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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.280' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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No cavalo de D. José

Carlos Baleia / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de Jorge Batista da Silva


Se eu tivesse um cavalo 
Como tem o D. José
Haveria de levá-lo 
Até ao Cais do Sodré

Em valente cavalgada 
Com garbo, com altivez
Ia ver como mudada 
Está Lisboa do Marquês

Não ficaria parado 
A olhar pró rio, ausente
No meio da Praça, especado 
A ver passar tanta gente

A trote, no meu formoso corcel
Punha um ar de fidalgote
Ou de toureiro em cartel;
Capote de bom corte e a rigor
Eu ficaria no lote
De cavaleiro e senhor;
Quixote, mas lusitano nascido
Eu iria pela cidade
Onde o fado tem vivido;
Pinote, não me deitaria ao chão
Pois eu cavalgo à vontade
Na sela da ilusão


Dava um salto à Madragoa  
Bairro Alto, Alfama e Bica
E a galopar por Lisboa 
Inda iria até Benfica

Ao cavalo eu mostraria 
O muito que tem perdido
Por nunca na Mouraria 
Ter sequer um fado ouvido

E cansado da jornada 
Depois de tanto laré
Devolveria a montada 
Ao senhor rei D. José

A minha rica filhinha

Letra de Silva Tavares
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel.
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

A minha rica filhinha
Co’a sua saia de roda
Parece uma vassourinha
Varrendo-me a casa toda


Sou pobre por condição 
Mas tenho um grande tesouro
Que não dou por nenhum oiro 
Lançado em circulação
Fiz cofre do coração 
Porque outra coisa não tinha
E essa riqueza, que é minha 
Tão bem, lá dentro, me coube
Que d’ali não há quem roube
A minha rica filhinha

Nunca senti tanto enleio 
Como olhando a minha filha
Fala e pensa à maravilha 
Apenas com palmo e meio
Já mostra certo receio 
De que a não vistam à moda
E ninguém julgue que engoda 
Essa migalha de gente
Toda inchada de contente
Co’a sua saia de roda

A cada passo tropeça 
Por ser a saia comprida
Mas não chora e, de seguida 
Levanta-se e recomeça
Não há nada que não peça 
Pois tudo quer, coitadinha
Deita-se logo à noitinha 
Mas, de manhã até lá
Sempre d’aqui p’ra acolá
Parece uma vassourinha

Ela só, tão pequenina 
Enche-me a vida de luz
E o peso da minha cruz 
Resulta coisa divina
Ladina, muito ladina 
Não pára nem se acomoda
A tudo e todos apoda 
Numa estranha algaravia
E assim passa o santo dia
Varrendo-me a casa toda

Destino

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informaçâo credivel.
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Amanhã será depois
Depois ou talvez outrora
Depende de sermos dois
Ou de haver uma demora

E então se formos dois
Já pensaste o que seremos?
Da nossa vida depois
Ou da morte que teremos?

Morte ou vida, que te importa?
Deixa vir aquele dia
Em que eu for tua ou for morta
Noite negra ou meio-dia

Para os lados da Ribeira

Carlos Baleia / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de Jorge Batista da Silva


Um manto de nevoeiro 
Travou no Tejo um veleiro
Pôs gaivotas nas colinas
E, gemendo, o cacilheiro 
Atravessa o rio inteiro
Cantando lentas matinas

No estuário de algodão 
Já navega a solidão
Que ganha a vida no rio
E a manhã, em ascensão 
Solta no cais “o calão”
Que no cacau mata o frio

Ai, mercado da Ribeira
Que, quer se queira ou não queira
Lisboa nos põe à mesa
E os cheiros que se misturam
São memórias que perduram
Dum mercado à portuguesa


Tejo, barcos, nevoeiro 
Começo de um dia inteiro
Algazarra e discussão
E em regateio, o dinheiro 
Num compra e vende ligeiro
Circula de mão em mão

E não se acalma o bulício 
Daquela gente de ofício
Que viu a manhã chegar
E o Tejo em benefício 
Do trabalho e sacrifício
Dá-lhe um fado para cantar

A pena do meu penar

Mote de José Rodrigues / Glosa de Gabriel de Oliveira
Publicada a 15.06.1945 na edição Nº 1 (II serie) do 
Jornal GUITARRA de PORTUGAL
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel.
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Cavador, meu camarada
Não digas que a pena é leve
Pesa tanto com a enxada
A pena com que se escreve


Com a pena de escrever
Que julgas não ser pesada
Eu peno para viver
Cavador, meu camarada

É ela o meu ganha pão
Deve pesar ou não deve?
Bem vês que tenho razão
Não digas que a pena é leve

Tens que à força concordar
Que na minha mão cansada
A pena do meu penar
Pesa tanto com a enxada

Filosofando mais fundo
Ninguém diz, ninguém se atreve
O peso que tem no mundo
A pena com que se escreve

O nosso amor

Letra de Lopes Vitor
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel.


O nosso amor acabou
Por muitas voltas que dês
E da mente não te saia
Foi aragem que passou
Nuvem que o vento desfez
Onda que morreu na praia

O nosso amor, foi quimera
Amarga desilusão 
Que duas vidas tortura
Não conheceu Primavera
Nunca passou de botão 
Nem viu o Sol da ventura

Se jurei não dizer nada
Esse sonho, podes crer 
Não exalto nem lamento
Minha palavra está dada
Por mais que possa sofrer 
Não falto ao meu juramento

O nosso amor acabou
Disse-te mais de uma vez 
Por muito que nos atraia
Foi aragem que passou
Nuvem que o vento desfez 
Onda que morreu na praia

Sobre a cidade

Carlos Baleia / Fernando Silva
Repertório de Jorge Batista da Silva


Sou parceiro da gaivota 
Dos bizarros arabescos
Em dança louca e devota 
Com movimentos burlescos

Cavalgo na andorinha
Meu tropel de pensamentos
Vindos da brisa marinha 
Em fugitivos tormentos

Cruzo as nuvens de Lisboa
Meu algodão de brincar
Fazendo delas, canoa
Inventada para voar
Voo num verso perdido
Que anda em busca da verdade
Com o norte no sentido
Tendo no sul a saudade


Bailo num fado que sobe 
Entre telhados, carente
Sonho cantado que encobre
O silêncio que se sente

E num voar inquieto 
Que toca as margens do Tejo
Abro as asas do afeto 
E abraço tudo o que vejo

Ao telefone

Mote de Júlio Rodrigues / Desenvolvimento de António Amargo
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel.

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

MOTE
Norte – dois, três, zero, cinco
És tu, amor? Ouve, Berta
Deixa-me a porta no trinco
Esta noite é pela certa


1ª Glosa
Norte – dois, três, zero, cinco 
Estou farto de tocar
E de tocar com afinco 
Faça favor de ligar

És tu, amor? Ouve, Berta 
Vou p’ra o Cabeço de Bola
Manda-me bem encoberta 
A minha rica pistola

Deixa-me a porta no trinco 
A porta que dá p’ra escada
Palavra de honra, não brinco 
A coisa vai ser falada

Esta noite é pela certa
 
Triunfa a canalha nua
Mas vai deixando entreaberta 
Também a porta da rua
- - -
- - 
-
2ª Glosa
Estou farto de tocar 
E de tocar com afinco
Faça o favor de ligar 
Norte – dois, três, zero, cinco

Agora tudo se cala 
Dir-se-ia a casa deserta
Ora até que enfim! Quem fala? 
És tu, amor? Ouve, Berta

Juro à face do Senhor 
Que desta feita não brinco
Por amor do nosso amor 
Deixa-me a porta no trinco

À uma da madrugada 
Põe-te bem de ouvido alerta
Vou falar contigo à escada 
Esta noite é pela certa

Sextilhas para um fado em tom menor

António Cálem / Jose António Sabrosa
Repertório de António de Noronha


Quis cantar o meu passado 
E só te cantei a ti
Quis seguir todo o meu fado 
Mas de tudo o que segui;
Foi o voltar costumado
À vida que em ti vivi

Quis conhecer mais o mundo 
E reviver nele assim
Mas abriste-o tão profundo 
Tão estranho, tão sem fim;
Que quando cavei mais fundo
Só lá me encontrei a mim

Hoje só na minha vida 
Na vida que me traçaste
Sou a sombra dolorida 
Do rasto que tu deixaste;
Lá no ponto de partida
Onde tu por mim cruzaste

Pobre chita

Gabriel de Oliveira / Raúl Portela / Raúl Ferrão
Repertorio de Natália dos Anjos

Madalena altiva
Beleza atractiva 
Foi quase rainha
Mas lembrem-se disto
Que por Jesus Cristo 
Quis ser pobrezinha

E assim Madalena
O luxo condena 
E se nobilita
Se foi pecadora
A fé redentora 
Vestiu-a de chita

Pobre chita, pobre chita
Vestimenta muito honrosa da mulher
Tem nobreza na desdita
A mulher que veste chita
Pois é senhora de bem quando quer


A filha do povo
Que eu adoro e louvo
Na vida que tem
Traja simplesmente
De chita decente 
Que lhe fica bem

E a pobreza honrada
É bem compensada 
Na sua desdita
Chita não desdoura
Pois Nossa Senhora 
Vestia de chita

Lisboa passeia em si

Carlos Baleia / Marco Oliveira
Repertório de Jorge Batista da Silva

Lisboa sente
Seu coração bate forte
Num bater que anda contente
E feliz com sua sorte
Anda pelas ruas
Vai até à Madragoa
Faz paragem no Chiado
Toma a “bica” com Pessoa

Depois num salto
Com um sorriso nos lábios
Sobe até ao Bairro Alto
Onde os fadistas são sábios
E assim sentindo
Vê com olhos de mulher
O que em si há de mais lindo
E sente nisso prazer

Vê que a moirama
Ainda mexe consigo
Dá um pulo e em Alfama
Tem no Fado, um velho amigo
Passa pelo rio
Vê gentes apaixonadas
E ao longe há um navio
De velas engalanadas

E retraída 
P’las maldades cometidas
Sente que a vida
Lhe deu horas bem sofridas
Rica mistura 
De alegrias e paixões
Num cantar que ora cura
Ou entristece corações

E assim sendo
Tem a bóia a que se agarra
Um sentir que vai vivendo
Num dedilhar da guitarra

Flor de rosmaninho

Letra de Gabriel de Oliveira e António Amargo
Publicada a 27.05.1930 na edição Nº197 do Jornal GUITARRA de PORTUGAL
e cantada por Leonor Fialho em 29.04.1930 num concurso realizado no 
Solar da Alegria.
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel.

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Nasce nos campos sozinho
Cumprindo seu triste fado
O pobre do rosmaninho
Por todos abandonado

Se não tem brasão de nobre 
Tem outro brasão, porém
Entrar em casa do pobre 
Porque ele é pobre também

Quando vou pelo caminho 
Meu santo amor a sentir
Apanho sempre um raminho 
De rosmaninho a florir

E para que o meu amor 
Me tenha sempre afeição
Trago o rosmaninho em flor 
Bem junto do coração

Corações de Alfama

Letra de Clemente Pereira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


A Lucinda cigarreira
Voz fagueira e feiticeira
Que lá n’Alfama morava
Tinha só por companhia
A magia que sentia
No fado quando cantava

Como vivia sozinha
A vizinha que ela tinha 
E morava ao lado dela
Quis fazer-lhe uma partida
E em seguida, decidida 
Pôs-lhe um escrito na janela

Sabedor, o guitarrista
Zé Fadista, teve em vista 
A partida aproveitar
E pouco tempo depois
Eram dois, os rouxinóis 
Naquele ninho a morar

Hoje onde essa paixão mora
Se ouve agora, noite fora 
Naquele bairro afamado
Uma voz e uma guitarra
Que os agarra e os amarra 
Ao sentir do mesmo fado

A civilização

Letra de António Amargo
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

O poderoso rei 
De uma tribo selvagem
Tendo ouvido falar em civilização
Quis ver e observar 
A atraente miragem
Das grandes capitais
Empórios do milhão

Viu padres e pasmou 
Da estólida ignorância
Do povo que inda crê 
Em Deus e em seus ministros
Viu lôbregas prisões
A desumana estância
Onde se gera o crime 
Em corações sinistros

Viu a prostituição 
Obedecendo a leis
E o estado, sem pudor 
Impondo-lhe tributos
E viu países onde 
Ainda existem reis
E o povo geme e sofre 
E há cortesãos corruptos

Viu gente a mendigar 
O pão da negra sorte
Porque pede trabalho 
E ninguém lho quer dar
E viu com mais horror 
Que inda há pena de morte
Em terras onde a lei 
Condena quem matar

O poderoso rei
Cansado da miragem
Voltou ao seu país 
Numa desilusão
Dizendo: a minha gente 
É bárbara, é selvagem
Não quero que lá chegue 
A civilização

Esquiva

Mote de autor desconhecido / Glosa de Avelino Sousa
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel


Não pude furtar-te um beijo
Desses teus lábios, donzela
Porque tens, constantemente
Teus olhos de sentinela


Morena de olhos mortais 
E lábios cor da papoila
És a mais linda moçoila 
Que aparece p’los trigais
Quando, junto aos roseirais 
Te exprimi o meu desejo
Subiu-te às faces o pejo 
De purpurina candura
E por minha desventura
Não pude furtar-te um beijo

Ao ver as ondulações 
Que fazem arfar teu seio
Eu senti o doce enleio 
De ternas palpitações
E tive mil tentações 
De enlaçar-te, minha bela
Mas, ágil, como a gazela 
Fugiste do meu amor
Sem que eu sorvesse o licor
Desses teus lábios, donzela

Meu anjo: não pode ser
Fazeres-te assim tão esquiva
Pra que hás-de ser tão altiva 
Se, por fim, vens a ceder
Eu não posso conceber 
Que me julgues exigente
Pois se era um furto, inocente 
E, juro, que, p’ra bom fim
Teus olhos fitos em mim
Porque tens, constantemente

Não tenhas tal azedume 
Nem tamanha vigilância
Deixa aspirar a fragrância 
De teus lábios o perfume
O veneno do ciúme 
Em meu peito se revela
Beijar-te, minh’alma anela 
Mas não gozo tais delícias
Pois me lembram dois polícias
Teus olhos de sentinela

Com saudade

Gabriel de Oliveira
Letra publicada a 31.05.1934 na edição Nº292 do Jornal GUITARRA de PORTUGAL
Dedicada a Júlio Proença e Hermínio Antunes
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Nascido na Mouraria
Velho bairro da Moirama
Que em tempos idos deu brado
Afrontei com valentia
Alguns fadistas de fama
Que tinham fama no fado

Com os faias mais antigos 
Desde pequeno marquei 
Na minha crença bairrista
E foram esses amigos 
Fadistas da velha grei
Que me fizeram fadista

Não deixei o meu ofício
Vivi sempre a trabalhar 
Pela minha profissão
E canto só pelo vício
Que me ficou de cantar 
Cantigas que já lá vão

Hoje o fado abandonou
Esse bairro da cidade 
Onde cantando vivia
E a minha voz que o cantou
Canta agora com saudade 
Saudade da Mouraria

Zé Maria

Alberto Barbosa, José Galhardo, Vasco Santana e Xavier Magalães
Música de Cruz e Sousa 
Criação de Irene Isidro na revista Loja do Povo, Teatro Avenida, 1935
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção* pág. 37
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel


Contaram-me na escola a nossa história
As lutas, as viagens do passado
Não mais se me varreram da memória
Contaram-me, e eu fiquei maravilhado

Contaram-me as conquistas que fizeram
Os velhos portugueses no além-mar
Dizendo-me: essas terras que nos deram
São nossas, temos sempre que as guardar

Oh! minha terra
Não sou ninguém
Mas se houver Guerra
Quero ir também
Morrer por ti 
Lá nessa pátria leal
Que eu nunca vi
Mas que é também Portugal

Somos pequenos 
Mas temos fé;
Vamos p’lo menos 
Morrer de pé
O que é só teu
Por esse mundo além
Ninguém te rouba
Oh! minha pátria
Oh! minha mãe

Ai quantos capitães ganharam fama
Lutando p’ra aumentar este cantinho
Ai quantos homens fortes desde o Gama
E Afonso d’Albuquerque até Mouzinho

Se os bravos doutras eras que esqueceram
P’ra nós tais mundos foram conquistar
Se tantos p’ra os ganhar por lá morreram
Morramos nós, também, para os salvar

O mais lindo pregão

Carlos Conde
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informaçâo credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Se não conhece bem a graça encantadora
Daquela rua estreita ali da Madragoa
Venha comigo ver a casinha onde mora
O mais lindo pregão das ruas de Lisboa

Repare, é mesmo ali, janela em guilhotina
Quase unida aos umbrais da porta com postigo
Lá dentro, em bambinela, a chita da cortina
A coar levemente a luz daquele abrigo

Aquela é que é a dona; as rendas muito brancas
Que lhe enfeitam a blusa azul de castorina
As chinelas dos pés, a cinta sobre as ancas
São bem o galardão maior desta varina

De riso cristalino, é sadia, engraçada
Diferente talvez das outras raparigas
Chegando a confundir na voz aveludada
Cantigas com pregões e pregões com cantigas

Repare no lilás que tomba da janela
Da casa mais humilde ali da Madragoa
Onde habita, por bem, a cachopa mais bela
E onde mora o pregão mais lindo de Lisboa

Ressureição de Rosa Maria

António Amargo
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional


Porque alguém a assassinou
Morreu a Rosa Maria
Da Rua do Capelão
Mas Cristo a ressuscitou
E ao fim do terceiro dia
Deu-lhe vida e coração


Jazia inerte e sem vida
A cantadeira encantada 
Que tanto nos encantou
Não foi de morte morrida
Mas sim de morte matada  
Porque alguém a assassinou

Ouviu-se em menos dum ai
Pela velha Mouraria 
Este sinistro pregão
Chorai, fadistas, chorai
Morreu a Rosa Maria 
Da rua do Capelão

A Rosa, deusa do Fado 
Rainha das maravilhas
Um mau bocado passou
Um poeta consagrado 
Matou-a em cinco sextilhas
Mas Cristo a ressuscitou

Morreu de morte serena
Às mãos de uma poesia 
Que lhe serviu de caixão
Porém Jesus teve pena
E ao fim do terceiro dia 
Deu-lhe vida e coração

Dentro dum barco de guerra

Gabriel de Oliveira e Linhares Barbosa / Alberto Costa *fado bragança*
Repertório de Joaquim Pimentel
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Dentro dum barco de guerra
Um velho lobo do mar
Olhando terra estrangeira
Saudoso da sua terra
Tem vontade de chorar
Vendo arriar a bandeira

Pára a faina no convés
É momento de emoção
P’ra quem no mar se desterra
Pois vibram de lés-a-lés 
Alma, Pátria e coração
Dentro de um barco de guerra

Relembra por sobre as águas
Esse velho marinheiro 
O seu casal lá na serra
Que tristeza e quantas mágoas
No seu peito aventureiro 
Saudoso da sua terra

E, já tarde, ao sol poente
A bandeira a tremular 
Desce, mas desce altaneira
E o marinheiro valente
Tem vontade de chorar 
Vendo arriar a bandeira

Desespero

Antonio Cálem / Alfredo Duarte
Repertório de Tóia / Alberto Lopes *fado dois tons*


Saudade de te perder
Sem jamais ter-te encontrado
Futuro do meu viver
Sem cinza morta ou pecado

Vida negra em brancos dias
Barcos passando no mar
Silêncio de melodias
Que já não ouço cantar

O mundo é liso e vazio
Triste sem saber de quê
Cortina que se não vê
A cobrir um vago frio

Nem passado, nem saudade
Neblna da cor do chão
Lá longe morre a cidade
E perto o meu coração

Portugal

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada na edição nº 156 do jornal Canção do Sul em 16.06. 1936
com a indicação de pertencer ao repertório de JOAQUIM PIMENTEL
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Numa quadra popular
Que dá volta ao mundo inteiro
Vai dento dela, a cantar
Portugal aventureiro

Um sentimento profundo 
Fez um poeta pensar
Tantas vezes cabe o mundo 
Numa quadra popular

Uma cantiga de amor 
Na boca dum marinheiro
Lembra um livro de valor 
Que dá volta ao mundo inteiro

Às vezes numa canção 
Que nos parece vulgar
A vida duma nação 
Vai dento dela, a cantar

Sempre que leio as baladas 
D'algum velho cancioneiro
Lá vejo em letras doiradas 
Portugal aventureiro

Conversa com o fado

Daniel Gouveia / Frederico de Brito *fado britinho*
Repertório de Teresa da Câmara


Conversou meu coração
Na questão da tradição
Com o velho e castiço Fado
E falaram à vontade
Doutra idade e da verdade
Com que já fora cantado

Disse então ao nosso fado 
Magoado e amargurado
Meu coração com ternura
Que é feito do sentimento 
Do lamento e encantamento
Na tua forma mais pura?

E daqueles pianinhos 
Gemidinhos, tremidinhos
Da guitarra a acompanhar?
E o estilar à moda antiga 
Que bem liga co'a cantiga
Que dá mais gosto cantar?

Respondeu-me o Fado assim
Espero, enfim, não ter mau fim 
Depois do que já passei
Haja o que houver, sigo em frente
‘inda há gente que me sente 
Por isso não morrerei

Cantar o Mouraria

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada no jornal Guitarra de Portugal Nº4 de 30.07.1945
Repertório de Maria Loureiro
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

P’ra cantar o Mouraria
Castiço e bem a preceito
É preciso melodia
E sentir fogo no peito


No estilo que mais convém 
Ter arte, gosto e mestria
São três leis que o fado tem 
P’ra cantar o Mouraria

Quem é fadista a valer 
Dá-lhe as voltas a seu jeito
Para o sentir reviver 
Castiço e bem a preceito

Trina e faz garganteados 
Como dantes se fazia
P’ra cantar o rei dos fados 
É preciso melodia

Não basta o nome de artista 
E p’lo fado ter respeito
É preciso ser fadista 
E sentir fogo no peito

Nunca durmo

Mote de Carlos Conde / Glosa de Francisco Radamanto
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Não sei onde te entreténs
Que só vens de madrugada
Não durmo enquanto não vens
Tu chegas, não durmo nada


Vê lá: carinhosamente 
Ponho o jantarinho ao lume
E o meu jantar é ciúme 
Porque à hora, estás ausente
Ó meu querido, francamente
Muda o costume que tens
Vê que os meus mais ricos bens 
São teu carinho e amor
Estou sempre em ânsias, traidor
Não sei onde te entreténs

Espero, acendo o candeeiro 
Todas as noites é isto
É um vício, pelo visto 
Que te ficou de solteiro
Tem juízo, cavalheiro 
Pois já me sinto cansado
Trago a alma revoltada 
Sem conseguir compreender
Que andarás tu a fazer
Que só vens de madrugada

Às vezes, noites de Inverno 
A chuva a cair a fio
E eu toda a tremer de frio 
Sem teu calor meigo e terno
A vida assim é um inferno 
Não mereço parabéns
És vadio como os cães 
Que passam a noite fora
Desliza o tempo, hora a hora
Não durmo enquanto não vens

Mas… metes a chave à porta 
E entras, pé ante pé
Eu sinto, e por minha fé 
Já nada, nada me importa
Dás-me um beijo… fica morta 
Toda a raiva concentrada
Que eu sentia e, dedicada 
Prendo-me bem nos teus braços
Mas, vê lá meus embaraços
Tu chegas, não durmo nada

O xaile

Letra de Artur Soares Pereira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Este meu xaile velhinho
Sobre os meus ombros traçado
Tem palmilhado o caminho
Que eu já palmilhei no Fado

Não o deixo um só momento 
É meu conselheiro e guia
Conto-lhe o meu sofrimento 
Conto-lhe a minha alegria

Põe meu peito em alvoroço  
Põe minha alma a vibrar
Sem ele, cantar não posso 
Sem ele, não sei cantar

É o meu maior amigo 
Na alegria ou desventura
Quando eu morrer vai comigo 
Para a minha sepultura

Se eu pudesse, bem à vista 
Na minha campa gravava
Aqui jaz uma fadista 
E o xaile com que cantava

Foi milagre

Letra de Lopes Vítor
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Uma criança estava agonizante
Sofrendo um mal sem cura, um mal ruim
O doutor, vendo a mãe tão suplicante
Foi direito à verdade e diz-lhe assim

Estudei a ciência e por saber
Que a doença é fatal, é invulgar
Eu aqui pouco mais posso fazer
Só um milagre a poderá salvar

Então a pobre mãe, numa vertigem
Correu até chegar à capelinha
Ajoelha, a chorar, e diz à Virgem
Ó Santa Mãe de Deus, minha Santinha

Se as almas infantis são mais formosas
Se para ti são rosas, são carinho
Ó Virgem, dou-te as mais bonitas rosas
Mas deixa cá ficar o meu filhinho

No mês de Maio, lá foi cumprir, por fim
O prometido à Virgem, na capela
Ficou sem rosa alguma no jardim
Mas tinha o filho vivo junto dela

Irmãos de raça

Letra de Carlos Conde
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação 
credível


Portugueses de além mar
Meus nobres irmãos de raça
Que mourejais dia-a-dia
Portugal é um altar
Cheio de encanto e de graça
De beleza e harmonia

Desde o perfume da serra
Cantarolar das fontes 
Meigas, suaves, divinas
Tudo alinda a nossa terra
Onde o sol desperta os montes 
E a lua beija as colinas

Se dos jardins aos trigais
De rara policromia 
São tudo encantos, belezas
Lindos são os arraiais
As festas e a romaria 
Das aldeias portuguesas

Raça de heróis que se expande
E sabe afrontar revezes 
Mercê do génio fecundo
Assim Portugal é grande
Tão grande, que há portugueses 
Em toda a parte do mundo

Volto a ti

António Cálem / Carlos da Maia
Repertório de José Vilela


Volto a ti, ó fado amigo
P´ra te cantar minha mágoa
São os olhos rasos de água
Palavras que te não digo

Morrem à flor da garganta 
Os sonhos que já não são
Há só voz no coração
E um fado que ninguém canta

E sendo já madrugada
E só luz ao meu redor
Vejo a negrura maior
Da minha noite cerrada

E quem me dera morrer
Na noite que me matou
Ou matar quem me roubou
O sol deste amanhecer

Fado da loucura

Júlio de Sousa (música e letra do refrão) 
Frederico de Brito (restante poema)
Criação de Mariamélia, atriz-cantora, irmã de Júlio de Sousa
que foi autor da música e da letra do refrão, enquanto 
Frederico de Brito escreveu o resto do poema.
Mariamélia gravou-o por volta de 1928. A partir daí, tem sido cantado e gravado 
com diversas variantes e adaptações, no entanto, a letra original é a que se segue:
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção* 


É loucura que eu bem sei
O ter que andar à procura
De alguém que nunca encontrei
Sorte vil que eu lamento
Até o meu céu d’anil
Se tinge a cada momento

Chorai, chorai,
Guitarras da minha terra
Que o vosso pranto encerra
As mágoas do passado
E o mundo a rir
A rir às gargalhadas
Não tem dó das desgraçadas
Que morrem cantando o fado


Neste inferno, por meu mal
Sou qual barca sem governo
À mercê do temporal
Sofri tanto que eu nem sei
Se faria um mar de pranto
Tanto pranto que chorei

Noite morta

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Solidão e noite morta
Noite morta e solidão
Nem tu vens bater-me à porta
Bater e pedir perdão

Foi-se o brilho das estrelas
Negrura só que me invade
Quem dera que fosse delas
Toda esta minha saudade

Mas a saudade é maior
Por já não saber de quem
Nem é saudade, é só dor
Dor de mim, de mais ninguém

De mais ninguém, de mais nada
Nem um vestígio de cor
E já rompe a madrugada
E é mais negra a minha dor

Sou cigana

Frederico de Brito / Jaime Mendes
Criação de Hermínia Silva no filme Ribatejo, em 1949

Eu sei ler a sina
Quando na mão vem gravada
Mas vou mofina
Se a mão não vem, não tem nada
Eu chego a andar farta
Desse mistério profundo
Pois ninguém sabe o que, ao certo
Vem fazer cá neste mundo

Sou cigana, porquê, não atino
Sou cigana por sorte fatal
Sou cigana e pergunto ao Menino Jesus
Por meu mal, quem é, quem é?
E sabe afinal, qual é, qual é?
O nosso destino


As sinas e as cores
São como os homens que juram
Eternos amores
Que sobram sempre e não duram
E o mal é que eu penso
Que eles são todos iguais
Gostam de nós hoje, imenso
E amanhã não gostam mais

Maneiras de ver

Letra de João da Mata
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Eu vi bem que tu me viste
Mas não viste que eu te vi
E se eu te disser não crês
Na verdade, o que é mais triste
É que eu só te vejo a ti
E tu a mim não me vês

Não me vês porque ninguém
Pode ver quando não crê 
Naquilo que deve crer
Mas, vistas as coisas bem 
Há coisas que a gente vê 

E que era melhor não ver
Eu já vi o que desejas
Os meus tristes olhos lêem 
O mentir do teu olhar
Só lamento que não vejas
Aquilo que todos vêem 
Quando gostam de gostar

Mas, ai de ti, se te vejo
Na cegueira da conquista 
Aos olhos d’outras mulheres
Após ver o que desejo
Eu juro p’la minha vista 
Que hás-de ver o que não queres

Mas… perdoa-me por Deus
Perdoa a quem anda cega 
Por este mundo sozinha
Esmolando os olhos teus
E uma esmola não se nega 
A uma triste ceguinha

Santa

Letra de Carlos Conde
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação 
credível

E dizem que não há santas
Nem pecados; muito embora
A graça com que me encantas
Faz-te santa e pecadora


Para traçar o perfil 
Desse rosto, desse olhar
Desse corpito gentil 
Desse donaire sem par
Tinha que erguer-te um altar 
E pôr-te lá, entre tantas
Para em vão eu notar quantas 
Se assemelhassem contigo
És a santa que eu bendigo
E dizem que não há santas

P'ra fruir do corpo teu 
Essas formas lindas, belas
O meu desejo é o céu 
E os meus sonhos as estrelas
Faço-te preces singelas 
A dia-a-dia, hora-a-hora
Em febre devoradora 
Mas a tua ideia encerra
Que não há santas na terra
Nem pecados; muito embora

Teus olhos, sendo o calvário 
Das minhas aspirações
São por vezes o rosário 
Onde te rezo orações
Que de estranhas seduções 
Eu sinto, quando levantas
Esse olhar onde quebrantas 
A febre que em mim perpassa
Faz encanto e faz desgraça
A graça com que me encantas

Embora alguém te consagre 
A paixão que já venci
Eu tenho fé no milagre 
De ser beijado por ti
Nunca na vida descri 
Caminhei p'la vida fora
E uma santa redentora 
Me surgiu, ó santa linda
Mas a tua graça infinda
Faz-te santa e pecadora

Menino perdido

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Mal raiava ao longe o dia
Já eu era esse menino
Que cismava e se perdia
Nas brenhas do seu caminho

Nas brenhas do seu caminho 
No rasgar de cada fraga
Mal ainda era menino 
Já os olhos rasos de água

Já os olhos rasos de água 
Já o sonho entre o luar
Já na terra a sua mágoa 
Sem braços para a abraçar

Já o sol brilhava a prumo 
Ele ardia por te ver
Mas tu mudaras de rumo 
Quando o dele era sofrer

Quando o dele era sofrer 
Sem saber que ainda era
Cedo para conhecer 
A voz dessa Primavera

A voz dessa Primavera 
E sentado à beira-mar
O menino ainda espera 
A voz que o há-de chamar

Tudo passa de fugida

Letra de Carlos Conde
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informaçâo credivel


Tudo passa de fugida
Neste mundo onde os esforços
Vão redobrando de ação
Há quem chegue ao fim da vida
Curtindo fundos remorsos
Por não ter sido ladrão

Este é ricaço afamado
Que pretende dar nas vistas 
E que mais nada o consome
Aquele, foi sempre honrado
É dos mais belos artistas 
Mas anda a morrer de fome

Este é rico e não tem filhos
Que os filhos não dão prazer 
A certa gente de bem
Aquele tem duros trilhos
Mas é capaz de morrer 
Pelos filhinhos que tem

Esta é rica em frases ledas
Diz-se a mais casta donzela 
Mas a honra, onde ela vai
Aquela, não veste sedas
Mas os garotitos dela 
São todos do mesmo pai

Há quem só pense no estudo
P’ra ser culto e bem formado 
Porque o estudar o consola
Para no fim disto tudo
Ser lacaio, ser criado 
De quem nunca andou na escola

Contraste

Letra António Vilar da Costa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouvei
a
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Homem velho e mulher nova
Dão-me sempre esta impressão
Do inverno a ir prá cova
Co’a primavera p’la mão


Casaram: infeliz lembrança
Vejo-os todas as manhãs
Ele já de níveas cãs
Ela de alourada trança;
O vulto alegre da esperança
A par da desilusão,
Ele a treva, ela o clarão
Da vida que se renova
Homem velho e mulher nova
Dão-me sempre esta impressão


Ela a espargir sorrindo
Alegria desprendida
Ele a querer prender a vida
Que aos poucos lhe vai fugindo;
Impressiona, mas é lindo
O quadro, a triste visão
Que a minha imaginação
Sempre ao vê-los põe à prova
Do inverno a ir prá cova
Co’a primavera p’la mão

Solidão

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Morre assim como viveste
Morre de pé e sozinho
Flor que nunca deu um fruto
Mas pura como o arminho;
Morre assim como viveste
Morre de pé e sozinho

Já que é só este o teu mundo
Canta a tua solidão
Tudo o mais é o deserto
Fora do teu coração
Já que é só este o teu mundo
Canta a tua solidão

Não deixes que a tua voz
Seja a voz de toda a gente
As lágrimas, as tuas lágrimas
Nunca mais ninguém as sente
Não deixes que a tua voz
Seja a voz de toda a gente

E se ao morrer os teus olhos
Virem lágrimas nos meus
Será esse o paraíso
Aquele que Deus te deu;
Se ao morrer os teus olhos
Virem lágrimas nos meus

Paraíso ausente

António Cálem / Francisco Viana
Repertório de João Braga


Hoje dia em que te vi
Num jardim adormecido
P’ra quê se vivi em ti
Um paraíso perdido?

Se já foste a minha vida 
Nada mais és que saudade
Longe de mim e perdida 
És mentira e não verdade

Dás-te ao gesto que te enlaça 
Vendes-te a qualquer olhar
Ficas presa a quem te abraça 
Nem ficas… és só passar

Por isso não creio em ti 
Nem no sol, nem no jardim
Hoje dia em que te vi 
Hoje noite dentro em mim

Ilusão

Mote de autor desconhecido / Glosa de Carlos Harrington
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Na mesma campa nasceram
Duas roseiras a par
Conforme o vento as movia
Iam-se as rosas beijar


Dois entes que se adoravam 
Quando jovens e com vida
Naquela campa esquecida 
Lembram as rosas que amavam
Essas flores que encantavam 
Rapidamente cresceram
No mesmo dia morreram 
Como dois peitos leais
P’ra em tudo serem iguais
Na mesma campa nasceram

Mesmo o sinistro coveiro 
Que as florinhas regava
Involuntário as olhava 
Com gesto mais prazenteiro
Embora rude e grosseiro 
Parecia cogitar
Que quisera Deus sanar 
O agro do seu sofrer
Ordenando ali nascer
Duas roseiras a par

Quando os rouxinóis cantavam 
Nos altos freixos do monte
Erguiam as flores a fronte 
E em êxtases escutavam
Na haste se balouçavam 
Quando a lua além se erguia
Só cessando quando o dia 
Clareava a solidão
Elas bailavam então
Conforme o vento as movia

Mas certa noite fatal 
Noite de agrestes nortadas
As pobres foram ceifadas 
Pela ânsia do temporal
Uma lufada infernal 
Pareceu rasgar o ar,
E ao coveiro ouvi contar 
Que ainda pranto derrama
Que, desfolhadas na lama
Iam-se as rosas beijar

Outono

António Cálem / Alvaro Duarte Simões *fado meia noite e uma guitarra*
Repertório de João Braga
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credivel

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Outono, na tarde fria
As casas vão-se fechando
E a praia fica vazia
Até quando… até quando?

Caem as primeiras chuvas
As folhas morrem no chão
Todo o mar é só espuma
Toda a terra solidão

E um sorriso na partida
Gela o nosso coração
Ai se os dias desta vida
Fossem só feitos de Verão

Até quando… até quando
E as saudades já são tais
Que o mar ao fundo cantando
Diz à praia: nunca mais

Desespero

Letra de Domingos Gonçalves da Costa
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Dize lá: porque foi 
Que me chamaste louco
Será porque te quis 
Como ninguém te quer?
Quem tanto prometeu 
Dando afinal tão pouco
Pode dizer de mim 
Aquilo que quiser

Acreditando em ti
Fui louco, não o nego
Não esqueço dessa boca 
s juras que escutei
Mas devias chamar-me
Além de louco, cego
Pois perdido de amor 
Não vi que me enganei

Mas ai, pobre de ti 
Que o teu viver se apouca
Perdida noutro amor 
Por ti sonhado em vão
E que num labirinto 
Andas perdida e louca
Esmolando, tristemente
Um pouco de afeição

Porém, se a vida agreste 
E as dores de que padeces
Vierem recordar-te o sonho que vivi
Podes voltar mulher, 
Que o louco que conheces
Só teve esta loucura: a de gostar de ti

Quando passas por passar

Célia Barroca / Popular *fado mouraria*
Repertório de Célia Barroca


Eu não vivo do passado
Nem duma folha dum trevo
Quatro folhas me dão sorte
Quatro palavras atrevo;
Só duas são o meu nome
Outras duas são segredo

Eu não morro de saudade 
Nem do teu amor ausente
Se me vês passas ao lado 
Passas como toda a gente
E eu passo na tua frente
Viro costas ao passado

Nem assomos de tristeza 
Que eu não morro de saudade
Quando passas por passar 
Quatro palavras atrevo
Duas são o meu segredo
Que guardo no teu lugar

Nem assomos de tristeza 
Que eu não vivo do passado
Se me vês passas ao lado 
Passas como toda a gente
E eu passo na tua frente
Viro costas ao passado

Jeito fadista

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel


De viver entre a canalha
Ficou-me o jeito rufia
Quando ao brilho da navalha
Um fado triste se ouvia

Por essas ruas sem fim 
Mães de fome e de desgraça
O fado entrou em mim 
Como o sol pela vidraça

Assim sigo a minha sina 
De desejo e de procura
Enquanto a sorte destina 
O meu trilho de loucura

E é por isso que se espalha 
À minha volta esse jeito
De viver entre a canalha 
Ficou-me o fado no peito

Amei-te tanto

Fernando Teles /Júlio César Correia
Repertório de Maria Alice 
(nome artístico de Glória Mendes Leal Carvalho)

Amei-te tanto
Tanto talvez, que enfim
O meu encanto 
É ver-te sempre 
Bem perto de mim
Mas certo dia
Dia cruel fugiste
Na fantasia d’amor
Fiquei sozinha, bem triste

Se acaso um dia se vá
Essa maldita paixão
Volta terás o lugar
Dentro do meu coração
Meu, que já não é meu
Este coração desfeito
É teu e muito mais teu
Do que o que trazes no peito

Essa mulher que te levou amor
Não tem sequer na alma 
O sentimento da dor
Tenho a certeza 
Que é um capricho banal
Dela a crueza feroz 
Hás-de sentir na fatal

E quando um dia acabar
Essa maldita paixão
Volta terás o lugar
Dentro do meu coração
Meu, que já não é meu
Este coração desfeito
É teu e muito mais teu
Do que o que trazes no peito

O nosso fado

Letra de Francisco Radamanto
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informaçâo credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Fado-nosso que estás no coração
Da lusitana gente a palpitar
Santificado sejas na paixão
Dos que põem a guitarra num altar

Venha a nós tua doce melodia
Seja feita a vontade dos fadistas
Num novo e lindo fado cada dia
A vibrar nas gargantas dos artistas

Perdoa-nos, se acaso alguma vez
Pecámos contra ti, oh! excelso fado
Dá-nos sempre perdão, porque bem vês
Que nos arrependemos do pecado

Não nos deixes cair em tentações
De te desvirtuar… enche porém
De fé em ti os nossos corações
P’ra seres eterno em Portugal… amém

Guitarra chora comigo

Letra de Lopes Vitor
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel


Guitarra, querida guitarra
Eu quero chorar contigo
Sinto mais suave o pranto
Quando tu choras comigo


Nos rastos de uma alegria 
Tantos caminhos trilhei
Só tristezas encontrei 
E sinto a vida vazia
Essas noites que eu perdia 
Só a saudade as agarra
E o meu peito por amarra 
Liga-se à dor de um castigo
Guitarra, querida guitarra
Eu quero chorar contigo

Não me deixes ir embora 
Tu sabes o que é sofrer
Deixa que eu faça morrer
A minha dor sem demora
Chora sim, guitarra chora 
As melodias de encanto
Que sempre me alegram tanto 
Podes crer no que te digo
Sinto mais suave o pranto
Quando tu choras comigo

Vida boémia

Carlos Conde / Túlio Pereira
Repertório de Maria Amélia Proença (?)


Não quero ser escrava 
De preconceitos
Quero viver senhora 
Dos meus defeitos

Quero cantar, sorrir, amar
Guardar comigo com devoção
Tanto o castigo como o perdão
Que Deus tenha p'ra me dar

Já fui hoje aos arrabaldes
Bebi uns "baldes", falei calão
Vi rufias turbulentos
E dei dois tentos num rufião
Depois cantei à guitarra
Junto à samarra 
De quem eu quero e me quer
E de alma em brasa 
Cheguei a casa
Mais fadista e mais mulher


Quero a boémia 
Das grandes ceias nas hortas
Ser irmã gémea 
Das noites fora de portas

Ter por amigas, duas cantigas
A minha voz, uma guitarra
E junto de nós, gente da farra
Ao jeito de eras antigas

O soldado cego

Mote de Linhares Barbosa / Glosa de Avelino de Sousa
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Não me queres, não me admira
Perdi os olhos na guerra
Com eles tudo perdi
Mas disse-me alguém que os vira
No chão, cheiinhos de terra
‘Inda choravam por ti

Fui prá guerra e, a cada passo
Por ti sentia um carinho
Maior do que já sentira
Mas, um maldito estilhaço 
Cegou-me, e ao veres-me ceguinho
Não me queres, não me admira

Sem carinho, amparo ou guia 
Imerso em dor e abatido
Só mágoa o meu peito encerra
Não me queres e, todavia 
Sem que te houvesse esquecido
Perdi os olhos na guerra

Fiquei cego duas vezes 
Cego de amor e, entre escolhos
Da vista com que te vi
E, carpindo os meus revezes 
Senti que, ao perder os olhos
Com eles tudo perdi

Antes Deus me desse a morte 
Que à dolorosa impressão
Dum amor que era mentira
Vê lá tu, que triste sorte 
Não vi meus olhos no chão
Mas, disse-me alguém que os vira

Mas tu não tens piedade
Quando eu solto os meus gemidos
Sobre as escarpas da serra
E recordo com saudade 
Meus pobres olhos caídos
No chão, cheiinhos de terra

Não choram os olhos teus 
Vivem alegres e absortos
Noutro amor – dizem pr’aí
Mais leais foram os meus 
Que, mesmo depois de mortos
‘Inda choravam por ti

Amor e fandango

Letra de Maria Manuel Cid
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Eu vi um lenço enramado
Corando, furtar um beijo
Ao teu colete encarnado
Na Feira do Ribatejo

E vi a saia de chita 
De rosinhas de toucar
Com ciúmes duma fita
 Do teu calção de montar

Vi o tamanco garrido 
Que tu lhe deste de prenda
A beliscar, atrevido 
A tua meia de renda

Vi fandango em toda a feira 
Vi orgulho e aparato
E vi bailar a poeira 
Mais o cordão do sapato

Vi tanta coisa de estalo 
Que ao fim da tarde, acredita
Vi sorrir o teu cavalo 
Prá Ruca do Zé da Guita

Não choreis os mortos

Pedro Homem de Mello / Maria do Rosário Bettencourt
Repertório de João Braga


Não choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridão das sepulturas
Deixai crescer à solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vãos adormecidos

E quando, à tarde, o sol, entre brasidos
Agonizar... guardai longe as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras
Para os que vivem mudos e vencidos

Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos
Da multidão sem fim dos que são vivos
Dos tristes que não podem esquecer

E ao meditar então na paz da morte
Vereis, talvez, como é suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer

Perdoa

Letra de Domingos Gonçalves da Costa
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informação credivel

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Que grande mistério existe
Neste amor, em que pressinto
Toda a cruz do meu viver
Se não te vejo, ando triste
E assim que te vejo, sinto
Desejo de não te ver

E na estranha sedução
Que traz meu coração preso 
À mais cruciante dor
Surge esta contradição
Amo muito o teu desprezo 
E desprezo o teu amor

Hoje, que tudo acabou
Nas condições mais nefastas 
Apenas por teu desejo
Como és livre e eu livre sou
Quanto mais de mim te afastas 
Mais perto de mim te vejo

Não deixes que ande carpindo
Mais esta dor, se quiseres 
Podes-me chamar cobarde
Mas sabes que estou mentindo
Vem hoje já, se puderes 
Que amanhã pode ser tarde

Marcha de Lisboa

Repertório de Lucinda Gouveia
Desconheço se esta letra foi gravada.
Transcrevo-a na esperança de obter informaçâo credivel

Voa, Joaninha, voa, voa
Vem a Lisboa, Junho é tão quente
Que esta gente canta, canta, canta
Se tens garganta, canta co’a gente

Mas se não tens voz faz-te alfacinha
Ó Joaninha, traz o João
E entrem já na marcha que se anima
Poisando em cima do meu balão

Vem daí de braço dado
Diz sorriso à mocidade
Lado a lado está provado
Que vão dar brado
P’las ruas da cidade
Santo António te abençoa
Vai com ela, toca andar
Rompe a marcha e tudo entoa
Parabéns Lisboa, tens um lindo par


Está o povo em festa, é festa, é festa
Gostamos desta e o mais são tretas
Viva a nossa marcha, viva, viva
É voz altiva, dos lisboetas

É o hino ao chão cá da cidade
Chão de Alvalade, chão de Belém
É Lisboa nova e regressa à vida
Lisboa antiga, Lisboa mãe