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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.285' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Em que mundo nasci

Artur Ribeiro / Fernando Freitas *fado noquinhas*
Repertório de Tristão da Silva

Em que mundos nasci, a que mastro me asteio
E porque fui deposto neste covil de loucos
Em que ventre pari os versos que trauteio
Porque me foi imposto ter de cantar a moucos

De que marés sobrei, a que ventos me agito
Porque razão aceito ser boneco de corda
Porque me acomodei, porque raios não grito
Homem ao mar e deito meu corpo pela borda

Em que mundos nasci, que trago na ideia
Ao deitar a fatexa a perdidos dilemas
A que mundos desci, que sem que ninguém leia
Escrevo a fazer queixa de min, nos meus poemas

Canção de noite perdida

Júlia Silva / Pedro Rodrigues *fado primavera*
Repertório de Júlia Silva

Chamam ao fado ilusão
Dizem não ter afeição
Por nada e por ninguém
Vai mundo fora é vadio
Até canta ao desafio
Não conhece pai nem mãe

Canção de noite perdida
Muda o destino da vida 
Impõe sua tradição
Faz reviver a saudade
Vai mentindo à verdade 
E rima com solidão

Vive sempre à média luz
Uma tristeza traduz 
Até faz chorar a dor
Mas disse alguém e com tino
O fado é o nosso hino 
Nossa vida e nosso amor

Trouxe-o a mim passo a passo
E na força dum abraço 
Guardei-o no coração
Como quem guardou o mundo
No espaço dum segundo 
Na palma da sua mão

Vais estranhar

Jorge Benvinda / Nuno Figueiredo
Repertório de Dora Maria

Vais estranhar
Mas é com ele que adormeço
Com ele acordo e levo os dias a sonhar
Falo do fado, a canção que me alimenta
Me enche a alma, com alma me faz cantar

Não te enciúmes
É um amor de pequena
Nasci no fado, tanto com ele brinquei
Pois no que toca ao amor de gente grande
Tu não duvides, foi contigo que o achei

Anda p’ráqui, fica juntinho
Escuta o que te vou contar
Coisa simples tão bela
Tenho para te mostrar
É magia, vês o chão a fugir
No embalo do fado nos vejo partir

Sei que é difícil entender o que te conto
Mas vivo assim desde que me lembro existir
Como se a vida fosse feita em dois mundos
Um pé na terra, outro na lua a seguir

Cara a cara

M. Carvalho / J. Correia / J. Oliveira
Repertório de Tristão da Silva

Não te rias divertida
Lá porque eu te dei e dediquei 
Um grande amor
Nem te fies nesta vida
Que eu serei depois de nós os dois 
A rir melhor

Vou dizer-te cara a cara
Que é mentira, sem receio
Que eu de ti já nada espero
Nem tolero, nem anseio;
Hei-de rir com toda a gente
Do que afirmas em voz clara
Vou dizer-te frente a frente
Que é mentira e cara a cara

És vaidosa, presumida
E foste dizer que por te querer
Ris-te de mim
Tu não rias divertida
Que eu serei depois de nós os dois 
A rir no fim

Grito de revolta

Júlia Silva e Manuel Silva / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Júlia Silva

Partiste ... minha mãe querida
Tua ida não tem volta
Entoarei toda a vida
Com minh'alma ferida
O meu grito de revolta

Teu adeus não teve jeito 
Contas havemos de ajustar
Teu coração foi-se desfeito
Mas não tinhas o direito 
De tão cedo me deixar

Se souberas como gostava 
De ver teus olhos sorrindo
No tempo em que ajoelhava
E junto de ti brincava 
Como teu rir era lindo

Tua missão... terminou 
Com amor te vou lembrar
Um vazio em mim ficou
Entre nos nada mudou 
Mesmo morta te vou amar

Canção da Beira

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Tristão da Silva

Adeus ó minha terra
Jardim da serra, minha lareira
Adeus doce cantinho
Meu quente Minho, ó 
 minha Beira

Adeus risonho lar
Hei-de voltar graças aos céus
Eu sempre hei-de lembrar-te
Por toda a parte, adeus adeus

Fado

Zeni d'Ovar / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Júlia Silva

Quando no mundo nos foge
Tudo o que nos pertencia
Já não é ontem nem hoje
Nem é noite nem é dia

E andar sem direção 
Procurando o que não temos
Sem cabeça e sem razão 
A chorar o que perdemos

Quando nos vêm roubar 
Tudo o que quisemos ter
Nada mais nos pode dar 
A alegria de viver

Ai tristeza que nos mata 
Ai amarga solidão
Ai no que se não desata 
E nos cerra o coração

Cais da vida

Maria de Lurdes Brás / João Maria dos Anjos
Repertório de Afonso Oliveira

Fiz da noite a minha casa
Fiz da lua o meu telhado
Das estrelas fiz a luz
O calor do sol ė brasa
Na fogueira do meu fado
Iluminei minha cruz

Minha cruz de desalentos
Meu rosário de tristezas 
Minha mágoa de saudade
Vida de agitados ventos
Inverno de incertezas 
Primavera d'ansiedades

Nau perdida no mar alto
P'la tempestade arrastada 
Sem tábua de salvação
Esperança em sobressalto
Fica
comigo amarrada 
No cais do meu coração

Penas

Júlia Silva / Cavalheiro Júnior *fado porto*
Repertório de Júlia Silva

Trago penas em minh’alma
Penas de fúria e de calma
Que teimam viver comigo
Ocupam o meu espaço
Envolvendo-me num laço
Se calhar è por castigo

Tempestades desvairadas
Trazem-me penas molhadas 
Dum pranto amargo e sozinho
Passeiam na minha vida
Fazendo dela sofrida 
E prosseguem seu caminho

São penas soltas ao vento
Que sofrem sem um lamento 
Atravessando marés
Vagueiam desnorteadas
E depois, extenuadas 
Vêm cair a meus pés

E num soluço magoado
Escrevem-me este fado 
Que me pedem p'ra cantar
São penas da minha vida
Vida que vivo sentida 
Vida que vivo a sonhar

Vem

Maria Rosário Pedreira / José António Sabrosa 
Repertório de Carminho

Vem essa coisa qualquer
Como seta despedida
Direita ao meu coração
E eu choro e rio sem querer
Nunca de mim tão perdida
Pobre de mim tão sem chão

Que luz è essa que cega 
Que desatina, atordoa
Que vem de dentro e m’invade
Que me transforma se chega 
Mas quando parte, magoa
Num alívio e saudade

Vem essa coisa tão estranha 
Dar-me um laço que desprende
Uma doçura que amarga
E eu pequenina e tamanha 
Num corpo que não se rende
A uma estreiteza tão larga

Que graça è essa tão séria 
Que corrói até ao osso
E me arde de tão fria
Dá-me tudo, até miséria 
Vem meu amor que eu não posso
Viver assim mais um dia

Fadista já velhinho

João Ferreira Rosa / Alfredo Duarte *fado lumiar/marceneiro*
Repertório de João Ferreira Rosa

Um fadista já velhinho
Muito triste coitadinho
Contou-me quase a chorar
As saudades do passado
Em que ele cantava o fado
Que todos queriam escutar

Contou-me então como eram
As noitadas que fizeram 
Fadistas e cavaleiros
O alegre São Martinho
Nos retiros com bom vinho 
E o calor dos fogareiros

De olhos semicerrados
Baixinho lembrou uns fados 
Sua tristeza aumentou
Mas parando de repente
Olhando-me bem de frente 
Com voz mais firme afirmou

A minha grande tristeza
Não me é dada pela pobreza 
Nem lembranças que contei
É o medo de morrer
Sem de novo poder ver 
Portugal ter o seu Rei

A vinha e o olival

Pierre Aderne / Mú Carvalho
Repertório de Cristiana Águas e Pedro Moutinho

Janelas vão-se abrir
Os olhos marejar
Telhados vão sorrir
Os barcos vão dançar

Nas ruas de Alfama 
Vai ter festa e procissão
Nos rossios de quem ama 
Nas quadras da oração

Na luz dessa cidade 
Nascente de água pura
Sacio a saudade 
Recebo minha cura

Na luz do teu olhar 
Fui fogo e tive frio
Com o Sado a desaguar 
Nos fados que copio

Já fui vinha e olival 
Lá gastei as minhas vidas
No açúcar e no sal 
De chegadas e partidas

Mulher amor eterno

Gabriel Silva / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Ana Maurício

Sou mulher, calor, alento
Sou queixume, sou lamento
É tudo o mais que Deus quis
Sem ser esteira, sou do mundo
E no meu sentir profundo
Choro, canto e sou feliz

Sou vida que um dia acaba
Sou beleza que se esmaga 
Ao beijo mais violento
Os meus braços são abrigo
E trago sempre comigo 
Ciúme, amor, sentimento

Sou a mãe de gerações
Irmã gémea das traições 
Ternura, pranto, alegria
Virgem de ventre fechado
Que se não fosse rasgado 
Ninguém no mundo existia

Sou doçura, sou bondade
Sou mentira, sou verdade 
Das loucas paixões, inferno
Sou alma, tortura, grito
Deste medonho infinito 
Sou mulher, amor eterno

Outras margens

João Fernando / José Alberto
Repertório de Afonso Oliveira

Sou a margem dum povo
Que se encontra ao sul do Tejo
Vejo coisas noutras margens
Que no fundo não desejo
Vejo aves que se esgotam
Vejo peixes que não saltam
Vejo fumos que embalam
Incertezas que nos matam

Vejo bombas rebentarem 
Com buracos d'incerteza
Vejo o mundo lamentar 
Tantas margens de pobreza
Oiço vozes que nos gritam 
O porquê de tanta dor
Quantos tantos e outros tantos 
Falam tanto de amor

Mas mesmo assim acredito 
Noutras margens de alegria
Em que o homem seja a força 
De cantar ainda um dia
Este fado que não é 
Um clamor de tempestade
È sinfonia talvez 
Ou um grito de amizade

Tributo a António Pelarigo *1954-2018

Autor: Carlos Fragata
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Pus o meu chapéu, vesti a samarra
E fui por Lisboa procurando o Fado
E num beco ouvi c
horo de guitarra
E uma voz rouca num tom magoado

Entrei e lá estavam com seu ar garboso
Um grande fadista e o fado antigo
Encostei-me ao canto, mudo e respeitoso
Porque quem cantava era o Pelarigo

Que momento aquele e que sorte a minha
Com tanto retiro que há no luso império
Calhou-me escolher um bairro alfacinha
Onde foi cantar um fadista a sério

Ouvi cantar as janeiras

João Ferreira Rosa / Armando Góis
Repertório de João Ferreira Rosa

Ouvi cantar as Janeiras
Em terras de Portugal
Vi milho-rei desfolhada
Fados tristes por meu mal

Ouvi cantar as Janeiras 
No meio do olival
Bacalhau, por cima azeite 
Vinho tinto, bom Natal

Ouvi cantar as Janeiras 
Mais tristes, triste sinal
Dos anos que vão correndo 
Somente esperança afinal;
Ouvir cantar as Janeiras
Quem me dera Portugal

Quero cantar para a lua

Amália Rodrigues / Pedro de Castro
Repertório de Kátia Guerreiro

Quero cantar para a lua
Deixem-me cantar na rua
Pois foi da rua que eu vim
Vim da rua, vim das pedras;
Nada sei das vossas regras
Regras não são para mim

Deixem-me chorar ao vento
Deixem andar meu lamento 
Pode ser que chegue ao céu
Deixem-me o meu pensamento;
Que embora seja tormento 
Que seja, mas seja meu

Os beijos de fadista

António Mendes / Fontes Rocha *fado isabel*
Repertório de Ana Maurício

Eu nunca tinha beijado
A boca desse fadista
Os seus beijos eram fado
Com sabor tão realista

Os beijos quentes e bons 
Que ele me deu nesse dia
Era o Fado dos Dois Tons 
Com sabor a Mouraria

Quando chegou à noitinha 
Beijou-me com tal ternura
E como já se adivinha 
Entrou no Fado Loucura

Esses beijos que levei 
Sempre no tom preferido
Foram tantos que eu achei 
Sabor a Fado Corrido

Mas quem beijar um fadista 
Deve ter muito cuidado
Cada beijo nos conquista 
Porque a boca sabe a fado

Beatriz da Conceição

























Tributo do poeta António Torre da Guia

Bairros de Lisboa

Domingos G. Costa / Francisco Carvalhinho
Repertório de Adelaide Rodrigues

Vem comigo visitar 
Os bairros desta Lisboa
Numa noite em que o luar 
A nossa terra abençoa

Vem ver a Graça cantando 
Vem ver de Alfama a magia
A Madragoa bailando 
E chorando a Mouraria

Desde o Castelo ao mar infindo
Tudo isto ė belo, tudo isto ė lindo
Lisboa airosa è afinal
Tela famosa do meu Portugal


Quando Lisboa desperta 
Alegre, fresca e louçã
Lembra uma janela aberta 
A meio do sol da manhã

E aqui tens o estranho encanto 
Dos bairros desta cidade
Onde se fala do pranto 
Do fado, amor e saudade

Saudade é tudo o que fica

Mote: Domingos Gonçalves Costa
Glosa: Rosa Lobato Faria e António Rocha
Música popular
Repertório de Carlos Zel

Perguntas-me o que significa
Saudade, vou-te dizer
Saudade é tudo o que fica
Depois de tudo morrer


Tu que jamais conheceste 
A dor que as almas tortura
Que só conheces ventura 
E por amor não sofreste
Tu, que uma saudade agreste 
Nunca te fez padecer
Nem cravou no teu viver 
Um espinho que mortifica
Perguntas-me o que significa
Saudade, vou-te dizer


Saudade é um bem ruim 
Que tortura o coração
É o princípio do fim 
De um sonho sonhado em vão
Saudade é doce ilusão 
De um amor que não nos quer
Que a gente teima em esquecer 
E a própria dor glorifica
Saudade é tudo o que fica
Depois de tudo morrer

Lágrima caída

Francisco Madureira Pinto / Luís Eduardo de Campos
Repertório de Adelina Silva

Quisera ser uma lágrima
Para em teu olhar nascer
Deslizar em tua face
Em tua boca morrer

Duma lágrima caída 
Nasceu a minha paixão
Numa saudade perdida 
Morreu a minha ilusão

As lágrimas quero ser
Se um dia te vir chorar
Para em teu rosto correr
O meu penar

Horas tristes que passaram 
Eu hoje guardo sem rancor
As migalhas que ficaram 
São restos do nosso amor

E dos meus olhos bailaram 
Duas lágrimas de medo
As luzes se apagaram 
À noite morreu mais cedo

Adoro a noite

Artur Ribeiro / Martinho d'Assunção *fado condessa*
Repertório de Adelaide Rodrigues

Quando a noite se faz dia
A minha vida sombria
Fica vazia de sonho
Na minha mente se entranha
Uma escuridão estranha
Que só à noite transponho

Quando vai a madrugada 
E o sol se reduz ao nada
Das mais caras ilusões
É quando conta a vontade 
Eu me perco na cidade
Ao sabor das multidões

Só quando a noite aparece
É que de novo acontece 
Ter razão para viver
É quando sonho acordada
E revejo em cada fado 
Quem gostaria de ser

Até chegar a ti

Artur Ribeiro / Joaquim Campos *alexandrino*
Repertório de Leonor Santos

Até chegar a ti mil fogos ateei
E rojei aos pedaços meu coração na chama
Até chegar a ti às cegas caminhei
Andei seguindo passos de quem pisava lama

Até chegar a ti eu percorri na vida
As ruas mais sombrias, sem fé e sem razão
Depois quando te vi eu tentei a subida
Das altas pedrarias em busca do perdão

Deste-me a tua mão e juntos vida fora
A tua mão segura quis guiar-me até aqui
Qual bola de sabão, subi hora após hora
Fiquei da tua altura mas não cheguei a ti

Madrugada do meu sonho

Hélio da Costa Ferreira / José António Sabrosa *fado pintadinho*
Repertório de Adelaide Rodrigues

Madrugada do meu sonho
Primavera do meu fim
Esperança fugidia
Deitada dentro de mim

Minha manhã meu nascer 
Mentira já sem abrigo
Minha noite meu viver 
Abraço do meu castigo

Tarde de dia parada 
No tempo que me dá frio
Praia deserta, morada 
Nas margens do nosso rio

Maldade será vencida

Ana Madalena Araújo / Júlio Proença *fado proença*
Repertório de Amélia Maria

Quem levantou este muro
Quem se apraz em dividir
O
espaço do nosso amor
À fé do amor eu juro
Este muro há-de ruir
Este muro hei-de transpor

Muro de inveja e maldade
Que tenta ensombrar a vida 
Que nós queremos viver
Se o nosso amor é verdade
Maldade, serás vencida 
Não terás esse prazer

Volta três vezes a inveja
Para quem sabe invejar 
É antigo este ditado
Eu não quer que se veja
Quem nos inveja, pagar 
Mas hão-de ver-te a meu lado

Amor que dá vida

José Guimarães / Alvaro Martins
Repertório de América Rosa

Fez-me feliz tua ternura
Mas Deus não quis tanta loucura
Outra encontraste no teu caminho
E desprezaste o meu carinho

Não posso viver
Sem ti a meu lado
Ė negra esta dor
De fé já perdida
Não, não pode ser
Não quero este fado
Volta meu amor
Que o amor dá vida


Não ė ciúme nem ė despeito
Ė um queixume que sai do peito
Por haver tanto homem 
p'raí
E eu sofrer tanto, tanto, por ti

O suspiro

Bocage / Paquito Rebelo
Repertório de Adriana Marques

Voai, brandos meninos tentadores
Filhos de Vénus, deuses da ternura
Adoçai-me a saudade amarga e dura
Levai-me este suspiro aos meus amores

Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos corações a formosura
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura
Porção do mais leal dos amadores

Se o fado para mim sempre mesquinho
A outro of'rece o bem de que me afasta
E em ais lhe envia, Ulina, o seu carinho

Quando um deles soltar na esfera vasta
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho
Eu sou tão infeliz, que isso me basta

Aquela estrela

João de Freitas / Armando Augusto Freire
Repertório de Tristão da Silva

Lá longe, muito ao longe, há uma estrela
Uma estrela radiante
Que me arrasta e que me guia
Quem sabe se è talvez por causa dela
Por causa dela è que eu ando
A sofrer de noite e dia

Acorda coração desse teu sono
Não durmas mais e tem muita cautela
Esquece duma vez aquela estrela
Pois vives ao abandono
E sofres por causa dela

Porque vives assim, diz a verdade
Diz a verdade sem pejo
Linda como a luz da lua
Sai desse pedestal, por caridade
Por caridade eu desejo
Que esqueças aquela rua

Fadista bailarino

Carlos Conde / Popular
Repertório de Alfredo Duarte Jnr.

Não canto p’ra dar nas vistas
Nem p’ra ter nome afamado
No meu bairro de fadistas
Toda a gente canta o fado

Afirmam que sou gingão 
E bailarino a cantar
Quem bebe e fala calão 
Só canta o fado a gingar

Posso iludir o preceito 
De cantar e estar parado
Mas não posso, não me ajeito 
A ser estátua do fado

O jeito disfarça a voz 
E eu quero manter de pé
O cachecol com dois nós 
P’ra dar realce ao boné

Como o fado não tem lei 
Eu p’ra ser franco e sincero
Canto o fado como sei 
Como posso e como quero

Se sou bailarino ou não 
É comigo e chega bem
Não vivo da imitação 
Nem tiro a vez a ninguém

O choro da terra

Eduardo Jorge / Alfredo Paredes
Repertório de Mar & Fados

Quem deu cor ao firmamento
Quem pintou as árvores
Porque brilham as areias
Já chora o vento
Já estalam os mármores
De quem são estas ideias

Quem criou as ondas do mar
O canto do rouxinol
E o cantar das baleias
O encanto do luar
A nuclear no atol
De quem são estas ideias

Porque arde a Amazónia
Que entope o céu de gazes
Quem suja a maré
Ai, ai, choro da terra
Que das guerras sois capatazes
Esburacando a nossa fé
Ai, ai, choro da terra

Juras mentirosas

Ana Madalena / Alves Coelho Filho *fado maria vitória*
Repertório de Amélia Maria

Foste um projeto d'amor
Que eu quis ver realizado
Que eu rasguei com muita dor
Mas que ė hoje um mal menor
Que já pertence ao passado

Tuas juras mentirosa 
Ė certo que me iludiram
Como pétalas de rosas
Tão belas, tão amorosas 
Envelheceram, caíram

Pobre daquele que tem 
Um coração como o teu
Que não sabe amar ninguém
Não conhece o melhor bem 
De amar assim como eu

Mas não estou arrependida 
Por ti não hei-de chorar
Não me levas de vencida
Se te amei e fui traída 
Foi por não saberes amar

Estrada da vida

Letra e musica de João Dias Nobre
Repertório de Maria José da Guia

Estrada da vida
Ó estrada do meu destino
Onde, feito peregrino
Meu coração se perdeu
Estrada da vida
Feita de dor e d’esperança
Quem a subiu não se cansa
Que o diga quem a desceu

Estrada da vida
Longa estrada por onde eu sigo
Sem ter mesmo um braço amigo
Onde me possa apoiar
Estrada da vida
É onde os passos mal dados
Ficam p’ra sempre marcados
Como na carne a sangrar
Volta depressa
Ó minha esp’rança perdida
Um rumo certo na vida
Quero por fim encontrar

À noite

António Laranjeira / Guilherme Coração *fado sem pernas*
Repertório de Andreia Alferes

À noite não tenho medo
Não tenho medo de mim
Se o dia chega mais cedo
A noite não chega ao fim

À noite a vida não pesa 
É mais incerto o sofrer
A cantar também se reza 
E o dia volta a nascer

A noite não é das rosas
Nem o perfume das flores
E as frases prodigiosas 
Nem sempre falam d’amores

A noite não é do céu 
A praia não é do mar
Também tu já não és meu 
E continuo a cantar

Prece

Fernando Pessoa / João Braga
Repertório de Rodrigo Costa Félix

Senhor, a noite veio e a alma é vil
Tanta foi a tormenta e a vontade
Restam-nos hoje, no silêncio hostil
O mar universal e a saudade

Mas a chama que a vida em nós criou
Se ainda há vida, ainda não é finda
O frio morto em cinzas a ocultou
A mão do vento pode erguê-la ainda

Dá o sopro, a aragem, a desgraça ou ãnsia
Com que a chama do esforço se remoça
E outra vez conquistemos a distância
Do mar ou outra, mas que seja nossa

Olha-me rindo uma criança

Fernando Pessoa / Diogo Clemente
Repertório de Ricardo Ribeiro

Olha-me rindo uma criança
E na minha alma madrugou
Tenho razão, tenho esperança
Tenho o que nunca me bastou

Bem sei, tudo isto é um sorriso
Que é nem sequer sorriso meu
Mas para meu não o preciso
Basta-me ser de quem mo deu

Breve momento em que um olhar
Sorriu ao certo para mim
És a memória de um lugar
Onde já fui feliz assim

Eu quero morrer no mar

António Lobo Antunes / Manuel Reis
Repertório de Sandra Correia

Olha os meus olhos morena
Porque a aventura è ficar
Se a minha terra è pequena
Eu quero morrer no mar

Lençóis de algas e peixes

De barcos a menear
No dia em que tu me deixes

Eu quero morrer no mar

E se o negro è a tua cor

Respirando devagar
Depois do amor, meu amor

Eu quero morrer no mar

A noite baixou os olhos

Vasco Lima Couto / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Ana Rosmaninho 

A noite baixou os olhos
No silêncio das paredes
E a vida inventou marés
Pra ser o mar que tu és
E deitar as suas redes

Mas a solidão despiu-me 
E apagou a luz mais cedo
Ficou a espreitar as horas
Eu amor, porque as demoras 
Mordem a boca de medo

Horas rasgadas e presas 
No lugar desta cidade
Que teve de adormecer
À custa de não saber 
Qual o preço da saudade

E agora no desencontro 
Dum pregão feito d'escolhos
Tenho de continuar
A ver minha dor cantar 
E a noite a baixar os olhos

A verdade do meu fado

José Guimarães / Alfredo Duarte "fado versículo*
Repertório de Adelina Silva

Não me falem do passado e da saudade
Não me falem mais d'amar e de sofrer
À verdade do meu fado è a verdade
Do que eu sinto a cantar, quero dizer

Para a morte sem disfarce a vida corre
E não temo ver chegar a despedida
Se está escrito que o que nasce também morre
Não sou eu que vou mudar a lei da vida

Olho o mundo sem maldade, confiada
No que a vida tem em si para oferecer
E ao cantar toda a verdade do meu fado
Canto a vida que escolhi para viver

Deixem-me ser como sou, porque não há
Outro bem dentro de mim, mais adorado
Posso errar por onde vou, mas deixem lá
Deixem lá que seja assim, é o meu fado

Sei que estou só

Sophia de Mello Breyner / Tiago Bettencourt
Repertório de Kátia Guerreiro

Sei que estou só
E gelo entre as folhagens
Nenhuma gruta me pode proteger
Como um laço
Deslaça-se o meu ser
E nos meus olhos morrem as paisagens

Desligo da minha alma
A melodia que inventei no ar

Tombo das imagens
Como um pássaro morto das folhagens 
Tombando se desfaz na terra fria

Abraço a Setúbal

Maria Emília Godinho / Leonardo Azevedo
Repertório de António Severino 

É pra Setúbal 
Que vai meu abraço
P'ra essa gente 
Que não teme cargas
Homens humildes 
Sem mostrar cansaço
Peixe que salta 
Em chapéus de abas largas

Se o mar é violento 
Com a fé na alma
Esperam o momento 
Que venha a calma
Ouve-se o cantar 
Duma voz que ecoa
Na faina do mar
Quando a pesca é boa

Há que diga até 
Pregão pitoresco
Que só em Setúbal 
o peixe é mais fresco

Com a canastra à cabeça
E pedindo sempre ao céu
Que o peixe vá caindo
Nas abas do seu chapéu

Descarregadores de Setúbal
Fiéis à velha tradição
Peço a Deus que as traineiras
Vos possam sempre dar pão