-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* 7.285' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

. . .

Tua dor bebi na fonte

Carlos Baleia / Daniel Gouveia *fado chafariz*
Repertório de Daniel Gouveia 

Um chafariz de água pura
Recebeu a certa altura
Lágrimas do teu chorar
E hoje o que corre na bica
Bate na pedra e salpica
Quem perto dele passar

Passei lá, depois bebi
E a fonte deu-me de ti
Frescura a saber a sal
Com sede de amor fiquei
E ao chafariz perguntei
Que água era aquela, afinal

Mas o caudal, indiferente
Falou de um choro recente
Que era o teu, bem percebi
E de ti, nada me disse
Ignorou toda a doidice
Nascida do que eu bebi

Zangado com o chafariz
Por bem saber que ele quis
Teus segredos esconder
Fica em mim a tua dor
Que fez crescer meu amor
E me obriga a lá beber

Raul Nery *Tributo*


Manuel Mendes *Tributo*



Esta cidade e o fado

Carlos Baleia / Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia 

Gosto de ser deste povo
Fruto de uniões bizarras
Que parte e volta de novo
E ouve o choro de guitarras

Trinados de nostalgia
E voz que sabe sofrer
Dão à Bica e Mouraria
A sua forma de ser

Nasceu duma teia 
E sem dar por isso
Canto de sereia 
Lançou-lhe feitiço
Sem quatro caminhos
Nem rezas de encanto
Com muito carinho
E algum quebranto;
De noite aparece 
Envolto em magia
Logo que amanhece 
Perde a fantasia
Não usa maldade 
Não tem mau-olhado
É voz da cidade 
E chama-se fado

Lisboa que não desiste
De sorrir ao seu passado
Põe um ar sombrio e triste
Quando o fado anda calado

Gosta de ser da cidade
Que sendo uma feiticeira
Logo que chega a saudade
Põe o xaile e é cantadeira

Porque será?

Carlos Baleia / Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia 

Porque será que o teu desprezo me prende
Quem poderá explicar o que não entende
Porque será que quando chegas me ausento
Quem poderá pôr fim a este tormento

Se isto é amor
É outra espécie de dor
Se isto é ciúme
Queima muito mais que lume
Se isto é doença
Não há remédio que a vença
Mas se é paixão
Não está mais na minha mão

Por isso digo que sofrer é estar contigo
Por isso grito que o meu amor é maldito
E ter-te ao lado é um sonho inacabado
É amar sem ser amado e odiar-te neste fado

Se isto é amor
É outra espécie de dor
Se isto é ciúme
Queima muito mais que lume
Se isto é doença
Não há remédio que a vença
Mas se é paixão
Bendigo a condenação

José Manuel Neto *tributo*


Mil cores

Carlos Baleia / Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia 

Se houver um norte de amor
Orientado para sul
Se esse amor tiver cor
E se essa cor for azul
Hei-de dar um verde ao céu
Em sinal de segurança
P’ra que o azul seja meu
A dar cor à minha esperança

Se o amor viver no sul 
E o ocaso for laranja
Com raios de um sol azul 
Que só no sonho se arranja
O verde da minha esperança 
Com laivos encarniçados
É um arco-íris que dança 
Em pontos desencontrados

Se o amor tiver mil cores 
Com cem pontos cardeais
Como a vida tem amores 
E o mar tem vendavais
Não pode o tom da paixão 
Vir a ser um e não mais
Como arco-íris sem razão 
De sete cores sempre iguais

Quero um amar verde-azul 
Amarelo-alaranjado
Aurora de norte e sul 
Com poente avermelhado
A marcar sonhos de cor 
De um arco-íris inventado
De um verde nascer de amor 
Com pôr-do-sol azulado

Sendo eu Tejo e tu navio

Carlos Baleia / Daniel Gouveia *fado navio*
Repertório de Daniel Gouveia

Lisboa, que entras em mim
Na tua luz, nos teus cheiros
Nos versos que te cantaram
Onde Cesário é jardim
Teus cantadores, Marceneiros
Dos tronos que te enfeitaram

Das ruelas, dos recantos 
Norberto tinha o segredo
Que ainda por ti circulam
E de mistérios e encantos 
São tecidos os enredos
Que os teus anos acumulam

Há mouros pelas esquinas 
E no cais vozes gentias
Relembram tudo o que és
E as gaivotas p’las colinas 
São poetas, são vigias
Que te cruzam lés-a-lés

Teu Santo António nas ruas 
Não sei se discursa ou não
Para os peixes deste rio
Mas, tu, que bem te insinuas 
Entraste em meu coração
Sendo eu Tejo e tu navio

Anos a fio

Carlos Baleia / Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia

Tomem cuidado 
Porque agora sou poeta
Que de maneira indiscreta
Deixa cantar versos loucos
Escrevi um fado 
Que em tom leve do corrido
Até ficou no ouvido
Dos que dizem que são moucos

Esse meu fado 
Não canta fora de portas
Não vive nas horas mortas
Nem tem dores para chorar
É só cantiga 
Que já não conhece briga
Nem navalha nem intriga
Mas que insiste em cá ficar

Por isso luta 
Com o rap, o funck, o rock
E tudo o mais que se toque
Neste século vinte e um
E na disputa
Este meu fado aparece
Como herdeiro que não esquece
Memórias do trinta e um

O trinta e um
Duma vida assim-assim
Onde a rocha faz de mim
Mexilhão de mar bravio
Em que nenhum 
Dos donos do que nós temos
Imagina o que aprendemos
Com o fado, anos a fio

Alvaro Martins *Tributo*



Alcino Frazão *Tributo*


Seja meu fado o que for

Carlos Baleia / Daniel Gouveia *fado mesclado*
Repertório de Daniel Gouveia

Tenho meu fado de cor
Em tudo o que veio de ti
Tu foste o fado maior
Dos amores que eu vivi
Não digam que ele é Menor
Pois por ele me perdi

Eu estou preso nesse dia
Em que o meu sonho ruiu 
E chorei numa agonia
Que o fado nunca sentiu
Não digam que é Mouraria 
Este meu fado vazio

Desde então tenho vivido
Se a isto viver se chama 
Nas saudades sem sentido
Que vêm da tua cama
Não digam que é Corrido 
Fado triste de quem ama

Seja meu fado o que for
Veio de ti e em mim ficou 
Fado que tenho de cor
E que minha voz calou
Para não cantar a dor 
E a saudade que deixou

Se tu fosses como eu queria

Carlos Baleia / Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia

Se tu fosses como eu queria
Em vez de seres como és
Decerto te adoraria 
E cairia a teus pés;
Serias dona do mundo
Se o mundo me pertencesse
E até um amor profundo
Talvez a ti, te oferecesse;
Bastaria um só olhar
Um sorriso, uma ternura
P’rá vida se transformar 
Em duradoura ventura                   

Mas, tu, tirana
És cruel, és indiferente
E soberana 
Assim passas entre a gente
Segues sem ver
Altiva no teu andar
Todo este querer 
Que eu guardo para te dar
E nesse andar 
Onde pisas sentimentos
Não há pesar
Por desgostos ou tormentos

Mas um dia tarde ou cedo
Quando o amor te atingir
Decerto sentirás medo 
Ou vontade de fugir;
E rezo aos santos amigos
Que eu seja disso culpado
Desejando-te castigos 
Pelo desprezo que tens dado;
Castigos que a mim te prendam
Correntes que não desatem
Beijos que me surpreendam
Ou carícias que me matem              

Pois tu, tirana
Tão cruel e indiferente
A tal soberana 
Que nem via a outra gente
Hás-de perder 
O estilo do teu pisar
E merecer 
O amor que posso dar;
E encantada 
Com vida de nova cor
Por mim chamada
Correrás para o amor

Prece à noite

Torre da Guia / Manuel dos Santos
Repertório de Fernando João

Que a noite seja leito de ventura
Em cada coração despedaçado
Que a noite seja fonte de ternura
Nas trevas de quem vive abandonado

Tragam-me a noite inteira numa taça
E um vinho de verdade que me aqueça
A noite é mensageira e por desgraça
Só vive de saudade quem regressa

E muito-muito antes que amanheça
Que exista ainda um fado por fadar
E que um par de amantes adormeça
Nos braços dum pecado por pecar

Que a noite seja rumo e caminho
Jornada de regresso à felicidade
Que a noite seja lar, seja cantinho
De paz, de amor, de liberdade

Envelhecer em Lisboa

Carlos Baleia / Daniel Gouveia
Repertório de Linda Leonardo 

Sinto a cidade 
Em passos que vou cumprindo
No avançar da idade
Em sonhos que vão caindo
E a saudade 
Colada nos meus cansaços
Segue o rumo dos meus passos
A falar da mocidade

No empedrado 
Vou lendo histórias antigas
Livro magoado
Que inspira suas cantigas
Ouvem-se os sinos 
Das igrejas do Chiado
E os meus passos peregrinos 
São ecos do meu enfado

Sinos de fado
Estranha oração de Lisboa
Um som salgado 
Na cidade de Pessoa
Poema ouvido
Soluço que dobra a esquina
E é repetido de colina p'ra colina

Peso nos ombros
Água nos olhos saudosos
Dos meus escombros 
Relembro tempos viçosos
Ao caminhar nesta viela escondida
Sem partir e sem chegar
Cumpro meus passos na vida

O rio do meu sonho

José Fernandes Castro / Armando Machado *fado marana*
Repertório de Rute Rita 

O rio do meu sonho já secou
Agora só existo neste fado
O mar onde o meu barco navegou
Tem ondas de prazer desencantado

O rio do meu pranto, tem agora
O sal da solidão e do tormento
A vida já não tem data nem hora
Pois tudo se resume ao sofrimento

O rio transbordante do meu peito
Não tem o encantamento das marés
Meu sonho, já distante e já desfeito
Não tem a cor do amor com que me vês

Mas mesmo assim, eu quero que o meu rio
Naufrague, no teu mar encapelado
E vá beijar a proa dum navio
Que trago a navegar neste meu fado

Sé velhinha

Américo Costa / Isidro Batista
Repertório de João Correia 
Este tema foi também gravado com o título "Passo à Sé"

Passo à Sé já de noitinha 
Vou encostar-me ao pelouro
Tranquila em sonho ledo
Vejo a Ribeira rainha 
Enamorar-se do do Douro
Dando ciúme a Barredo

E a Maria Manuela 
Com o seu xaile traçado
À modinha afadistada
No chão se ajoelha e reza 
E pôs-se a cantar o fado
Até alta madrugada

Eu quero viver sempre na Sé
Porque tu, Sé
És o meu torrão amado 
Tu, Sé velhinha
És o meu berço sagrado
E do Porto és a rainha
E és rainha do fado

Vejo o Chico de samarra 
E calça à boca de sino
Isto, às três da madrugada
Leva consigo a guitarra 
E já ébrio, quase sem tino
Cambaleia na calçada

Eu vejo o Fá e a amante 
Em sincera comunhão
Embora dois plebeus
Eu vejo a lua distante 
A cair  na imensidão
E à Sé dizendo adeus

Para sempre

Carlos Baleia / Daniel Gouveia
Repertório de Daniel Gouveia 

Nasceu o amor, nos dias de escola
Ela era traquina, ele, um mariola
E assim se olhavam, num jeito maroto
Amor da menina, paixão do garoto

Corações gravados em muito jardim
Num dia de sol, disseram que sim
E a gente sabia qual era o destino
Num dia de chuva, nasceu um menino

E foram marchando, vencendo a batalha
Sabendo sorrir, desculpando a falha
E em seus olhares não morre o desejo
Que as breves zangas acabam num beijo

A velha menina e seu rapazola
De cabelos brancos, já não vão à escola
E é coisa bem rara passear pela rua
Mas o amor de sempre neles continua

Há choro na Mouraria

Carlos Baleia / Daniel Gouveia *fado naifa*
Repertório de Daniel Gouveia 
Este poema também foi gravado por Daniel Gouveia 
na Marcha do Manuel Maria de Manuel Maria Rodrigues

Certa noite violenta
Frente à taberna sebenta
Uma navalha matou
Na rua do Capelão
Dois homens foram ao chão
Mas só um se levantou

Gritos da mesma mulher 
Que se dava a um qualquer
Soaram pelo desgraçado
E desfizeram-se em pranto 
Nunca ninguém soube quanto
Junto ao corpo trespassado

Ele fora um marinheiro 
Que num gesto cavalheiro
Quis defender a Severa
Da arremetida de um faia 
Malvado, que de atalaia
Por ela ficara à espera

Coisa nova para ela 
Ter recebido a tutela
De um homem que ia a passa
E a fadista, comovida 
A dura mulher da vida
Só lhe agradece a chorar

A luz dum grande amor

José Fernandes Castro/ João Maria dos Anjos
Repertório de Rute Rita 

Desliga a luz da tristeza
E dá-me a claridade
Desse teu olhar feliz
A cor da tua beleza
Tem a mesma intensidade
Do amor que eu sempre quis

Desliga a luz e sossega
Nos braços deste prazer 
Que me sufoca no peito
Este peito que se entrega
Ao suave amanhecer 
Deste nosso amor perfeito

Desliga a luz do luar
E vem comigo provar 
Os sonhos da sedução
Em nome do amor profundo
Temos toda a luz do mundo 
E o mundo na nossa mão

Num bar

Domingos Gonçalves Costa / Eugénio Pepe
Repertório de Tony de Matos

De bar em bar
Bebida atrás de bebida
Foi assim a minha vida
Meses, tentando esquecê-la
Mas era à noite
Que a minh'alma incompreendida
Por entre a noite perdida
Louca, corria atrás dela

Ninguém suponha
Que um homem que adora e quer
Poderá sentir vergonha
Por gostar duma mulher
Pode chorar
Pode sentir-se infeliz
Ao fazer como eu já fiz
Esconder suas dores num bar


Na imensidão
Desse bar, só uma imagem
P'ra me tirar a coragem
Surgia na escuridão
Imagem bela
Que eu adoro e no entanto
Eu estava ali para um canto
Louco, tentando esquecê-la

P’ra me livrar da saudade

Mário Rainho / Frutuoso França *fado jovita*
Repertório de Fernando Jorge 
Esta melodia que aparece como sendo o Fado Jovita 
é o Fado Moreninha de Santos Moreira

Desculpem, que a saudade não me deixa
E não me sai da alma, onde se abriga
Já fiz ao coração, tanta vez, queixa
Mas esse pobre louco não me liga

Bem tento excomungá-la do meu peito
Da boca, aonde sobe a toda a hora
Mas, a saudade sempre arranja jeito
Desculpas pra ficar, não ir embora

Se acamo, os meus lençóis, pra dormir
Logo ela toma conta d’almofada
E possui os meus sonhos, a sorrir
Desperta-me por tudo e até por nada

Mas hei-de arranjar modo de despejo
Para a arrancar de mim, forçosamente
Nem que, pra isso, engane o seu desejo
E vá viver contigo, novamente

Anjos caídos

Fernando Campos de Castro / Pedro Rodrigues
Repertório de Paulo Cangalhas

Nesta hora de partida
Será tempo de ficar
Neste desejo que abrasa
Dois amantes sem ter casa
E sem ter onde morar

Fiquemos à beira-esquina 
Onde a noite se insinua
Depois que tudo adormeça 
E a cidade nos ofereça
O quarto aberto da rua

Com lençóis de neblina 
Sob a luz dum candeeiro
Boca na boca em ternura 
Seremos corpo em loucura
Bem maiores que o mundo inteiro

Como dois anjos caídos 
Nas pedras negras do chão
Dormiremos já cansados 
Com os corpos abraçados
Em forma de coração

Fado nocturno

Feijó Teixeira / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Amália 
Tema gravado por Carlos do Carmo com o título *Rodam as quatro estações*

Rodam as quatro estações
Dá lugar o sol à lua
Cai a noite sem pregões
E nós ficámos na rua
A escutar dois corações
Que dizem que vou ser tua

Podes dizer-me um adeus 
E olhar-me com desdém
Eu sei que não serás meu
Só quero que todo o bem
Que agora mesmo morreu
Não o dês a mais ninguém

Cegam-me as luzes perdidas
Que se escondem p’la cidade
Horas mortas já vencidas
Doem-me as dores da saudade 
E das saudades fingidas
De quem finge ter saudades