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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.280' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Outono ou primavera

António Campos / Pedro Rodrigues *fado primavera*
Repertório de Pedro Vilar

Nada tive na chegada
Nem um pouco ou quase nada
Nada tinham p’ra me dar
Não sei o que faço aqui
Pois nada, nada pedi
Nem conheço este lugar

Se uma brisa aqui passasse
Que de leve me tocasse 
E me dissesse o que eu sou
Quem sabe eu não fôra alguém
Que não sabe de onde vem 
Mas que um dia alguém amou

Se eu fosse vinho ou fermento
Ou mesmo um golpe de vento 
Pelo menos tinha um nome
Mas não sei nada de mim
Se sou princípio ou sou fim 
Nem o não ser que consome

Olho em volta e nada faço
Não sinto dor nem cansaço
 Não sou razão nem quimera
Tudo tudo é abandono
Não sei se nasci no outono 
Se morri na primavera

Morrer na Sé

Carlos Bessa / Alvaro Martins
Repertório de Alma Rosa

Quero aqui ficar sempre até morrer
Não quero mudar deste meu lugar
Que me viu nascer

Eu não quero não, bairro encaixotado
Feito de betão e de solidão
Por metro quadrado

Quero a casinha aqui aonde moro
Nesta Sé velhinha que eu tanto adoro

Oh Sé, oh Sé
Oh meu lindo Bairro da Sé
Tudo morre na cidade
Só tu é que estás de pé

De saudades chora quem a Sé deixar
E a qualquer hora, vêm sem demora
A Sé visitar

Eu contrariamente, vivo a cantar
Com a minha gente vivo alegremente
Por aqui estar

Antes de morrer quero ver na Sé
O entardecer que tão lindo é

A chegada dos navios

Ary dos Santos / Martinho d’Assunção
Repertório de Maria da Fé

Chegam heróis e jovens de mãos dadas
Chegam rapazes loiros como o estio
E partem as palavras censuradas
No penacho de fumo do navio

Chegam esperanças, medos e ciladas
Em que a aventura nos embosca o cio
E partem as angústias exiladas
No penacho de fumo do navio

Ao ritmo dos guindastes, estremecemos
Portos abertos ao que nos deslumbra
Somos apenas o que não sabemos
Barcos de sol rumados à penumbra

Piratas d'abordagem que trazemos
A latejar nas veias, que se cumpra
A palavra que nós nunca dissemos
Rosa de sangue a rebentar de sombra

Meu triste fado

Pedro Vilar / Jaime Martins
Repertório de Pedro Vilar

Meu amor, és meu sonho incompleto
Eu vivo num desesto
De incertezas que matam

Talvez eu me encontre um dia
E tenha essa alegria
Do que vejo e não sinto

Sentir teu peito junto ao meu
E sem saber se eu
Te perca e não te encontre

Meu amor, meu amor, que juras fizeste
Meu amor, meu amor, q nada me déste
Meu amor, meu amor, neu sonho acabado
Meu amor, meu amor, meu triste fado

Um grito na escuridão

Carlos Bessa / Alvaro Martins *alma corridinha*
Repertório de Alma Rosa

Um grito na escuridão
Duma boca amordaçada
Dum grito nasce um trovão
Ou quem sabe, talvez nada

Meu país, quero que sintas 
O cheiro da podridão
E das crianças famintas 
Um grito na escuridão

Há hortos de prostituição 
Heroínas na picada
Gritos de morte em vão 
Duma boca amordaçada

Dormem na pedra gelada 
A velhice sem colchão
Rasgam a noite calada 
Dum grito nasce um trovão

Rolem cabeças pelo chão 
Dessa gente tão culpada
Que tem o poder na mão 
Ou quem sabe, talvez nada

Sossega coração

Fernando Pessoa / Paco Bandeira
Repertório de Margarida Bessa


Sossega, coração, não desesperes
Talvez um dia, para além dos dias
Encontres o que queres porque o queres
E então, livre de falsas nostalgias;
Atingirás a perfeição de seres
Sossega, coração, não desesperes

Sossega, coração, contudo, dorme
O sossego não quer razão nem causa
Quer só a noite plácida e enorme
A grande, universal, solene pausa;
Antes que tudo em tudo se transforme
Sossega, coração, contudo, dorme


Mas pobre sonho, que só quer não tê-lo
Pobre esperança a de existir somente
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente;
Como faz mal ao sonho o concebê-lo
Mas pobre sonho, que só quer não tê-lo

Guardei na minha saudade

Vasco Lima Couto / Alfredo Duarte *fado mocita dos caracóis*
Repertório de Carlos do Carmo

Guardei na minha saudade
De poeta alucinado
Este amor sombra de rio
Onde a alma, em desafio
Põe marés em cada fado

Somei as fontes do céu
P’ra sorrir e ficar certo
E andei só, pela cidade
Que me lembra a tua idade
E a tua voz longe e perto


Mas a vida é sempre um templo
A que a dor se entrega tanto
Que nada vale de nada
E antes da tua chegada 
Só te encontro quando canto

Ali então

Sophia de Mello Breyner / João Braga
Repertório de João Braga

Ali então em pleno mundo antigo 
À sombra do cipreste e da videira
Olhando o longo tremular do mar
Num silêncio de luas e de trigo

Como se a morte a dor o tempo a sorte
Não nos tivessem nunca acontecido

Em nossas mãos a pausa há-de poisar
Como o luar que poisa nas videiras
E em frente ao longo tremular do mar
Num perfume de vinho e de roseiras


A sombra da videira há-de poisar
Em nossas mãos e havemos de habitar
O silêncio das luas e do trigo
No instante ameaçado e prometido

E os poemas serão o próprio ar
Canto de ser inteiro e reunido
Tudo será tão próximo do mar 
Como o primeiro dia conhecido

Fado das desgarradas

Manuel Alegre / Popular *fado corrido*
Repertório de João Braga

Fado da nossa partida
E de nunca haver chegada
Foi desgarrada da vida
E a vida à desgarrada

Fado da nossa memória 
E da história por contar
Sabe a derrota e a vitória 
Cheira a porto por achar

Fado do nosso sentir 
Ninguém sabe donde vem
Talvez de Alcácer-Quibir 
E quando chega é ninguém

Fado do tudo e do nada 
Fado que não tem medida
Há sempre uma desgarrada 
Na desgarrada da vida

Maria tripeira

Coelho Júnior / Resende Dias
Repertório de Florência

Texto declamado
Sou a Maria tripeira
Como todas as Marias da cidade
A Maria da Sé, Maria da Ribeira
Miragaia ou Bonfim
Porque afinal, toda a Maria tripeira 
É uma Maria igual a mim

É a Maria 
Que se levanta de madrugada 
Para o trabalho do dia a dia
Alegre, azougada
Na boca uma cantiga sadia
Que aquece a madrugada 
Se a madrugada é fria

Sempre a mesma Maria
Maria das Fontaínhas
Do Bom Sucesso, do Bolhão
E em todas as Marias 
Há sempre o mesmo coração

É o coração da Maria tripeira 
Aberto e generoso à desgraça alheia
E se é preciso fazer bem a alguém
Esta Maria não espera por ninguém
É sempre a primeira
Ou não fosse ela a Maria tripeira

É assim a Maria do Porto 
Que tem por trabalho, brasão
Ama a todos por igual 
E traz o Porto no coração
É assim esta Maria 
Desta invicta cidade
Que gosta de ser livre 
E ama a liberdade

Mas a sua liberdade
Com ordem e alegria a rodos
Com paz e trabalho para todos
Mas se maus ventos soprarem 
De quadrantes que o povo não quer
Mesmo que a ventania 
Venha de longe e agreste
Não tenhas medo, Lisboa
Porque o vento cá do Norte 
Tem mais força que o de Leste
- - - 
Sou assim desta maneira 
Sou do Porto pois então
Sou a Maria tripeira 
A Maria do Bolhão
Pulsa dentro do meu peito 
Um sincero coração
Que só fica satisfeito 
Se todos tiverem pão
Maria Tripeira
Da Sé, da Ribeira
D toda a cidade
Maria mulher 
Que sabe o que quer
Paz e liberdade
Maria Tripeira
Esperança fagueira 
Que todos, um dia
Se dêem as mãos 
E sejam irmãos 
Na paz e alegria
No 31 de Janeiro 
Lutando com fé ao rubro
O nosso burgo tripeiro 
Fez nascer 5 de Outubro
Foi neste Porto cidade 
Que nasceu um grito novo
Foi a voz da liberdade 
Na voz forte deste povo

Fado d’aquém e d’além

Manuel Alegre / Popular *fado mouraria*
Repertório de João Braga

De todo o lado e nenhum
De todo o mundo e ninguém
Somos vários e só um
Fado d’aquém e d’além

Já fomos antes, da Europa 
Europa por sobre o mar
Nosso fado é vento à popa 
Nosso verbo, o verbo amar

O vento canta o seu cântico 
Vem com recados na voz
Onde sabe a sal e Atlântico 
Esse país somos nós

Amor sem mas nem talvez 
Que não tem cor nem tem raça
É este amor português 
Que fica por onde passa

D.Sebastião

Manuel Alegre / João Braga
Repertório de João Braga

Haverá sempre um porto por achar
Em outro mar que não o navegado
Haverá sempre o que não é e o que não vem
Sua verdade está em o sonhar
E D.Sebastião é quem
Conquista em nós o inconquistado

Haverá sempre em nós um além-sul
Um lugar que só é onde não está
Haverá outro espaço e um mais azul
Um buscar sem sentido e sem porquê
Haverá sempre o reino que não há
E D.Sebastião é quem dentro de nós o vê

Haverá sempre em nós um rei perdido
Por seu excesso de saudade e ânsia
Um ser de ainda não ser ou já ter sido
Outro tempo no rempo, outra distãncia

A nossa pátria é sempre outro lugar
E quando alguém voltar, ninguém, ninguém
Haverá sempre um não chegar
E D. Sebastião é quem

Um adeus que me esqueceu

Heitor Campos Monteiro / Fernando Carvalho
Repertório de Florência

Era um nada, era tudo  
P'rá minha alma tão singela
Esse cantinho florido 
Da minha linda janela
 
Esse cantinho tão querido 
Onde o meu olhar absorto
Olhava tempo esquecido
Olhava tempo esquecido 
P'rós telhados do meu Porto
Via o rio, via a serra
Via a ponte, a nossa terra
Via a Sé, o nosso altar
À tardinha ao sol-pôr
Meu amor via chegar

Hoje vou por aí fora 
Sem ao menos saber quando
Virá serena, chegando 
A minha última hora
 
Vou partir mas levo na alma 
Uma dor que me enregela
Não disse adeus aos amigos
Não disse adeus aos amigos 
Que via dessa janela

Samba em prelúdio

Vinícius de Moraes / Baden Powell
Repertório de João Braga e Rita Guerra

Eu sem você não tenho porquê
Porque sem você não sei nem chorar
Sou chama sem luz, jardim sem luar
Luar sem amor, amor sem se dar

Eu sem você sou só desamor
Um barco sem mar, um campo sem flor
Tristeza que vai, tristeza que vem
Sem você meu amor eu não sou ninguém

Ai que saudade
Que vontade de ver renascer nossas vidas
Volta querido
Teus abraços precisam dos meus
Os meus braços precisam dos teus

Estou tão sozinha
Tenho os olhos cansados de olhar para o além
Vem ver a vida
Sem você meu amor eu não sou ninguém 

O sino

Vicente da Câmara / Popular *fado menor e Mouraria*
Repertório de Vicente da Câmara

Tristezas e alegrias
Podem ser assinaladas
Conforme  se puxa a corda
O sino dá badaladas

Casamento ou batizado 
Que nos enche o coração
Sempre foi anunciado 
P’lo sino tão balalão

Se tange com dor sentida  
Foi alguém que nos deixou
E o sino sente a partida 
Sua voz também mudou

Repicando alegremente 
O sino dança também
Dança na alma da gente 
E todos lhe querem bem

E os crentes na romaria 
Pelo sino são chamados
E à tardinha, a Avé-Maria 
Rezamos ajoelhados

Já é tarde e em revoadas 
Passam pardais a brincar
O sino, dá gargalhadas 
Contente de os ver chegar

O achado

Miguel Torga / Fontes Rocha e João Braga
Repertório de João Braga

Traziam nova terra e nova luz
Nos românticos olhos lusitanos
E uma cruz, e uma cruz
Que depois carregaram largos anos

Traziam todo o anseio que os levou
E que nenhuma Índia satisfez
E traziam a fé que lhes sobrou
Da fé sem fim dessa primeira vez

Traziam a promessa de voltar
A ver se a cor do sonho se mantinha
O puro azul de que se veste o mar
Quando o fim da aventura se avizinha

Cantar é dizer adeus

António Cálem / José António Sabrosa
Repertório de Teresa Siqueira

Cantar é dizer adeus
Às almas em madrugada
É sonhar estar no céu
Tendo o inferno por morada

É morrer como quem canta 
Ou cantar como quem morre
É a voz duma garganta 
Ou dum rio quando corre

E a voz sobe e lá se perde 
Nos que a ouvem sem pensar
Toda a dor posta nuns versos 
Que uma voz diz a cantar

Versos perdidos na noite 
Ouvidos por toda a gente
Quem é que sabe ao ouvi-los 
Toda a dor que a alma sente?

Um pouco de fado

Clemente Pereira / Jorge Fontes
Repertório de Alcindo de Carvalho

Velha samarra 
Que o prende amarra à tradição
Chapéu ao lado
Andar cansado, ainda gingão
Passou por mim
Num ar assim, afadistado
Que no presente
O punha em frente do meu passado

E o meu olhar
Pôde então adivinhar
Na figura singular
Que viu surgir a meu lado
Pelo trajar
Pela maneira de andar
Que tinha visto passar
Um pouco do antigo fado

Falei com ele
Encontrei nele ainda o clarão
Que não se apaga 
Quando se afaga uma paixão
Na sua voz 
Notei, após falar consigo
Que ainda havia a melodia do fado antigo

Afonso de Albuquerque

Miguel Torga / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de João Braga

Quando esta escrevo a Vossa Alteza 
Estou com um soluço que é sinal de morte
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à Índia a defender-lhe a sorte

Morro de mal com todos que servi
Porque eu servi o rei e o povo todo
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo

De Oeste a Leste a Índia fica vossa
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão

Em Deus e em mim o império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar

Em mais ninguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou

Por isso a Índia há-de acabar em fumo
Nesses doirados paços de Lisboa
Por isso a pátria há-de perder o rumo
Das muralhas de Goa

Por isso o Nilo há-de correr no Egito
E Meca há-de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano

Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim
Do que fiz e não fiz não cuido agora
A Índia inteira falará por mim

Outra Lisboa

Luís Nobre Guedes / Guy Valle-Flor
Repertório de João Braga

Tenho saudades 
Da minha velha Lisboa
E de tanta gente boa 
Que então eu conheci
Noites de fado 
Com a Amália e o Marceneiro
No mesquita e no Machado
Momentos bons que vivi

Meio wisky com amigos no Belcanto
E se a massa der p’ra tanto
Almocinho no Tavares

Vem-me a saudade 
Daquela outra Lisboa
E de tanta gente boa 
Que então eu conheci

P’ra dar bom ar
Um cházinho bem tomado
Na Marques ou na Bernard
Bem no centro do Chiado
A cervejinha 
No Gambrinus, só no bar
Os piratas no Simões
P’ra ver as moças passar

Ao fim do dia 
Lá ia todo lampeiro
Ajeitar o penteado 
Ao mestre João Barbeiro

Vem-me a saudade 
Daquela outra Lisboa
E de tanta gente boa 
Que então eu conheci

Era ao jantar 
Que começava o programa
Nas tascas do Bairro Alto 
Ou no Pereira de Alfama
Foi na Tipóia 
Que fomos primeiro ao fado
Com a Teresinha e o João
Mais tarde no Embuçado

Fim de noitada 
Que não era nada mau
Com ceia de madrugada 
No velho Porão da Nau

Vem-me a saudade 
Daquela outra Lisboa
E de tanta gente boa 
Que então eu conheci

Foi com saudade
Que cantei esta canção
Não faz mal ter mais idade
Enquanto houver coração

Naufrágio

António Cálem / Francisco Viana
Repertório de Miguel Sanches

Passos perdidos na noite
Na noite passos perdidos
Viela negra de lama
Naufrágio dos meus sentidos

Ondas franjadas de espuma 
Ondas negras entre escolhos
Toda a cidade era bruma 
Só era luz nos teus olhos

Essa luz é que chamava 
À perdição, os navios
E depois os naufragava 
Entre areais e baixios

Foi assim que me perdi 
Entre a noite e os escolhos
Sonhei ver luz e morri 
Na negrura dos teus olhos

Deixaste a vida de outrora

Maria Manuel Cid / Armandinho *fado da adiça*
Repertório de Sancha Costa Ramos

Cruzei na rua contigo
Repara que mal te vi
E francamente te digo
Que nem eu te conheci

Que é dessa cinta vistosa 
Que enrolavas à cintura
E tornava tão airosa 
A tua linda figura

E esses safões de borrego 
De castanho desbotado
Da manta que era aconchego 
Quando guardavas o gado

A tua calça justinha 
E o teu verde barrete
Com a borda já velhinha 
A beijar o teu colete

Da maneira tão tão airosa 
Com que montavas, pimpão
Essa faquinha nervosa 
O teu cavalo alazão

Deixaste a vida de outrora 
Renegaste a tua raça
E quando passas agora 
És mais um homem que passa

Tentação

Amadeu do Vale / Carlos Dias
Repertório de Amália

Por muito gostar de ti 
Me perdi, e desprezada
Procurei mal te perdi 
Por outro ser encontrada

Da culpa com que me feriste 
Vens hoje pedir desculpa
P'ra quê se tu me traíste 
Apenas por tua culpa

Pedes perdão da traição
Mas se sentes que'inda mentes
Não me tentes, isso não
Que eu sou mulher e bem vês
Que a mulher em quem não crês
Ainda tem a ilusão
De perdoar-te
P'ra depois poder beijar-te
Amor do meu coração


Já sei que te arrependeste 
E eu também me arrependi
De quando me conheceste 
Deixar-me prender a ti

Mas presa a essa mentira 
Em que cega acreditei
Minh'alma ainda suspira 
Tão cega de amor fiquei

Em cada português há um fadista

Manuel Alegre / João Braga
Repertório de João Braga

Em cada português há um fadista
O fado está na alma e está na voz
Haverá sempre a ilha nunca vista
Só essa é nossa, o fado somos nós

Haverá sempre a flor inconquistada
Haverá sempre em nós um outro lado
O fado é ter-se tudo e não ter nada
Em cada português há sempre um fado

Haverá sempre em nós o amor louco
Em cada um Dom Pedro e Dona Inêz
O fado dá-nos tudo e é tão pouco
Há um fadista em cada português

Amor do amor, amor de perdição
E quando mais se perde mais conquista
O fado é sempre um sim, é sempre um não
Em cada português há um fadista

Fado chinês

Letra e musica de João Nobre
Repertório de Fernanda Batista

O fado é mais cantado
Pelo mundo fora, que se imagina
Coitado, chegou-me agora
Até aos confins da China

Vai ser divertido ver
Como é o abandono por todo o lado
As chinesas de quimono
Andam a cantar o fado

Desde Nequin a Pequim, Xangai
Até já muita vez
Tudo lá canta com gemidos na garganta
O nosso fado disfarçado de chinês


Na China quem o supôs
Com dois pauzinhos postos de lado
Até já se come arroz
Ouvindo cantar o fado

Talvez só p’ra nos mostrar
Como são amigos sem represália
Vão fazer jarrões antigos
Com a cara da Amália

Praia perdida

António Cálem / Fontes Rocha *fado isabel*
Repertório de João Braga

Hoje, presa à minha voz
Vive uma infância perdida
O mundo éramos nós
Nessa praia adormecida

Depois veio a mocidade 
Depois veio o meio-dia
Foi-se o amor, foi-se a idade 
Em que a areia nos unia

Mais tarde a vida girou 
Como a roda da má sina
E um vento cego cegou 
Os teus olhos de menina

Sinto morrer o luar 
É noite na minha vida
Só o murmúrio do mar 
Lembra essa praia perdida

Lá longe em Diu

João Alarcão / Miguel Ramos
Repertório de Rodrigo Costa Félix

Porque há-de este amor ser de saudade?
Porque hei-de acordar do que sonhei?
Porque hei-de ver morrer esta verdade
Que tão longe, em Diu, reencontrei?

Lá longe, onde dorme a nossa história
No lajedo das muralhas que pisei
Lá, onde o sol é de oiro e o mar, memória
Do pranto desse eterno vice-rei

Uns olhos cor do mar me perguntaram
Se Portugal era uma vida ou um momento
E as sombras desses muros nos gritaram
Que era um caminho, uma verdade e um alento

Por isso este sonho dura ainda
Por isso a Índia estará em nós presente
Por isso é forte a sorte que não finda
Lá longe, tão longe, em Diu, na minha gente

Padre Zé

António Vilar da Costa / Nóbrega e Sousa
Repertório de Amália 

Tocam as matinas, nasce um novo dia
Já pelas colinas canta a cotovia
Vamos lá p’ra lida, toda a gente a pé
Que já está na Ermida o bom padre Zé

Ai, ai, já se murmura
Já se diz até
Não há outro cura, ai, ai
Como o padre Zé


Pelas tardes mansas, mal saem da escola
Chegam as crianças, poisam a sacola
E bailam de roda, ó lari ló lé
Cantigas à moda do bom padre Zé

É novos e velhos, mais velhos do que ele
Dá-lhes bons conselhos e bolos de mel
E ninguém se nega, ó lari ló lé
Ao vinho da adega do bom padre Zé

Ao findar a ceia, que bonito quadro
Vem a minha aldeia toda para o adro
Padre Zé no meio, como em oração
Num
divino enleio, toca violão

E ao luar de prata, os Manéis depois
Fazem serenata com os rouxinóis
E bailam de roda, ó lari ló lé
Cantigas à moda do bom padre Zé

A cidade saudade

Rodrigo Serrão / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Kátia Guerreiro

Quando as pedras do caminho
Vão chorando de mansinho
Por te ver já de partida
E a cidade estende os braços
Com saudade dos teus passos
Ao fundo de uma avenida

Fica tudo tão diferente
Pára o tempo e de repente 
Toda a cidade é só minha
Presa na margem do rio
Sou como um barco vazio 
Rumo ao futuro, sozinha

E as palavras que eu invento
Na tristeza do momento 
De te ver partir agora
São palavras, são carinhos
São os restos dos espinhos 
Do nosso amor que demora

E a cidade entristecida
Dorme à noite recolhida 
Porque a lembrança sorri
Como quem espera em ternura
Que
um dia à nossa procura 
Possas voltar sempre aqui

Vai aqui o Alto do Pina

Silva Nunes / Jorge D’Ávila
Repertório de Amália

Lisboa vem à janela
Olha a marcha, vem com ela
Lisboa vem ver num trono
O santinho, meu patrono

O bairro aonde moro 
Tem lá tudo que eu adoro
Lisboa cantando de novo
Traz o Alto do Pina 
Na boca do povo

O Alto do Pina faz um vistão
De cravo ao peito 
E arraiais no coração
O Alto do Pina, por brincadeira
Diz que ao passar 
Põe a cantar Lisboa inteira

Lisboa, quem foi que disse?
Que ir na marcha é tolice
A marcha tem luz aos molhos
E fogueiras nos teus olhos

Cantiga que o povo canta 
Põe a alma na garganta
Lisboa tem arte é ladina
Não há melhor marcha 
Que a do Alto do Pina

Em quatro luas

Aldina Duarte / António Zambujo
Repertório de António Zambujo

À janela corre o tempo
Na memória o esquecimento
E a vontade de ficar
Em teus braços distraídos
Entreabertos nos sentidos
Do teu corpo a meditar

O desejo que esqueci
Dorme agora ao pé de ti
No teu sonho a murmurar
Guardo a luz da tua pele
Duas rosas, vinho e mel
Quatro luas sobre o mar

Volto atrás nesta viagem
À procura da coragem
Que renasce de te ver
No regresso da saudade
Eu encontro a felicidade
Que por ti vou aprender