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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.280' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Perguntei à Mouraria

António Mendes / Joaquim Campos *fado alexandrino*
Repertório de Vítor Miranda


Perguntei à Mouraria, sincero e amistoso
Porque razão vestia de luto rigoroso
Diz ela a soluçar, de olhar turvo e sem brilho
Estou de luto a lembrar a morte do meu filho

Dos bairros mais bairristas, o mais antigo eu sou
Fui mãe de outros fadistas e agora, vivo só
Sou viveiro do Fado e catedral bendita
Quem sabe o meu passado, em mim se ressuscita

O meu filho partiu, foi triste a sua hora
Porque o fado sentiu, isto, que eu sinto agora
Sou mãe da grande lenda, que não fica esquecida
Para quem compreenda a dor na minha vida

O que será do Fado sem essa voz castiça
Que andou por todo o lado, fiel e submissa
Fadista popular, quem sabe, está no céu
Para os anjos a cantar, com a voz que Deus lhe deu

Bem sei

Frederico de Brito / Júlio de Sousa *fado loucura*
Repertório de Mariamélia


É loucura, que eu bem sei
O ter que andar à procura
D’alguém que eu nunca encontrei
Sorte vil, que eu lamento
Até o meu céu d’anil
Se tinge a cada momento

Chorai, chorai
Guitarras da minha terra
Que o vosso pranto encerra
As mágoas do passado
E o mundo a rir
A rir às gargalhadas
Não tem dó das desgraçadas
Que morrem cantando o Fado


No meu rosto, tenho escrito
O mais profundo desgosto
Por este viver maldito
Pobre louca, trago em vão
Um riso a bailar na boca
E o pranto no coração

À procura do fado

Gabino Ferreira / Júlio Proença *fado proença*
Repertório de Gabino Ferreira


Andei vagueando à toa
Por esta velha Lisboa
Loucamente apaixonado
Dias e noites a fio
À chuva, ao calor, ao frio
P’ra ver se encontrava o fado

Ao Bairro da Mouraria
Há muito que já não ia 
Nem por Alfama passava
Então pensei dar um salto
Fui até ao Bairro Alto 
Mas ali também não ‘stva

À Madragoa desci
Ali também não o vi 
Fui então até à Graça
Mas por cruel ironia
Toda a Graça me dizia 
Há muito que aqui não passa

Fui depois a Campolide
Campo de Ourique, Carnide 
Eu sei lá por onde eu andei
Farto de o ter procurado
Já me sentia cansado 
E p’ra descansar parei

E mesta curta paragem
Sem ter do fado uma aragem 
Do fado que é muito meu
E então pensei, descansado
Para que procuro o fado 
Se o próprio fado sou eu

O brilho do teu olhar

António Cálem / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de João Braga

O brilho do teu olhar
Ninguém o pode entender
É como o fundo do mar
Que a água tenta 
esconder

Nunca sei se os teus olhos 
Poisam nos meus a sonhar
Mas sei quais são os escolhos 
O brilho do teu olhar

Mistério em que perdi 
E em que vivo a sofrer
Sonho que nasça de ti 
Ninguém o pode entender

Lanço as velas à ventura 
No mar largo desse olhar
Mas é mais cega a negrura 
É como o fundo do mar

Preso a ti para toda a vida 
Longe de mim a viver
Sou como a ilha perdida 
Que a água tenta esconder

Vida da minha vida

Luis Gouveia / Miguel Ramos
Repertório de Manuel Monteiro


Minha mãe vou escrever-te
E é tal a minha ansiedade 
Que me faz tremer a mão
​Há tanto tempo sem ver-te
Já nem sei como a saudade
Cabe no meu coração

Oh minha mãe
O teu filhinho está bem
Só as saudades que tem
Lhe causam esta aflição
​Mãe adorada
A tua imagem sagrada
Eu trago-a sempre guardada
Dentro do meu coração


Diz-me se aos teus cabelos
Os fios brancos chegaram
Mãezinha da minha vida
E se os teus olhos tão belos
São os mesmos que choraram
Pelos meus à despedida

Estou a escrever-te
Mas nem sei o que dizer-te
Pois em sonhos estou a ver-te
Como santa no altar
Que a luz de Deus
Ilumine os olhos teus
P’ra poderem ver os meus
Quando eu de novo voltar

Praga

Letra de Gabriel de Oliveira
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Do arquivo de Francisco Mendes
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Podes rir, podes zombar
Do desgosto que sofri
Passou, já me conformei
E agora vivo a pensar
Que há-de cair sobre ti
A praga que te roguei

Lembrando os pecados teus
Uma praga, com razão 
Saiu-me p’la boca fora
E, a rezar, pedi a Deus
Para te dar maldição 
E um desgosto de hora a hora

Merecias ser castigada
Mas que a praga te não caia 
Que Deus te não dê castigo
Pois já és tão desgraçada
Que a gente da tua laia 
Foge de falar contigo

Deste-me dias felizes 
Antes de prevaricares
Hoje para mim és morta
Deus queira que não precises
Mas se um dia precisares 
Vem bater à minha porta

São coisas

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Fábia Rebordão


Cara lavada
Pega o volante e sai
Roda na estrada
Mete a mudança e vai
Que a vida é dura
Pesa-lhe o corpo caído
Sem pintura
Chegou-lhe a história ao ouvido

São coisas
Muitas coisas p'ra entender

Foi por impulso
Deu costas a tudo mais
Sem ter recurso
Pediu ajuda aos pais
Cabeça cheia
Caiu-lhe o mundo sem dó
Sente-se feia 
Por ser trocada e estar só

Sem ter suspeita
Levava os dias iguais
Sempre sujeita 
Ao homem a quem quis mais
E, nessa entrega
Tirou de si o sentido
O amor cega
Não cuidou de ter caído

Cara lavada
Desliza a lágrima vã
Conhece a estrada
Só não sabe o amanhã
Já não tem planos
Tudo ficou reduzido
A quatro anos 
D'amor agora traído

Fado Estoril

D.R / Armando Augusto Freire *alexandrino do estoril*
Repertorio de Madalena de Melo
Procura-se informação sobre o autor da letra

Cheio de pasmo e dor, vergado ao desalento
Tu disseste-me adeus, naquele dia triste
E após a despedida, infausta de tormento
Eu chorando fiquei e chorando partiste

O pranto, por amor, desfaz-se entre nós dois
Em gotas de cristal, fazendo-nos sofrer
Fizeram rebrilhar meus olhos, mais que sóis
Quando no tempo, ao fim, nos tornámos a ver

Sendo triste, um adeus, a quem queremos bem
Obriga-me a dizer, após os prantos meus
Que és tu muito feliz, quem diz adeus a alguém
E é triste, quem não tem, a quem dizer adeus

Se choras

António Cálem / Alvaro Duarte Simões *meia noite e uma guitarra*
Repertório de Fernando Gomes


Se chorares de pura mágoa
Junto à linha do horizonte
Chora como as gotas d’água
Que vão caindo da fonte

Com elas dá vida à terra
Dá frescura a toda a gente
Sê como o gesto que encerra
O lançar duma semente

Que a semente há-de dar sombra
No andar de mil estradas
Mas que não saibam que a sombra
Vem de lágrimas choradas

O marinheiro

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada a 09.07.1933 na edição Nº277 do Jornal Guitarra de Portugal
com a indicação de pertencer ao repertório de Júlio Proença
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Dentro dum barco veleiro
Lá vai o bom marinheiro
Sua pátria defender
Caminha altivo p’ra morte
Como um bravo, como um forte
Que não lhe importa morrer

Assim que o mau tempo amaina 
E apita a dar volta à faina
Ninguém se lembra da guerra
O marujo, descuidado 
Revive alegre, o passado
Nas canções da sua terra

Mas no dia da batalha 
Quando começa a metralha
A fazer o seu revés
Logo à ideia lhe vem 
Sua velha e santa mãe
E tomba sobre o convés

Limpa a lágrima que rola 
À manga da camisola
E morre a pensar nos seus
Quem sabe?... nesse momento 
Talvez num pressentimento
Reze a mãe por ele a Deus

Morri por hoje

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Fábia Rebordão


Conversas banais
Curiosos mais que tudo
A quem perguntar
Mostro-lhe o meu ar sisudo

Gente cuja voz
Só fala de nós, fingindo
Sem mais que fazer
Falam sem saber mentindo

Querer saber por ti
Se estamos perto ou estamos longe
Diz-lhes que eu morri por hoje


Não há volta a dar? 
Perguntam com ar que ilude
Esperam que depois
Isto entre nós dois não mude

Gente cuja voz
Só fala de nós, fingindo
Sem mais que fazer
Falam sem saber, mentindo

Você chega a estas horas

Frederico de Brito / Fernando Freitas
Repertório de Eulália Duarte


Você chega a esta hora
Com ar de quem não consente
Que uma palavra lhe dê
Você anda lá por fora
Metido com toda a gente
E eu à espera de você

Você não quer ouvir ralhos 
Se eu falo, põe-se à janela  
Mostro as razões, não as vê
Você só me dá trabalhos 
E os carinhos são p’ra aquela 
Que anda sempre com você

Você é o meu contraste
Não vê que me desconsola 
No que eu lhe digo, não crê
Você não é mais que um traste
E eu não sou mais que uma tola 
Que acreditou em você

Você diz que sai de casa 
Que eu lhe ponho a alma em brasa 
E que anda à minha mercê
Sei que o mal é todo meu 
Mas pode sair, porque eu 
Não vou atrás de você

Você sai porque eu o deixo 
Mas deixá-lo, não me queixo 
Sem ver de quem nem de quê
Ninguém há-de ouvir meu pranto 
Fico p’ra aqui a um canto 
Morro a chorar por você

O velho e o novo

David José / Jaime Santos *fado lala*
Repertorio de Natália dos Anjos


Tenho um velho que me alinda
E um novo que me quer
E dos dois não sei ainda
Qual o meu coração prefere

O primeiro é quem me dá 
Tudo quanto ao outro dou
Nem o velho sabe já
Quanto o novo me levou

Sem despiques nem afrontas
Qualquer dos dois me é querido
E nenhum me pede contas
Dos carinhos que divido

Este amor que mal não tem
A paixão é verdadeira
Do mais novo sou a mãe
Do mais velho a companheira

A mim jurou-me também

*O cigano é só meu*
Lina Maria Alves / Adelino dos Santos
Repertório de Lina Maria Alves​


Dizem práí que ela é dele 
Mentira, deixem falar
Pois eu sei que ele é aquele 
Que não sabe o que é gostar

Se alguém pensa que ele gosta 
Deve de estar iludida
Eu até faço uma aposta 
Apostava a minha vida

Não tenho ciúme delas
O amor dele é só meu
E ele não quer aquelas
Que são piores do que eu
Até lhe chamam cigano
É como lhe chamo eu
E elas vão no engano
Mas o cigano é só meu


Se for preciso jurar 
Jura com fé e ardor
Mas ao fim está a brincar 
Não está a falar de amor

Só eu o conheço bem 
Diz sim por tudo e por nada
A mim jurou-me também 
Mas eu não vivo enganada

99

Letra e música de Fábia Rebordão
Repertório da autora


Depois do escuro, eu sei
Que virá outra luz p'ra iluminar
As linhas que apaguei
Escritas em folhas dúbias sob a luz do luar

A vela que contempla
0 retrato a preto e branco que guardei
Moldura cor cinzenta
Que já foi cor magenta no dia em que a comprei

0 fato no cabide
Desfeito pela traça, degolado ao guardar
0 som que me agride
Das portas do armário que não dão p'ra fechar

Camisa amarrotada
Que nunca foi dobrada, lavada nunca foi
Encontrei já suada
Tão suja e ultrajada, ainda cheirava a dor

Soalho que se move
Que sente passo a passo a minha inquietação
Não choveu, já não chove
Contei noventa e nove e adormeci no chão

Rainha santa

Gabriel de Oliveira / Alberto Ribeiro
Repertório de Alberto Ribeiro
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Desgarradas em Coimbra
São amores que vão distantes
Pois é lá que o fado timbra
Na boca dos estudantes

Quando não se ouvem cantar 
No Mondego, os seus doutores
Dona Inês fica a chorar 
Lá na Fonte dos Amores

Quando a estudantada canta 
Baladas sentimentais
Dizem que a Rainha Santa 
Vem 'scutar, junto aos vitrais

Dos homens que se formaram 
Na velha Universidade
Há saudades que ficaram 
No Penedo da Saudade

Depois da Queima das Fitas  
Coimbra não tem sossego
Choram tricanas bonitas 
Pelas margens do Mondego

Passei por você

Frederico de Brito / Alfredo Duarte Marceneiro
Repertório de Amália 


Passei por você há pouco
Ria como ri um louco
Ria sem saber de quê
Não se ria, não se gabe
Pois você ‘inda não sabe
Se eu gosto ou não de você

Você diz que eu não o quero
Que não tenho amor sincero 
Mas nunca me diz porquê
Eu não sei bem se é amor
Mas vá lá p’ra onde for 
Vejo a sombra de você

Não lhe peço que me queira
Nem que eu queime a alma inteira 
Nada quero que me dê
O que eu sinto é só comigo
Mas deixá-lo, não lho digo 
Nem que eu morra por você

Você pensa e muito bem
Que eu não gosto de ninguém 
E que em mim já ninguém crê
Trago a vida mais sombria
Pois não sei de que servia 
Gostar tanto de você

Por isso é que o fado é triste

Frederico de Brito / João do Carmo Noronha *fado pechincha*
Repertório de Fernanda Maria


Guitarra, para que choras
Se choras sem ter vontade?
‘Inda te gabas que moras
Aonde mora a saudade

Guitarra, tu quando acordas 
Quebras logo o teu encanto
Há risos nas tuas cordas 
Que tu convertes em pranto

Tu mostras um ar sisudo 
Se te apanham de surpresa
Mas logo resolves tudo 
À procura da tristeza

Que de madeira te façam 
Mas não te obriguem a ser
Como as árvores que passam 
A vida inteira a gemer

Já sei que nunca fugiste 
À mágoa que te devora
Por isso é o que o fado é triste 
Por isso é que o fado chora

Suspiro

Letra e música de Pedro da Silva Martins
Repertório de Fábia Rebordão

Hoje saiu-te um suspiro
Perguntei-te se era meu
Foste um tanto ao quanto esquivo
A dizer que era só teu;
Que foi um ar que te deu

Pois se foi esse o motivo
Um só ai sem intenção
Suspiro pelo suspiro
Que será o meu então

Ai é tão bom ouvir um suspiro
Ai, ou quando alguém nos faz suspirar
Ai, qual é o mal que tem um suspiro
Ó, quando ele é só o peito a cantar


Por vezes também suspiro
Mas não guardo para mim
Suspiro pela saudade
Das coisas boas que eu vivi;
E às vezes também por ti

Eu suspiro e não finjo
Tenho gosto em suspirar
Suspiro pelo suspiro
Que contigo eu quero dar

O louco

Frederico de Brito / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Maria Alice


Lá vai o pobre tolinho
A cantar pelo caminho
D’olhos pregados no chão
Como quem reza e procura
Nas sombras da noite escura
Uma perdida ilusão

Não é loucura somente 
Aquilo que o louco sente
É a paixão que o devora
Da noite faz o seu dia 
No pranto tem alegria
Por isso é que canta e chora

Foi por mim que enlouqueceu
Foi por mim… que mal fiz eu 
Em lhe negar o amor
Que o pobre louco procura
Nas sombras da noite escura 
Na sua tão negra dor

Mente-me

Letra de António Amargo
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Mente-me só esta vez
Na tua sinceridade
Porque esta vez é talvez
A vez que falas verdade


Tu, que amor jamais fingiste 
Nessa tua insensatez
Se a ninguém nunca mentiste 
Mente-me só esta vez

Mente e não tenhas receio 
De mentir com crueldade
Pois francamente não creio 
Na tua sinceridade

Sinceridade encoberta 
Em que tu próprio não crês
Porque esta vez não é certa 
Porque esta vez é talvez

É talvez a vez primeira 
Que mentes por caridade
É na tua vida inteira 
A vez que falas verdade

Retorno

Letra e música de Fábia Rebordão
Repertório da autora


Gente rude e tão cruel 
Não pensam que o mal 
Que fazem, pode ferir de morte
Passam tempo a difamar 
Não têm que fazer
Que Deus lhes guarde a melhor sorte

Fazem rezas baixinho às ombreiras das portas
Evocando em silêncio, as almas que mortas
Atrasam-me a vida e fecham-me as portas


0 que é vosso está guardado 
Eu sei do seu passado
Que muito vos perturba a vida
E o isco do seu mal 
Retorna por sinal
À própria língua então mordida

Olhos gordos pendurados 
Despontam maus olhados
Roda o pescoço, quebra a vida
Incorporam entidades 
Sem ter capacidades
A cruz na testa invertida

Gente que é capaz de tudo 
Cutuca até um mudo
E faz vodoos com o diabo
Fazem bonecos de pano 
E furam sem engano
0 coração de um alvejado

Zanga

Frederico de Brito / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de Fernanda Maria


Se esta vida continua
Por mais uns dias escassos
As pedras da minha rua
Já te conhecem os passos

E quando passas, vê lá 
Há tantas pedras no chão
Escusas de vir p’ra cá 
Com sete pedras na mão

Se duma zanga qualquer 
O nosso amor acabar
Hei-de ter, se Deus quiser 
Muitas pedras p’ra atirar

Mas, também, se eu não for tua 
Sempre tua, até ao fim
Que as pedras da minha rua 
Se levantem contra mim

Nasci para ser fadista

Letra de Gabriel de Oliveira
Transcrita no livro de A.Victor Machado, “Ídolos do Fado” 1937 , com a indicação 
de pertencer ao repertório de José Porfírio e ser cantada na música do 
Fado Natália de José Marques
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Nasci ao meigo trinar
Do velho Fado Corrido
Comecei logo a chorar
Mas ninguém nasce a cantar
E eu chorei por ter nascido

Nasci para ser fadista 
Para cantar e sofrer
Esse Fado moralista 
Que fez de mim um artista 
E me embalou ao nascer

Nasci num bairro afamado 
P’la fadistagem antiga
Vivo p’ra cantar o Fado
Que me traz acorrentado 
Ao sabor duma cantiga

Nasci e sinto vaidade 
Pelo bairro onde nasci
Foi lá que, na mocidade 
Cantei o Fado à vontade 
E foi lá que o aprendi

Nasci no bairro da Graça 
Pela bondade elevado
Sou filho daquela raça 
Que, p’ra valer à desgraça 
Só de graça canta o Fado

Não passes à Madragoa

Frederico de Brito / Armando Augusto Freire
Repertório de Raul Pereira


Cautela, nunca passes pela Esperança
Pela Esperança das varinas
Das varinas faladoras
Pois ficas com os olhos na lembrança
Na lembrança da saudade
Da saudade que devoras;
Há nelas, uma certa confiança
Confiança que se perde
Que se perde em poucas horas

Não queiras vir de noite à Madragoa
Nem passes descuidado pelas Trinas
Cautela, que anda o vira p’las esquinas
Pés trigueiros, enfiados
Em chinelas pequeninas;
E à noite, pelas ruas e travessas
Há desejos e promessas
A bailar com as varinas


São delas os motivos mais risonhos
Mais risonhos para os meus olhos
Para os meus olhos que as namoram
Namoram esses lábios de medronhos
De medronhos p’ra desejos
P’ra desejos que as devoram;
E algumas são a origem dos meus sonhos
Dos meus sonhos cor da esperança
Cor da Esperança onde elas moram

Último pedido

Frederico de Brito / Raúl Pinto
Repertório de Berta Cardoso


Volta que eu abro-te a porta
Ao menos p’ra convencer-me
Que nunca vivi sem ti
Volta, que eu já não me importa
Agora quero esquecer-me
Do tempo que t’esqueci

Volta que eu já perdoei
Vem à hora que quiseres 
Escusas de fazer alarde
Tu hás-de voltar, bem sei
Volta hoje, se puderes 
Que amanhã pode ser tarde

Dize que vens e que é certo
Jura p’la amizade nossa 
Que ainda não a perdi
A morte já anda perto
Ao menos deixa que eu possa 
Morrer, abraçada a ti

Falem agora

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Fábia Rebordão

Não ouço essas conversas
Isso é banal
Por serem tão perversas
Fazem-me mal

Falem agora
Eu estou por fora e até já
Não se incomodem, deixem lá
Que eu já estou fora


Conversas de café 
Não quero ter
Falar de outros, não é 
Só mal dizer

Quem diz que viu, quem mente 
Essas coisinhas
Nas costas de outra gente
Eu vejo nas minhas

Um caso mal contado
E outros que tais
Desligo, passo ao lado 
Leio os jornais

Lição de amor

Frederico de Brito / Franklim Godinho
Repertorio de Anita Guerreiro


Perguntei o que é amor
Ao meu velho professor
Por causa do verbo amar
Naquele tempo em que a gente
Pergunta inocentemente
Às vezes por perguntar

Aquele velhinho ouviu
Olhou para mim, sorriu 
E respondeu-me depois
Amor… conheci só um
Substantivo comum 
Às vezes comum de dois

Mostrando um desgosto acerbo
Disse que amor, como verbo 
Não é sempre regular
É triste dizer: amei
É mau dizer: amarei 
E não se diz: hei-de amar

O verbo não é p’ra todos
Igual nos tempos, nos modos 
Às vezes por tal defeito
Põe-se uma oração de lado
Porque não tem predicado 
Nem se conhece o sujeito

Hoje é que eu sei dar valor
Ao verbo que o professor 
Tão bem me tinha ensinado
Pois se há quem tal verbo adore
Também há muito quem chore 
Por já o ter conjugado

A minha oração

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Antes que queira não posso
Deixar o fado é morrer
É ele o meu Padre Nosso
Que vou rezando a sofrer


Há p’ra aí quem faça alarde 
De que a saúde destroço
P’ra mudar de vida é tarde
Antes que queira não posso

Julgam que vivo cansado
Duma vida de prazer
Não posso é deixar o fado 
Deixar o fado é morrer

Pois a canção que mais prezo 
Traz-me em constante alvoroço
E entre as orações que eu rezo 
É ele o meu Padre Nosso

O fado, é só p’ra mim 
Simples razão do meu ser
Ou um rosário sem fim 
Que vou rezando a sofrer

Paraíso

David Morão Ferreira / José Mário Branco
Repertório de Camané


Deixa ficar comigo a madrugada
Para que a luz do sol me não constranja
Numa taça de sombra estilhaçada
Deita sumo de lua e de laranja;
Deixa ficar comigo a madrugada
Para que a luz do sol me não constranja

Arranja uma pianola, um disco, um posto
Onde eu oiça o estertor de uma gaivota
Crepite em derredor o mar de agosto
E o outro cheiro, o teu, à minha volta;
Crepite em derredor o mar de agosto
E o outro cheiro, o teu, à minha volta

Depois podes partir, só te aconselho
Que acendas, para tudo ser perfeito
À cabeceira a luz do teu joelho
Entre os lençóis o lume do teu peito;
À cabeceira a luz do teu joelho
Entre os lençóis o lume do teu peito

Podes partir, de nada mais preciso
Para a minha ilusão do paraíso

Lenda

Letra de Gabriel de Oliveira
Publicada a 31.03.1934 na edição Nº289 do Jornal Guitarra de Portugal
com a indicação de pertencer ao repertório de Filipe Pinto
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Por destino fatalista
Segundo uma lenda antiga
Dizem que na Mouraria
Houve em tempos um fadista
Que sabia uma cantiga
Mas se a cantasse morria

Nesse tempo a fadistagem 
Era gente destemida
Mas religiosa e crente
Havia camaradagem 
Capaz de arriscar a vida
Por amizade, somente

Sobre a cantiga da lenda 
E o seu lado moralista
Pouco posso adiantar
Findava nesta legenda 
Quem tem alma de fadista
Deve morrer a cantar

Esse fadista de lei
De “antes quebrar que torcer” 
Divisa de antigamente
Quis, para honra da grei
Cantar o Fado e morrer 
Como um fadista valente

Sonhos meus

Frederico de Brito / Frederico de Brito *fado dos sonhos*
Repertório de Maria do Rosário Bettencourt

Sonhos que eu tive, queimei-os
Uns tristes, outros risonhos
Mais raiva do que prazer
Se a vida é um mar de enleios
Quem não quer viver de sonhos
Não se deixe adormecer

Sonhos de esperança, perdi-os
Fartei-me de procurá-los
Com todo o maior empenho
Passam os dias sombrios
E o desejar encontrá-los
É outro sonho que eu tenho

Sonhos d’amor, outros sonhos
Vem a tristeza, a saudade
E há uma jura quebrada
Voltam os dias risonhos
Nos sonhos não há verdade
É tudo um sonho e mais nada

Génese da libertação

Letra e música de Dino Santiago
Repertório de Fábia Rebordão


Escutai a voz desta serva
Ó meu Deus, atende a este lamento
Lentamente, coração bate fora do tempo

Tempo lento que limita o meu tempo
Do tempo que vens e me pedes um tempo
Luto em luto por um homem que é puto
E astuto, no fundo não passo de um tempo

Livre, sai e vai
Leva este lamento
Cai e vai, escorrega na língua que trai
Por isso sai e vai
Abre a porta e liberta este amor
Que hoje morre p'ra viveres


Levanta que o tempo é curto
P'ra tentar, só tentar, não adianta
Evolução, missão, escolhe o tema e avança

Avança na dança da mudança que é mansa
E não cansa da pança que cresce e não vês
Que ela não deixa e só se queixa pela deixa
Da gueixa que beijas e deixas após

E por isso sais e vais
Levas este lamento
Cais e vais, escorregas na língua que trais
Por isso sais e vais
Abre a porta e liberta esse amor
E hoje morre sem viver


Sais e vais, sais e vais
Cais e vais, sais e vais
Sais e vais, sais e vais
Sais e vais

O cauteleiro

Frederico de Brito / Júlio de Sousa *fado loucura*
Repertório de Manuel Fernandes


Sem ter norte, nem ter lar
Dizem p’ra aí que dá sorte
O que é p’ra mim tanto azar
É loucura que eu desdenho
O ter que andar à procura
Da pouca sorte que eu tenho

E sem carinho
Pelas ruas e vielas
Apregoando as cautelas
Vou seguindo o meu caminho
E quem me ouve 
Cantarolar esta moda:
É o mil duzentos e quarenta e nove
Que amanhã é que anda a roda

Sente a vibrar como um fado
O pregão do desgraçado

Se um malvado ri de mim
Não vê que eu, sendo aleijado
Minh’alma não é assim
Quem na sorte ri dos mais
Não se lembra que na morte
Todos nós somos iguais

Esta estrofe não foi gravada
Deus aos pobres sempre ajuda
Valem mais p’ra mim uns cobres
Que p’ra muitos a taluda
A pobreza não me importa
Trago nas mãos a riqueza
Que foge da minha porta

Os teus cabelos sereia

Fernando Teles / António Pedro Machado *fado machadinho?*
Dueto de Maria Alice com António Machado *Machadinho*

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Os teus cabelos, sereia
Que são da cor do carvão
Tece-os, faz uma cadeia
Que prenda meu coração

P’ra prender meu coração 
Não chegam teus madrigais
O galanteio é traição 
Desejos provas reais

A dar-te a prova real 
Meu amor, estou sujeito
Agarra neste punhal 
E vem cravá-lo em meu peito

De teu peito apunhalar 
Nunca senti tais desejos
Prefiro antes devorar 
A tua boca com beijos

Qualquer dia

Jorge Fernando / Rui Veloso
Repertório de Fábia Rebordão


Qualquer dia vou mudar-me
Qualquer dia, não ouvir a minha alma
Ensurdecer aos apelos mais sensíveis
E assim o coração endurecer

Qualquer dia fecho a mão
Que teimosa fica aberta ao que vier
Na vida a história é muito mais em prosa
Que poemas que mais ninguém quer escrever

Se isso me faz sentir tão vazia
Na inocência em que nasci e em mim ficou
Qualquer dia, vou mudar-me qualquer dia
Mas não hoje, que ainda teimo em ser quem sou

A pedra da calçada

Letra de Frederico de Brito
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra publicada no livro de Fernando Cardoso *Poetas Populares* 
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Arrancada, desprezada
Uma pedra da calçada
Posta ao canto duma rua
Lembrou o mundo ruim
E pôs-se a contar assim
Os transes da vida sua

Eu sou de serras distantes
Onde as fontes, sussurrantes 
P’la noite velha adormecem
E vim p’ra cidade enorme
Onde nem a noite dorme 
E os homens não se conhecem

Sobre mim, passaram nobres
Sobre mim, dormiram pobres 
Vi risos maus; dores sublimes
Salpicaram-me, no entanto
Com tristes gotas de pranto 
E negro sangue de crimes

Eu vi riquezas mentidas
E vi misérias escondidas 
Vi honra e devassidão
Guardei-me dos homens falsos
Debaixo dos pés descalços 
Dos pobrezinhos sem pão

E aquela pedra sombria
Muito negra, muito fria 
Com um desgosto profundo
Deixou-se ficar ali
Não por vergonha de si 
Mas por vergonha do mundo

Ele zangou-se comigo

Frederico de Brito / Francisco Viana fado vianinha*
Repertório de Fernanda Maria

Ele zangou-se comigo
Disse-me o que é já costume
Calei-me e nada lhe digo
Pois sei que é tudo ciúme

Saiu e fez uma jura 
Dizendo que era de vez
Eu é que sei quanto dura 
A jura que ele me fez

Teimava com tal afinco 
A decisão foi tão grave
Que a porta ficou no trinco 
E até me levou a chave

Eu fiquei d’olhos enxutos 
Olho o relógio hora a hora
Quero contar os minutos 
Do tempo que se demora

Ele é como a abelha brava 
Vem ao cortiço em segredo
Jurou-me que não voltava 
Esta noite vem mais cedo

Má onda

Letra e música de Pedro da Silva Martins
Repertório de Fábia Rebordão

Um sorriso é mais forte 
Que uma careta feia
Só por me dar ideia 
Eu não te gabo a sorte

A palavra é mais clara 
Que um olhar de soslaio
Eu não sei porque raio 
Tu me viraste a cara

Não entendo porque não tentas
Mandar isso p’ra lá
Essa má onda rabugenta
Eh pá... comigo não dá, não dá
Comigo isso não pega
Comigo isso não dá
Se o meu amor não chega 
A outro chegará
Dá-me um abraço, já

Teimosia dá mais pena 
Que a minha solidão
Ai, fica a ovação, pois 
Eu já topei a cena

Essa birra já vem torta 
E eu sei que um dia passa
Não sei por que desgraça 
Engraças com a minha porta

É má onda, mas enfim 
Só se estragou uma casa
Por mim é tábua rasa 
Que eu até gosto assim

Por esmola ou por favor

Gabriel de Oliveira / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Natália dos Anjos
Do arquivo de Luís Morais
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Por esmola ou por favor
Não mates esta ilusão
Que nos meus olhos bem lês
Quando eu te falar de amor
Nunca me digas que não
Diz-me sempre que talvez

Há quem tenha a crueldade
De ser franco, embora fira 
As fibras do sentimento
Eu tenho horror à verdade
Em amor quero a mentira 
Que me fale ao desalento

Tem pena, tem dó de mim
Pois meu amor não se cansa 
De em seu destino ser crente
Se te custa dizer sim
Diz-me talvez, dá-me esperança 
Qu’eu já me sinto contente

Para que eu não sinta a vida
Tão rudemente esmagando 
O meu pobre coração
Deixa que eu vida iludida
E vai-me sempre enganando 
Mas nunca digas que não

Velha Mouraria

Frederico de Brito / Casimiro Ramos *fado helena*
Repertório de Júlio Peres

Minha velha Mouraria
Mudaste, não sei porquê
Há muito que te não via
Minha velha Mouraria
Quem te viu e quem te vê

Já não oiço o mesmo fado 
Que eu ouvi com devoção
Como tudo está mudado
Já não oiço o mesmo fado 
Das tascas do Capelão

Uma Severa que outrora 
Pôs muitas almas em brasa
Sei bem que ainda cá mora
Essa não se foi embora 
Apenas mudou de casa

Passei há pouco no Outeiro 
E vi-lhe um vaso à janela
Pois tinha o mesmo craveiro
E os cravos tinham o cheiro 
E o rubor dos lábios dela

Minha velha Mouraria 
Que má sorte Deus te deu
Ser a saudade sombria
E a lembrança fugidia 
Dum passado que morreu

Fadiga

Letra de António Cálem
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Porque me tardas na vida
Se a vida já tarda em mim?
Porque esperas, se a partida
Já se avizinha do fim?

Esperar horas inteiras
A chegada desse alguém
É como passar barreiras
Para a terra de ninguém

Assim o ter-te encontrado
Só me diz que já é tarde
É como a flor deste cardo
Que renasce quando arde

Canção do amor para sempre

Letra e música de Tozé Brito
Repertório de Fábia Rebordão

Atravessei oceanos
Tantos anos, tanto mar
E aportei nos teus olhos
E aportei nos teus olhos 
Cansada de navegar
Cansada de navegar 
Vi nos teus olhos a luz
Do farol que procurava
Do farol que procurava 
Para aportar minha cruz

Amor, amor, amor, amor
Es o meu porto de abrigo
Já não quero navegar
Só quero ficar contigo


Atravessei tempestades 
Dum lado ao outro do mundo
E aportei nos teus braços
E aportei nos teus braços 
O teu abraço sem fundo
No teu abraço sem fundo 
Encontrei a minha paz
Nunca aportei para sempre
Nunca aportei para sempre
Mas por ti eu sou capaz

O meu marialva

Frederico de Brito / José Marques *fado triplicado*
Repertório de Fernanda Maria


Eu, mais o meu “marialva”
Fomos à Feira d’Agualva
Num trem aberto e enfeitado
Com dois cavalos de raça
Que a passo tinham tal graça
Que até batiam o Fado

Deu-se uma volta na feira
Andámos de brincadeira 
A experimentar um garrano
Que povo que se juntou!
E ao resto, pouco faltou 
P’ra enganar um cigano

Na barraca do Vilar 
Onde fomos abancar
Já se cantava o fadinho
Estava lá o Cadeireiro 
O Ginguinha, o Cutileiro 
O Rosa e o Patusquinho

Depois do fado corrido
Foi o fandango batido 
Que parecia não ter fim
Que tarde tão bem vivida
Nunca vi na minha vida 
Bailar o fandango assim

E já de volta da feira
Bailava numa ladeira 
Um trem que vinha enfeitado
Um garrafão de “murraça”
E dois cavalos de raça 
Que até batiam o Fado

Nosso fado

Letra de Gabriel de Oliveira
Transcrita em 1937 no livro "Ídolos do Fado", com a indicação de pertencer 
ao repertório de Rosa Maria e ser cantada na música do popular Fado Mouraria
Desconheço se esta letra foi gravada
Publico-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Quanto é lindo o nosso Fado
Na boca das cantadeiras
A recordar o passado
Das fadistas verdadeiras


A mulher de antigamente 
Que na boémia deu brado
Soube mostrar certamente 
Quanto é lindo o nosso Fado

Nos descantes a atirar 
Perdendo noites inteiras
Via-se o Fado a bailar 
Na boca das cantadeiras

As desgarradas antigas 
Já foram postas de lado
Hoje só temos cantigas 
A recordar o passado

Sem que andasse na boémia 
Pelas tascas desordeiras
Fez-me o Destino irmã gémea 
Das fadistas verdadeiras

Atrás de ti

Frederico de Brito / Alfredo Duarte *fado louco*
Repertório de Maria Amorim


Prendi-me no teu olhar
Mas não vi que me prendi
Agora tenho que andar
De rastos, atrás de ti

O meu coração, coitado 
Só merece compaixão
Faz lembrar um desgraçado 
Que se entregou à prisão

Meus olhos que sem cautela 
Riram pr’aí, tanto, tanto
São duas barcas à vela 
Neste mar-largo de pranto

Meus olhos atravessaram 
Um vendaval de desejos
E até por isso ficaram 
Encharcadinhos de beijos

Tem pena de mim, por Deus 
Olha para o que eu já sofri
Não leves os olhos meus 
De rastos, atrás de ti

Não sei dizer

Jorge Fernando / Fábia Rebordão
Repertório de Fábia Rebordão


Sempre atenta, não tento dizer que sei
Que não sei dizer o que tento
Portanto não sei dizer
Vira a folha, molha o dedo
Que o medo não tem juízo, acalma
Que o prejuízo não deve só p'ra ti ser


Se resulta que eu pense
Não pensar sempre
Desmente se escondo a mente
É um jogo que jogo e assim
Vira a folha, molha o dedo
Que o dedo se apontar fere
Não sei a que se refere 
Esse medo que tens de mim

Que silêncios traz a tua voz?
Que tormento bate assim?
Que noção tens que ao sentires-te a sós
Seja saudades de mim?

De que emerge esta dorida dor
Que de ausências conheci?
Quer intensa, leve, ou o que for
Seja saudades de mim

Santa Luzia

Letra de Gabriel de Oliveira
Do arquivo de Francisco Mendes com a indicação de ter sido escrita 
para o repertório de Alberto Costa
Desconheço se esta letra foi gravada.
Publico-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Oh! minha Santa Luzia
Dessa tua linda igreja
Debruçada sobre Alfama
Ouve a estranha melodia
Do Fado que rumoreja
Pelas ruas de má fama


No teu altar ardem velas 
Há crentes que estão rezando
Vai morrendo a luz do dia
E, nas bulhentas vielas 
Andam fadistas cantando
Oh! minha Santa Luzia

Da natureza o pincel 
Vibrantemente lateja
Nas tintas do panorama
Emoldurando o painel
Dessa tua linda igreja 
Debruçada sobre Alfama

Provocando o rouxinol
Vagueia o Fado ao relento 
Numa boémia vadia
Entra nas Portas do Sol,
E a Santa, em recolhimento
Ouve a estranha melodia

Cantigas, Avé-Marias 
Do bom povo que moureja
Sem nunca se erguer da lama
São foros de fidalguia
Do Fado que rumoreja 
Pelas ruas de má fama

Deixa-me o vinho

João Fezas Vital / Tó Moliças e Carlos Macedo
Repertório de Carlos Macedo

Olha
Estou aqui sozinho
Só tenho comigo o vinho
Que me engana a solidão
Que bebo para te ver
Sem cansaço, mulher
De mentir e ter razão

Ai
A mentira que sou
Quando sofro e me dou
Como só quem sabe rir
Chorar a rir é igual
A quem não mata por mal
E chora p´ra não mentir

Por isso
Deixa-me estar
Meu, amor, a inventar
Que nunca estive sozinho
Amanhã, se me sorriste
Prometo que acordo triste
Agora, deixa-me o vinho

Descrença

Carlos Conde / Lino Teixeira
Repertório de Lino Teixeira


Ó Deus por quem rezei 
As santas orações
Que a mãe que me levaste 
Ás vezes me ensinava
Que mal te fiz, ó Deus? 
Que dás tantos perdões
E não soubeste ouvir 
As preces que eu rezava

Um corpo sem ter alma
É nau sem timoneiro
É dia sem ter sol
É noite sem luar
É sorriso a fingir
É loucura a cantar
É nada ter no mundo 
É ter o mundo inteiro

É triste a minha sina 
E franca a rebeldia
Que tu me déste, ó Deus
Roubando o meu encanto
Que às vezes quero rir 
Mas não tenho alegria
E quedo-me a chorar
Mas já não tenho pranto

Meu Porto

Neca Rafael / Júlio Proença *fado modesto*
Repertório de Adelina Silva


Nem só Lisboa 
Nos fala do seu passado
A Madragoa 
É raínha-mãe do fado
O Porto é 
A mais nobre das cidades
A velha Sé 
É catedral de saudades

E Deus nos deu 
Esta graça divinal
Ser no Porto onde nasceu
O nome de Portugal
Dá-nos conforto 
Ser aqui a sua origem
E ser também, este Porto
Nobre cidade da Virgem

Então não foi 
Deste Porto que partiu
Tanto herói 
Que o mundo igual jamais viu
As caravelas
Sim, largavam da Ribeira
Levando nelas 
Gente altruísta e tripeira

Transpondo a barra 
P’rá imensidade do mar
Ia sempre uma guitarra
E um marinhero a cantar
Tão pequenino 
É o meu Porto imortal
Mas é ele o Deus-menino
Das terras de Portugal

Noite de Natal

Francisco Santos / Frutuoso França
Repertório de Frutuoso França


Na noite de natal, alegre, abençoada
À Luz duma candeia, em tosco pardieiro
Na franca comunhão da sua consoada
Estava a companheira e a filha do mineiro

O mineiro sorria, afagando o corpinho
Da sua linda filha, o seu maior tesoiro
E ela disse, a pular; eu queria, meu paizinho
Em vez duma boneca, uns lindos brincos d’oiro

Com brinquinhos, decerto, eu tinha outra figura
E já podia andar a par d'outras pequenas
Na mina onde trabalhas, o oiro é com fartura
Não deve fazer falta um bocadinho apenas

O mineiro tremeu, beijando a pequenina
E disse: meu amor, vais prestar atenção
O oiro, esse metal que vou tirar na mina
Pertence a outra gente: e o pai não é ladrão

E a filha ao ver que o pai chorava sobre si
Exclamou a sorrir; vamos, tenha juízo
Chorar não vale a pena, eu já compreendi
Que o oiro não faz falta, o pão é que é preciso

Jangadeiro vagabundo

João Dias / Raúl Silva
Repertório de Rodrigo


Jangadeiro vagabundo
Nas cinco chagas do mundo
Naufraguei em sete mágoas
Nos quatro braços do vento
Ouvi a ira do tempo
Em marés de negras águas

Afaguei mãos e miséria 
Mãos que a dita gente séria
Nem sequer de longe entende
Andei por noites de lama 
E em lugares de má fama
Aonde a fome se vende

Ao leme da nau perdida
Fui ao cais fundo da vida 
Em busca não sei de quê
E nos becos da vergonha 
Quem ouve, nem sequer sonha 
Aquilo que lá se vê

Em mesas toscas e frias
Fomes de todos os dias 
E tristezas sem idade
Entre palacetes nobres
Mora a desgraça dos pobres 
À espera da liberdade

Eu quero

Carlos Conde / Alfredo Mendes *fado latino*
Repertório de Maria Amélia Proença


Eu quero ir esta noite prá rambóia
Cantar, bater o fado, andar nas hortas
Fazer uma corrida de tipóiia
E quedar-me a cear fora de portas

Eu quero ir esta noite para a astúrdia
Viver uma noitada em doce afã
Com cenas de ciúme e de balbúrdia
Até às quatro ou cinco da manhã

Eu quero ir esta noite prás adegas
Cantar, sentir o fado em desvario
Onde é que estão p'raí os meus colegas
Que queiram vir cantar ao desafio

Eu quero, pr’abancar, mesas de pinho
Loiça de tosco barro, canjirões
Canecas transbordantes de bom vinho
E motes coroados de ovações

Quero encher o retiro desse fado
Que um dia me inspirou e que eu senti
Viver toda a boémia do passado
Passado que ‘inda sinto e nunca vi

A saudade acompanhou-me

João Viana / Agostinho Dias *fado bertinha*
Repertório de Vitor Moreira


Por me ver triste, sózinho
A saudade me falou
Deu-me o braço de mansinho
Nunca mais me abandonou


Ela sabendo a valia 
Do meu desgosto daninho
Quis fazer-me companhia 
Por me ver triste, sózinho

Julgou por bem, dar-me alento 
Ainda mais me torturou
Do meu enorme tormento 
A saudade me falou

Ralhei com ela e então 
Ainda com mais carinho
Ao vir pedir-me perdão 
Deu-me o braço de mansinho

Supliquei que fosse embora 
Mas teimosa, ele ficou
Desde então, p’la vida fora 
Nunca mais me abandonou

Deus sabe que serás

Artur Ribeiro / Fernando Freitas
Repertório de Carlos Barra


Deus sabe que serás a minha vida inteira
O mote do meu fado, a luz do meu viver
Deus sabe que serás a meta derradeira
Meu último pecado, o meu alvorecer

Deus sabe que serás o meu lugar de sorte
O sol do meu inverno, o meu chorar, talvez
O fim do *tanto faz*, o meu achar do norte
O meu nascer eterno nos beijos que me dês

Deus sabe que serás, no meu fechar de contas
A cifra positiva na casa de perder
Deus sabe que serás, depois das malas prontas
O meu voltar à vida sem tempo p’ra viver

Um grande amor

Jorge Fernando / Custódio Castelo
Repertório de Fernando Maurício


Amor não é palavra que se diga
Sem o sentir profundo da verdade
Amor é quanto baste, minha amiga
P’ra ‘star longe um segundo e ter saudade

Amor não é somente possuir-te
Em nome dum desejo disfarçado
Amor é num só beijo, definir-te
O que o coração diz, mesmo calado

Amor pode ser dor, pode ser pranto
E pode do prazer ser rei e senhor
Pode passar a margen do encanto
Como pode nem mesmo ser amor

E quem o amor perder, deve lembrar
No momento em que doa a maior dor
Pois só com outro amor pode acalmar
O resto do que foi um grande amor

Rumo vazio

Domingos Silva / Francisco Carvalhinho
Repertório de Adelaide Rodrigues


Caminhei, caminhei 
Sem direção, sem rumo
Na esperança de encontrar
Nem eu sei bem, o quê
E perdi-me do mundo 
Como sucede ao fumo
Que se perde no ar 
E ninguém mais o vê

Andei, andei, andei 
Em busca d’ilusão
Nem sequer encontrei 
Uma palavra vã
Que aliviasse a dor 
Deste meu coração
E me desse a esperança 
Do dia de amanhã

Cansei, cansei, cansei 
De tanto caminhar
Nem um raio de luz 
Diante em mim, se abriu
E cansada parei 
Sem brilho no olahr
O meu olhar distante 
Tão cheio de vazio

Trago-te apenas saudade

Fernando Peres / Jaime Santos
Repertório de Carlos Barra


Trago-te apenas saudade
Um pouco mais de ansiedade
E nem sequer uma flor
Numa esperança apetecida
Nasce depressa outra vida
Vida dum beijo d’amor

E quero o mal de te querer
O mal de nunca saber 
Tudo o que a vida nos traz
Sombra é corpo de ninguém
Remorso que não se tem 
Vida que não volta atrás

Trago o que resta de mim
Outro princípio do fim 
Tudo aquilo que não sei
Esperança dum resto de nada
Promessa de madrugada 
Da vida que não te dei

Volta dos bairros

Letra e música de Frederico de Brito
Repertório de Raúl Pereira


Entrei na velha Alfama à hora em que o sol dorme
E o pálido luar põe corações em chama
E então, não sei porquê, tive uma pena enorme
De não ser marinheiro e não morar na Alfama

Passei pelo Castelo e vi-lhe a sombra austéra
Desci à Mouraria, o bairro sonhador
Julguei-me rufião do quadro da Severa
Tal como descreveu um genial pintor

E fui à Madragoa alegre e galhofeira
Lisboa que desperta ante do sol raiar
Pensei em agarrar nos remos da bateira
Trazer a rede ao ombro e vir p’rá beira mar

Subi ao Bairro Alto, o da Lisboa artista
Brigão e trovador, feliz e malfadado
E foi então ali que me senti fadista
E nunca mais deixei de pertencer ao fado

Um fado que saiba a povo

João Dias / Zeferino Ferreira
Repertório de Selma Fernandes


Haja fado e quem o cante
Ao ritmo do coração
Cantar é tão importante
Como a fartura de pão

Se o fado é voz dum povo 
Que à vida pede mais vida
Haja fado, fado novo 
Nesta terra renascida

E quem cantou a tristeza 
Das noites amordaçadas
Seja arado da beleza 
Destas novas madrugadas

Cantemos como crianças 
A brincar num campo novo
Com gargalhadas de esp’rança 
E um fado que saiba a povo

Lembranças falam de ti

Clemente Pereira / António Chaínho *alexandrino
Repertório de Manuel de Almeida


Aquele nosso quarto onde fomos amantes
E a palavra paixão na tua boca ouvi
É hje a catedral de lembranças constantes
Em profundo silêncio, a falarem de ti

O relógio parado a marcar a marcar um desdém
Aquela hora hora exacta em que te foste embora
Duas cartas d’amor a recordar também
Que a mentita vivia à espera dessa hora

Não julgues ter perdão a tua falsidade
Porque se eu te segui na estrada que caminhas
Será p’ra te falar apenas de saudade
Quando um dia também tiveres saudades minhas

Inverno a chorar

Letra e música de Jorge Atayde
Repertório de Rodrigo


Vi o inverno a chegar
Senti-me só e chorei
Fiquei então a pensar
Porque caminhos andei

Percorreu meu pensamento 
O tempo breve da esp'rança
Mas foi veloz como o vento 
Essa era da criança

Os sonhos que nessa idade 
Eram azuis, cor do céu
Fazem-me sentir saudade 
Dum mundo que já morreu

Quando o corpo se cansou 
Fui a vida conhecendo
E o que a verdade lembrou 
Foram os anos 'squecendo

Olho agora para mim 
Vejo o inverno a chorar
Quando tudo chega ao fim
Fica a chover meu olhar

História da Lady Godiva

Joaquim Silva/ Frutuoso França *alexandrino da lady*
Repertório de Frutuoso França

Certo governador duma antiga cidade
P’ra querer impor mais brio às suas recepções
Mandou lançar ao povo, eivado de vaidade
Pesados contributos, altas contribuições

O povo não podendo com tão grande tributo
Protestava revolto, em grande agitação
Mas o garnde senhor, mantinha, resoluto
Com ironia taroz, tão cruel decisão

Então a esposa, audaz, daqu’ele governador
Dirigiu-se ao marido olhando bem seu rosto
Falou-lhe humildemente, implorando; senhor
O povo libertai, de tão pesado imposto

Então, a régia voz prometeu libertá-lo
Se a sua esposa fosse em completa nudez
Beijada pelo sol, montada num cavalo
De dia percorrer o burgo, lés a lés

E ela sem se deter, num cavalo partiu
Expondo o corpo nú, percorreu a cidade
Mas do burgo infeliz, porta alguma se abriu
Porque o povo não quis vexar tal divindade

Tão heróica mulher sofrendo intimamente
Mostarndo essa nudez, ao seu solar voltou
O esposo ao vè-la assim, beijou-a loucamente
E do cruel imposto, o povo libertou

Somos para além de nós

Mário Raínho / José Manuel Castro
Repertório de José Manuel Castro

Somos para além de nós esta aventura
Este caminho errante em mar violento
Este céu, este azul, esta coragem
Este cais que nos tarda há tanto tempo

Somos para além de nós esta aventura
O sonho desenhado p’ra nós dois
Doidice que não chega a ser loucura
O tempo que há-de vir a ser depois

Somos para além de nós a teimosia
Com um grito de sol na nossa voz
O que importa, é que o amnhã seja dif’rente
Se o amor há-de ficar para além de nós

Nome que ninguém me chama

José Luís Gordo / Miguel Ramos
Repertório de Maria da Fé


Madrugadas, marés vazias
De bocas mudas e frias
Errantes pela cidade
Sopra o vento num açoite
Faz mais ternuras à noite
Mais amarga esta saudade

Sou nome que ninguém chama
Breve lençol duma cama 
Que não conhece a paixão
Sou estrela sem ter céu
Sou aspecto que morreu 
No grito desta razão

Meu fado não tem alento 
Triste pedaço de vento 
Que sopra de serra em serra
Sou um fado doutro fado
Sou um canto magoado 
Sou um fruto desta terra

Pic-nic de burguesas

Cesário Verde / José Campos e Sousa
Repertório de José Campos e Sousa


Naquele pic-nic de burguesas
Houve uma coisa simplesmente bela
E que, sem ter história nem grandezas
Em todo o caso dava uma aguarela

Foi quando tu, descendo do burrico
Foste colher, sem imposturas tolas
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas

Pouco depois, em cima duns penhascos
Nós acampámos, ‘inda o Sol se via
E houve talhadas de melão, damascos
E pão-de-ló molhado em malvasia

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas

Disse-te adeus à partida

António Lobo Antunes / Alberto Correia *fado solene*
*O mar acaba ao teu lado*
Repertório de Kátia Guerreiro

Disse-te adeus à partida
Digo-te adeus à chegada
Se quero tudo na vida
Já de ti não quero nada

Disse-te adeus e depois 
Fiquei no mesmo lugar
O leito de nós os dois 
Só tem raízes no mar

Dizer adeus é diferente 
Quando to digo baixinho
No meio de tanta gente 
É que me sinto sózinho

Com uma gaivota na voz 
Disse-te adeus e parti
Se esta cama somos nós 
Não hei-de morrer sem ti

Um dia

Guilherme Pereira da Rosa / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Carlos do Carmo

Um dia cais em ti e tens saudade 
Um dia olhas p'ra trás e sentes pena
É breve, muito breve, a mocidade
Tão grande santo Deus e tão pequena

Um dia morre o riso descuidado
Nenhuma chama triste vive ou arde
Chaga a condenação do nosso fado
A gente quer viver e vê que é tarde

Um dia triste há-de chegar p'ra ti
Que te dará aquilo que me déste
Eu hoje tenho aquilo que perdi

Tu vais perder aquilo que tiveste

Talvez por acaso

Manuela de Freitas / Carlos Manuel Proença
Repertório de Carlos do Carmo

Tu dizes que a culpa é minha
Eu acho que a culpa é tua
E vamos ficando assim
Até que um dia à tardinha
Por acaso numa rua
Tu hás-de passar por mim

Com rancor e azedume 
Sem razão e sem emenda
Talvez a gente se insulte
Ou então, contra o costume 
Talvez a gente se entenda
E o acaso resulte

Por acaso, sem querer
Quem sabe se é dessa vez 
Que nós fazemos as pazes
Possa o acaso fazer
O que a saudade não fez 
E nós não fomos capazes

A vida dá-nos sinais
Quanto mais o tempo passa 
De que o amor tem um prazo
Por isso nunca é demais
O que quer que a gente faça 
Para provocar o acaso

O menino que não fui

Mário Rainho / João Maria dos Anjos
Repertório de Fernando Maurício

Nasci talhado de fado
Cresci no tempo a correr
Sem direito de sonhar
Não parei no meu passado
Fui menino sem saber
E condenado a cantar 

Tive a noite por guarida
Deram-me o fado, por pão 
Por enxerga, a fria rua
Cresci à margem da vida
Ao lado da solidão 
Coberto p'la luz da lua

Queria voltar a nascer
E sonhar um só momento 
No meu mundo pequenino
Passou o tempo a correr
Não tive idade nem tempo 
De brincar e ser menino