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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.285' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Marés de Lisboa

Isidoro de Oliveira / Jaime Santos *fado alfacinha*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Lisboa, o Tejo a brincar
Anda ao sabor das marés
Se desce foge p’ró mar
Se sobe beija-te os pés

Se sobe beija-te os pés 
Não desprezes esse beijo
Porque tu só és quem és 
Por estar à beira do Tejo

Por estar à beira do Tejo 
Foi marinheiro o teu povo
Que cumprindo o teu desejo 
Descobriu o Mundo Novo

Descobriu o mundo novo 
Que ao Tejo trouxe riqueza
Tornou famoso este povo 
E a ti deu a grandeza

E a ti deu a grandeza 
Que te fez temida e forte
Fez de ti uma princesa 
Foi ditosa a tua sorte

Foi ditosa a tua sorte 
Que agora está a mudar
Mas mudança não é norte 
Não deves desanimar

Não deves desanimar 
Porque Deus nunca nos falta
Na vida como no mar 
Volta sempre a maré alta

Se a vida fosse verdade

Repertório de Carlos Mendes Pereira
Manuel Andrade / Henrique Lourenço *fado cigana*

Se a vida fosse verdade
Nem tu serias saudade
Nem eu seria lamento
Nem as roseiras floridas
Seriam folhas caídas
Que vão perdidas no vento

E o mundo de cada sonho
Seria um mundo risonho 
Seria realidade
Eu seguiria sorrindo
Toda a vida a um sonho lindo 
Se a vida fosse verdade

Não seria a noite escura
O amanhecer amargura 
Nem nós dois folhas caídas
E o tempo não levaria
O prazer de cada dia 
Nem as roseiras floridas

P’ra mim é tinto

José Gago / Gualter Fonte Santa
Repertório de João Casanova

Não sou nenhum bebedor 
Disso tenham a certeza
Mas sou bom apreciador
Da boa pinga à portuguesa

Gosto muito do verdinho 
O branco, não nego, não
Mas para mim, o bom vinho 
Será o tinto, bem carrascão

Numa festa, ou, ramboiada
Não quero mais nada
Só bebo tinto
Numa tasca ou num retiro
O que eu prefiro é vinho tinto
É vinho tinto
Com dois tintos à maior
Expresso melhor tudo o que sinto
Digam lá o que disserem
Que digam mal, se quiserem
P’ra mim é tinto, p’ra mim é tinto

Mesmo quando vou cantar 
Nalguma festa bairrista
Com bom vinho a acompanhar
Até me sinto mais fadista

O sentimento é maior 
Podem crer que eu não minto
A voz me soa melhor 
O próprio fado me sabe a tinto

Espera de gado

Isidoro de Oliveira / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Num galope alucinado
Vai o gado tresmalhado
Numa nuvem de poeira
Cavalos à desfilada
Sem ver nada da manada
Vão chegando à sua beira

Cabrestos a chocalhar
A saltar, a galopar 
Vão também chegando perto
O gado vai-se entregando
Afrouxando, encabrestando
E entra num trote certo

Vem à frente o abegão
Por missão, vara na mão 
Conduzindo toiros de raça
Na rua o povo apinhado
Animado, espera o gado 
Que vai caminho da praça

Há toureiros d’improviso
Sem aviso, sem juízo 
Com a coragem do vinho
Após breve confusão
Põe-se mão, com decisão 
E tudo volta ao caminho

Era assim no tempo antigo
Como eu digo, meu amigo 
Que os toiros entravam na praça
Hoje tudo está mudado
Vem o gado enjaulado 
Já não tem a mesma graça

Minha aldeia ao meio-dia

João Fezas Vital / António Chaínho
Repertório de Saudade Maria

Para ficar a teu lado
Despi meu corpo e rasguei
Veias que foram meu fado
Versos que nunca cantei

Por ti meu corpo inventou 
Planícies feitas ao rio
E à flor da pele de quem sou 
Soluços em desafio

Meu amor, minha tontura
Minh’aldeia ao meio dia
Meu início de aventura
Meu sabor de água fria;
Não terás nunca a secura
Da sede que em mim havia

Se abro as mãos que trago cheias 
A noite fecha-se à rua
Em dor e riso, lavei-as 
Meu amor, para ser tua

O frio da castidade

João Fezas Vital / António Chaínho
Repertório de Vasco Rafael

Abri a porta do quarto
Ao frio da castidade
E penetrei a cidade
Com que vivo de mim farto;
Cansado de ter saudade
Das partidas que não parto

De noite, como em segredo 
Que a luz do dia engana a gente
Fiz-me de raça diferente 
Animal com menos medo;
E dei por mim, de repente 
A não ser tarde nem cedo

E vieste, semi-nua 
Dei-te a mão, e foste minha
E toda a raiva que eu tinha 
Se fez seiva ali na rua
E toda a pedra foi vinha 
E a minha esperança foi tua
Quando voltei ao meu quarto 
Estavam lá o sol e a lua

Só a morte de passagem

João Fezas Vital / Joaquim Campos *fado puxavante*
Repertório de Teresa Siqueira

Deixaremos aberta a porta
Quando o frio é lá de fora
Ser senhores da noite morta
E do medo que lá mora;
Obriga o corpo sem dono
A desabrigos de hora

Cachos de uva madura 
Teu corpo de lentidão
Lume aceso que perdura 
O tempo da solidão;
Segredos de água pura 
Que trago em cada mão

Meu amor, minha verdade 
Caso de ser sol oculto
Lá fora a noite é cidade 
E a cidade é um insulto

Porta aberta, grande estrada 
Em delírio de viagem
Não a feches, não foi nada 
Só a morte de passagem

Quis-te tanto, meu amor

João Fezas Vital / Verónica
Repertório de Vasco Rafael

Quis-te tanto, meu amor
Como quem quer um lençol
Onde se guarda o suor
Dum cansaço com razão;
Lençol que me acolhesse
Quando se me acaba o sol
E tudo em mim, entristece
Bordado p’la tua mão

Quis-te tanto, meu amor 
Que me traí em segredo
Num soluço com a dor 
De quem trai uma criança
Quis cantar tudo o que sei 
Como quem grita de medo
Fora de casa e da lei 
Quando o amor é já sem esperança

Quis cantar o que te quero 
Com a voz com que te chamo
Meu amor de desespero 
Minha raiva e aflição
Cantar, cantar, e morrer 
Na varanda de oceano
Que se ergueu de ti, mulher 
Nesta minha solidão

Tarde negra

Manuel Andrade / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Carlos Mendes Pereira

Vida, que vida é a nossa
Feita de escolhos, sem porto
De gaivotas sem voar
Já não há sonhos que eu possa
Sonhar, nesse sonho morto
Que matamos a sonhar

Passou triste a claridade 
Dessa madrugada fria
Em que o mar nasceu p’ra nós
E voltou nua a verdade 
Verdade que o mar dizia
Para além da sua voz

Mar que foi meu pensamento 
Gaivota que foste um dia
Incertezas que cruzamos
Praias perdidas no vento 
Tarde negra, negra e fria
Em que nós mudos ficamos

Eu só te pedi um beijo

Isidoro de Oliveira / Jaime Santos *fado vadio*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Eu só te pedi um beijo
Que me deste por favor
Mas depois por teu desejo
Deste-me um beijo d’amor

Deste-me um beijo d’amor 
Tudo começou assim
Pedi mais do teu calor 
E tu disseste que sim

E tu disseste que sim 
Ao amor feito verdade
Toda te entregaste a mim 
Vivemos a felicidade

Vivemos a felicidade 
Que hoje pertence ao passado
Desse amor tenho saudade 
Tu nesse amor vês pecado

Tu nesse amor vês pecado 
Eu confesso que não vejo
Eu apenas fui levado 
Ao sabor do teu desejo
Não digas que fui culpado
Eu só te pedi um beijo

Andorinha perdida

Isidoro de Oliveira / Alves Coelho *fado maria vitória*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Uma andorinha perdida
Não pode ao ninho voltar
Sem refúgio nem guarida
Está em perigo sua vida
É obrigada a voar

É obrigada a voar 
Só pode contar consigo
Ninguém a pode ajudar
E se poisa, vai ficar 
À mercê do inimigo

À mercê do inimigo 
Vagueia teu coração
Ouve bem o que te digo
Toma cuidado contigo 
Não cedas à tentação

Não cedas à tentação 
Não entregues tua vida
Se perdes o coração
Serás, como tantas são 
Uma andorinha perdida

Meu amor se tu quiseres

João Fezas Vital / José António Sabrosa
Repertório de João Braga
No livro do poeta este tema aparece com o título 
“Se tu quiseres, meu” amor

Amor, inverno acabado
Gaivota numa traineira
Inverno, quarto fechado
Amor à luz da lareira

Se tu quiseres meu amor 
Dar-te-ei a madrugada
E plantarei uma flor 
Onde nunca houve nada

Amar é deixar de ser 
Alguém para ser mundo
Também o sol vai nascer 
Onde o rio é mais profundo

Meu amor se tu quiseres 
Da noite farei um fado
E de noite se vieres 
Morreremos noutro lado

Nada é eterno

José Fernandes Castro / Armando Machado *fado santa luzia
Repertório de Joaquim Macedo


Na vida, nada é eterno
O outono traz o inverno
O inverno traz tempestade
Depois vem a primavera
Que já tem à sua espera
Um sopro de liberdade

Há andorinhas felizes 
Que chegam doutros países
Em busca de céu aberto
Regressa então o verão
Que nos dá libertação
Mas nunca traz tempo certo

Com o regresso do outono 
Vão ficando ao abandono
As folhas no chão caídas
No amor, nada é eterno 
Às vezes temos inverno
No tempo das nossas vidas

Pedi a Deus

João Ferreira Rosa / Popular *fado corrido*
Repertório de João Ferreira Rosa
                        
Sonhei ver os olhos teus
Muito tristes, a chorar
A sonhar pedi a Deus
Para teu sofrer me dar

Com tanto fervor rezei 
Que fui escutado nos céus
A sofrer por ti fiquei 
A chorar os olhos meus

Sofri, mas deixei de ver 
Esses teus olhos chorando
Não me importei de sofrer 
Pois tua dor foi passando

Acordei, pus-me a rezar 
Novamente a Deus pedi
Que me deixasse chorar 
Toda a dor que vejo em ti

Os teus olhos

Conde Sobral / Alfredo Duarte *fado bailarico*
Repertório de Maria Jô Jô

Os teus olhos são dos tais
Que só se encontra uma vez
Deus fez os teus, não fez mais
Por ver o perigo que fez

Perdida no teu olhar 
A minha vida mudou
E nunca mais encontrou 
Outro caminho a trilhar;
Mas nada tenho a ganhar 
Pois sei bem que tu não l

Na minha alma nem crês 
Que distintos dos demais
Os teus olhos são dos tais
Que só se encontra uma vez

Os olhos que Deus te deu 
São para mim tal tormento
Que o meu cruel sofrimento 
Foi conhecido no céu;
E a santa lei entendeu 
Tão cruel o meu revês
Que com divina altivez 
Quebrou os moldes fatais
Deus fez os teus, não fez mais
Por ver o perigo que fez

O arrais

Isidoro de Oliveira / Miguel Ramos *fado margarida *
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Sentado com o neto, o velho arrais
Olhando o cais lembrava com saudade
A noite em que aportara a esse cais
Debaixo duma enorme tempestade

P’ra Lisboa a fragata navegava
Já então era extinta a luz do dia
Eis que uma tempestade levantava
Quando voltar p’ra traz já não podia

Batendo a vela grande parte a amarra
Que o mastro vai quebrar já se adivinha
Ao timão que lhe resta então se agarra
Pedindo a Deus as forças que não tinha

Rota era a vela, o mastro já quebrava
Quando enfim conseguiu entrar no cais
A fragata com custo navegava
Mas firme no timão vinha o arrais

Eu sei que lidei sempre com a morte
Disse por fim ao neto, em voz sentida
Mas se hoje me sentisse novo e forte
Voltava a viver a mesma vida

E tudo se desfez

Carlos Conde / Miguel Ramos *fado margaridas
Repertório de Manuel Dias

Quando eu te quis e logo te perdi
Só tarde neste mundo me encontrei
Não queiras tu sofrer o que eu sofri
Nem passar os martírios que passei

Bebi nas ilusões que te me davas
Um mundo de tão loucas fantasias
Que até para falar-te onde não estavas
Chegava a procurar-te onde não ias

Mas despertei a tempo, olhei em frente
E vi na minha frente uma mulher
A tal mulher a mais, onde há somente
Não o gosto de amar ou de perder

Já ontem não te vi, quando passaste
Nem hoje te falei, quanto te vi
Nem tu perdeste o tempo que ganhaste
Nem eu ganhei o tempo que perdi

Neste jogo de cintura

Letra e música de Amélia Muge
Repertório de Sandra Correia

Tu danças tão bem a salsa 
Temperas o meu coração
E eu troco as voltas ao fado 
Bem no meio do salão
Bates o pé, estremece 
O chão da minha paixão
E num voar compassado 
Meus olhos em salsa estão

Vai a minha voz roçando 
O teu pescoço aprumado
Vão-se os teus olhos chegando 
E mais me enredo no fado
Neste jogo de cintura 
Nem sei bem quem mais s’espanta
Fica a salsa insegura 
Porque do fado se encanta

E bate o fado enrolado 
Num jeito desconhecido
Já nem sei se canto a salsa 
Se canto o fado corrido
Passas por mim e um gesto 
Fica parado no ar
Eu já desmancho o meu fado 
Prá salsa poder dançar

Tu danças tão bem a salsa 
Temperas meu coração
E eu troco as voltas ao fado 
Bem no meio do salão
A salsa que há nos teus olhos 
Quem me dera acompanhar
Até já nos falta o chão 
Onde nós vamos parar

O céu, o mar, a terra

José Gonçalez / Raul Pereira *fado zé grande*
Repertório de José Gonçalez

O meu amor diz que partiu pró mar
Que tem um novo amor lá numa ilha
Eu sei que com o tempo há-de voltar
Não há amor assim em qualquer ilha

Meu amor diz que foi com as gaivotas
Conquistar um novo amor nos altos céus
Eu sei que não vai dar lá muitas voltas
Não há amor assim lá pelos céus

O meu amor diz que partiu prá serra
Que tem um novo amor feito d' ar puro
Não se vai demorar muito lá na serra
Não pode haver assim amor tão puro

O meu amor chegou de madrugada
Entrou fechou a porta de mansinho
Fingi que não ouvi, não disse nada
Encostou-se e abraçou-me com carinho

O meu amor diz que acordou feliz
Que não há amor assim cá sobre a terra
Sabe lá o meu amor o que é que diz
Qualquer dia volta ao mar, ao céu, à serra;
O meu amor diz que diz o que não diz
Sabe lá se está no céuu, no mar, na terra

Não sei meu amor, não sei

Tiago Torres da Silva / Frederico de Brito *fado dos sonhos
Repertório de Beatriz da Conceição
Copiado do livro do poeta editado pela
Academia da Guitarra e do Fado

Não sei, meu amor, não sei
Se os poemas que cantei
Algum dia foram escritos
Ao cantar cada palavra
Parecia que a inventava
Na tragédia dos meus gritos

Cantei poetas ausentes
Cantei os versos das gentes 
Dos bairros de tradição
Desde Alfama à Madragoa
A minha voz foi Lisboa 
À procura de um pregão

As palavras dos poetas
Feitas de emoções secretas
Têm de ser reveladas
E só mesmo quem as sofre
É que pode abrir o cofre 
Onde elas foram guardadas

Por isso é que eu te repito
Gostaria de as ter escrito 
Mas sabendo que as cantei
A minha alma inquieta
Também se sente poeta 
Não sei, meu amor, não sei