-me amor, como te sou querida

Florbela Espanca / Custódio Castelo
Repertório de Dina Valério 

Diz-me, amor, como te sou querida
Conta-me a glória do teu sonho eleito
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito
Arranca-me dos pântanos da vida

Embriagada numa estranha lida
Trago nas mãos o coração desfeito
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito 
Que me salve e levante redimida

Nesta negra cisterna em que me afundo
Sem quimeras, sem crenças, sem ternura
Agonia sem fé dum moribundo

Grito o teu nome numa sede estranha
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha

Deixar-te um dia

António Cálem / Popular *fado mouraria*
Repertório de Kátia Guerreiro

Não sei se te deixo um dia
Talvez já, talvez depois
Mas sei que p’ra toda a vida
Em vez de um, somos dois

Talvez aconteça um dia 
Tudo pode acontecer
Mas a partir desse dia 
Mais preso a mim hás-de ser

Falarás em liberdade 
E dirás que não me queres
Mas se disseres a verdade 
Estarei onde tu tiveres

Não sou eu, sabes que não 
É só o meu pensamento
Que me sai do coração 
Levado ao sabor do vento

Mas que a ti há-de chegar 
Lá longe, aonde estiveres
E te há-de fazer chorar 
Ou cantar, se ainda puderes

Nasci na maré

Letra e música de Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia 

Nasci na maré à beira do cais
Fui peixe e gaivota
Procurando rota 
Que me desse mais
Subi com a enchente
Lancei o meu grito d
De sonho e de esperança
Ainda criança 
Buscando infinito

Cresci para a vida 
Junto ao Rio Judeu
E o desassossego 
Da busca de emprego
Também me doeu
Nasci co’a vazante 
Da desilusão
A vida, afinal
É bem e é mal
Está na palma da mão

Estudei coisas raras 
P'ra ver mais além
Mas cavei no lodo 
À cata de engodo
Se quis ser alguém
Fiz barcos na Amora
Moí no Seixal
E do Rosairinho
Olhei com carinho 
Para a capital

Com sal de Alcochete
Temperei minha sorte
Toquei na Arrentela
Na Moita fiz vela 
Sem perder o Norte
Tal é esta sina 
De ser português
E ter por seu fado
Ver se o ordenado 
Chega ao fim do mês

Grumete no Alfeite
Subi um degrau
No Ginjal amei 
E assim carreguei 
Minha Cruz de Pau
Parei no Samouco
Recusei venenos
Fugi de empecilhos
Safei-me a Sarilhos 
Grandes e Pequenos

No Pragal rezei 
E ao Cristo subi
Lisboa serena
Parece pequena 
Ao vê-la daqui
Cantando este fado
Sinto orgulho e fé
Esqueço a minha mágoa
Sou da borda d'água
Nasci na maré

O meu bom ar

Diogo Clemente / Miguel Ramos *fado margaridas*
Repertório de Sara Correia 

Falei de ti ao mundo, por orgulho
Não quis que me julgassem menos bem
Não quis que esta tristeza em que mergulho
Viesse ali usar de mim também

Falei, não disse muito, mas bastou
P’ra que que todos pensassem que fui eu
Quem quis dizer adeus, quem apagou
A luz e o grande amor que se perdeu

Pobre de mim, que nem mentir eu sei
Se tu me ouvisses, bem que ias topar
De dia minto ao mundo o que chorei
E o quanto ainda choro por te amar

Eu queria dizer-te isto e tantas vezes
Ensaio em frente ao espelho o meu bom ar
É o meu orgulho e tem os seus revezes
Falei de ti ao mundo e vou falar

O rafeiro

Letra e música de Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia 

Tinha o pêlo revolto, luzidio
Focinho arrebitado, olhar ladino
Era rafeiro, sim, era vadio
Mas quis ser meu, quando eu era menino

Levava a minha cesta do almoço
Quando ia para a escola, em galopada
E esperava-me ao voltar, em alvoroço
Por uma festa minha… por mais nada

Punha o Chico do Talho em polvorosa
Pra lhe roubar um naco, tinha manhas
Lambia a mão da velha Tia Rosa
Sentada ao fogareiro, a assar castanhas
Ao Zé Ardina guardava a sacola
Quando um treino à socapa era a notícia
E, prá equipa não ficar sem bola
Rasgou um dia as calças ao polícia

Hoje, a rua que foi da minha infância
Parece mais estreita, mais sombria
Falta um certo latido na distância
Sobra saudade dessa companhia

Chamo em silêncio o nome que foi dele
E o eco da viela onde o perdi
Em silêncio me grita que, sem ele
Está tão diferente o bairro onde eu nasci

Tristeza velha

Maria Luísa Baptista / Popular *fado menor*
Repertório de Kátia Guerreiro 

Tenho uma tristeza velha
Tão velha, que não sei bem
Se sou eu que sou mãe dela
Se é ela que é minha mãe

Vai comigo, vida fora 
Deu-ma o destino, por sorte
Está presente a cada hora 
Vai comigo até à morte

Tento lutar, enfrentá-la 
Fingir que até sou feliz
Mas não consigo enganá-la 
Nem arrancar-lhe a raiz

Ai esta tristeza velha 
Tão velha que não sei bem
Se sou eu que sou mãe dela 
Se é ela que é minha mãe

Lisboa ao nascer do sol

Artur Soares Pereira / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Daniel Gouveia 

Eu ainda estou p’ra saber
Como fui parar um dia
Ali, ao Cais da Matinha
Foi pelo amanhecer
E pouca gente se via
Nessa zona ribeirinha

Dei por mim a admirar 
Como é lindo o nosso Tejo
Visto assim, p’la madrugada
Senti ganas de cantar 
E não contive o desejo
Não pude fazer mais nada

E quando cheguei ao fim 
Senti a felicidade
De quem diz uma oração
Olhei, vi junto de mim 
Um pescador já de idade
Com uma guitarra na mão

Disse-me assim: Meu amigo
Ouvi-te com muito agrado
Vejo que adoras Lisboa
Vou-te pedir: vem comigo 
Quero-te acompanhar num fado
Dentro da minha canoa

Descendo o Tejo lendário 
Cantei até ao Bugio
Depois lá, junto ao farol
Vi o mais belo cenário 
Que o meu olhar jamais viu:
Lisboa, ao nascer do sol

Quando o fado passa

Cátia Oliveira / Valter Rolo
Repertório de Sara Correia 

Parem os motores e as buzinas
As intrigas, ah meninas
Falem baixo que o fado vai cantar
E quando o fado canta 
Quer alguém para o escutar

Parem as campanhas e as listas
Os talheres dos turistas
Falem baixo que o fado vai cantar
E quando o fado canta 
Quer alguém para o escutar

E se sai vestido de magala
Nem um ai… há silêncio na sala
E se vem de xaile bem comprido
Só o tira na pressa do corrido;
Solta a língua, aquece o corpo em brasa
Faz do botequim a sua casa
Quando se apaixona é perdição
Cresce em triplicado o coração

Parem manifestos e tambores
Que esperem urgências e favores
Muita calma que o fado vai passar
E quando o fado passa 
Quer alguém para o olhar

Parem os piropos e as obras
E as queixas das más sogras
Haja alma que o fado vai passar
E quando o fado passa 
Quer alguém para o olhar