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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.260 LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Jogo do lenço

José Saramago / Joaquim Campos *fado puxavante estilado*
Repertório de Carlos do Carmo


Trago no bolso do peito
Um lenço de seda fina
Dobrado de certo jeito
Não sei quem tanto lhe ensina
Que quanto faz, é bem feito

Acena nas despedidas
Quando a voz já lá não chega
Por distâncias desmedidas
Depois no bolso aconchega
As saudades permitidas

Nunca mais chegava ao fim
Se as graças todas dissesse
Deste meu lenço e de mim
Mas uma coisa acontece
De que não sei porque sim

Quando os meus olhos molhados
Pedem auxílio do lenço
São pedidos escusados
E é bem por isso que penso
Que os meus olhos, se molhados
Só se enxugam no teu lenço

Fado das amarguras

Vasco Graça Moura / Rogério Charraz
Repertório de Inês de Vasconcellos


Meu amor, se me és o mundo
Nestas minhas desventuras

Podes ver quanto me afundo
No lodo das amarguras
No lodo das amarguras


Não posso viver contente
De meu próprio natural
O meu bem corre-me mal
E o meu mal é recorrente;
Mas a mim infelizmente
Parece que mais abundo
Em tristezas num segundo
Do que os mais em toda a vida;
És a história repetida
Meu amor, se me és o mundo

Eu dei, tu deste, nós demos
Um ao outro a vida acesa
Tinha a força da represa
Darmos tudo o que pudemos;
E as palavras que dissemos
De paixão e ardente juras
Os afagos, as ternuras
Tudo isso agora parece;
Que não trava o que acontece
Nestas minhas desventuras

Canção de vida

Letra e música de Jorge Palma
Repertório de Carlos do Carmo


Nascemos tão furiosamente sábios
Dispensamos a razão
Corremos com sorrisos nos lábios
De encontro ao mundo em contramão

Crescemos descortinando o nosso fado
Desvendando a nossa voz
Mantemos bem-acondicionado
O fugitivo que há em nós

E tu, tu que nem sempre me entendes
Mas que tão bem sabes aconchegar
Aquele que eu sou
Talvez num breve instante, ao olhares-me
Consigas simplesmente, sem pudor
Rever-te em mim


Às vezes nada nos pode causar medo
Tudo corre de feição
Revezes também constam no enredo
Pois não há bela sem senão

Mais tarde valorizamos a inocência
E o que dela resta em nós
Mais tarde temos plena consciência
De que o final é sempre a sós

Ao correr da pele

Letra e música de Amélia Muge
Repertório de Nathalie Pires


O meu amor tem a pele tão macia
A sede nele não tem valia
O meu amor é um cravo de rosa ao peito
Aroma escravo com que me enfeito

Só mais uma coisa vos digo
Já muito em segredo
Ao brincar comigo
Pega num pião
Feito do meu coração
E gira com ele sem medo


O meu amor se está brando é uma lentura
Nada falando pela ternura
O meu amor parece de veludo
Eu faço dele o meu sobretudo

O meu amor tem a pele tão macia
O meu amor é um cravo de rosa ao peito
O meu amor se está brando é uma lentura
Parece de veludo
Eu faço dele o meu sobretudo

O olhar e a morte

António Calém / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de João Braga


Há olhares que matam sem viver
Eu vi um dia alguém à luz da lua
E nesse alguém eu senti-me anoitecer
E nessa voz ainda ouvi: sou tua

Depois, veio outra noite e outra vida
Unidos num só corpo e tão distantes
Que mais parecia a sombra dolorida
Da luz do sol que então éramos dantes

Mas hoje nada resta do que fomos
Morreu a esperança vã de te sonhar
Em mim ficaram apenas os meus sonhos
E o nada que ficou em teu lugar

Fado em amor perfeito

João Barge / Pedro Moreira
Repertório de Nathalie Pires


Meu amor, amor em chamas
Feito de noite e de lume
Coração onde derramas
Toda a cor do teu perfume

Meu amor, amor amante 
Amor de perdas e danos
Eterno como o instante 
De nós termos vinte anos

Meu amor, amor liberto 
Feito de sal e luar
Mora tão longe ou tão perto 
Do que tens para me dar

Meu amor, amor perfeito 
Preso na cor das cerejas
Não cabe dentro do peito 
Por saber que me desejas

Meu amor, amor inteiro 
Cheio de luz e de sombra
Vai num olhar derradeiro 
Vem nos olhos de uma pomba

Cântico negro

José Régio

“Vem por aqui”
Dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços
E seguros de que seria bom que eu os ouvisse 
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos
Há, nos olhos meus, ironias e cansaços
E cruzo os braços, e nunca vou por ali

A minha glória é esta: criar desumanidade
Não acompanhar ninguém
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam meus próprios passos
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos
Redemoinhar aos ventos como farrapos
Arrastar os pés sangrentos, a ir por aí...

Se vim ao mundo
Foi só para desflorar florestas virgens
E desenhar meus próprios pés 
Na areia inexplorada
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós 
Que me dareis impulsos
Ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?

Corre, nas vossas veias
Sangue velho dos avós
E vós amais o que é fácil
Eu amo o longe e a miragem
Amo os abismos
As torrentes, os desertos

Ide!... 
Tendes estradas, tendes jardins
Tendes canteiros, tendes pátria
Tendes tetos, e tendes regras
E tratados, e filósofos, e sábios
Eu tenho a minha loucura
Levanto-a, como um facho
A arder na noite escura
E sinto espuma, e sangue
E cânticos nos lábios

Deus e o Diabo é que guiam
Mais ninguém
Todos tiveram pai
Todos tiveram mãe
Mas eu, que nunca principio nem acabo
Nasci do amor que há 
Entre Deus e o Diabo

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções
Ninguém me peça definições
Ninguém me diga: "vem por aqui"

A minha vida é um vendaval que se soltou
É uma onda que se alevantou
É um átomo a mais que se animou
Não sei por onde vou, não sei para onde vou
Sei que não vou por aí

Amor incurável

Telmo Pires / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Nathalie Pires


Voltaste e eu caí na tentação
De sentir dos teus braços, o calor
Voltei a enganar meu coração
Sabendo-te incapaz de dar amor

Essa força que me atrai e me fascina
Impossível resistir ao teu olhar
É loucura esta paixão que me domina
Sentimentos que não posso controlar

E depois de fazer-nos tanto mal
Ferir-nos, uma outra e outra vez
Parece ser mas não, não é normal
Perdemos toda a nossa lucidez

Este amor é um mal que não tem cura
É doença que aumenta sem parar
Dois loucos que perdidos na loucura
Encontram mil razões para sonhar

Eu tenho tanta pena… pai

Letra e música de José Gonçalez
Repertório de José Gonçalez


Eu tenho tanta pena
Que não possas ‘star comigo
Agora que o presente se desenha
Sobre o meu passado antigo

Eu tenho tanta pena
Dessas coisas do destino
Quando a história é a resenha
Dum homem que foi menino

Mas eu tenho é a vontade 
De te poder dar a mão
Dar um murro na saudade 
Que me prende à solidão;
Quero abrir uma janela 
E deixar o sol entrar
E pintar uma aguarela 
Onde tu possas morar;
E depois dou-te umas asas
P’ra que tu possas voar

Eu tenho tanta pena
De não ‘stares aqui agora
Quando a vida me acena
Com os meus sonhos de outrora

Eu tenho tanta pena
De tudo o que já lá vai
Da tua voz amena
De poder chamar-te pai

Soledad

Cecília Meireles / Alain Oulman
Repertório de Amália


Soledad… antes que o sol se vá
Como um pássaro perdido
Também te direi adeus
Soledad, soledad
Também te direi adeus

Terra… terra morrendo de fome
Pedras secas, folhas bravas
Ai quem te pôs esse nome
Soledad, soledad
Sabia o que são palavras

Antes que o sol se vá
Como um sonho de agonia
Cairás dos olhos meus, Soledad

Indiazinha… indiazinha tão sentada
Na cinza do chão deserta
Que pensas, não pensas nada
Soledad, soledad
Que a vida é toda secreta

Como estrela… 
Como estrela nestas cinzas
Antes que o sol se vá
Nem depois não virá Deus
Soledad, soledad
Nem depois não virá Deus

Pois só ele explicaria
A quem teu destino serve
Sem mágoa nem alegria
Um coração tão breve
Também te direi adeus, Soledad

Lisboa

Letra e música de João Paulo Esteves da Silva
Repertório de Nathalie Pires


Desespero de acabar
Já não se fala de amor
A neblina da saudade vai mudar de cor
Ficas tão perto do mar
Que o sol já perde o sabor
Cai a noite, não faz mal 
Se ficar ou se me for

Vem, anda correr a cidade
Não há pressa de partir
A estátua da liberdade deixa lá fugir
Não sinto grande vontade de dançar
Vais-te embora tu também

Não há tempo de acabar 
O que acaba no amor
E dói muito esta verdade
Talvez até mais que o fim da dor


Ficas tão perto do mar
Que o sol já perde o sabor
Cai a chuva nos meus ombros
É talvez melhor

Anda correr a cidade,
Não há pressa de partir
A estátua da liberdade deixa lá fugir
Não sinto grande vontade 
De dançar, estar a sorrir
Vais-te embora, vou também

Não há tempo de acabar 
O que acaba no amor
E dói muito esta verdade
Talvez até mais que o fim da dor

A lenda do fado

António Mendes / Franklim Godinho
Repertório de Ana Maurício

Dizem que o fado nasceu
Numa noite triste e fria
Na mais humilde viela
Quando uma estrela do céu
Foi cair na Mouraria
Nos degraus da porta dela

Cota a lenda dessa era
Que esse menino sagrado 
Que veio à terra por bem
Entrou dentro da Severa
Porque ela chamou-lhe fado 
E o fado chamou-lhe mãe

Há quem se atreva a contar
Quando a Severa morreu 
E o deixou na orfandade
O fado pôs-se a chorar
A boa mãe que perdeu 
E assim nasceu a saudade

Por isso é que o fado é triste
Porque chora muitas vezes 
E também nos faz chorar
É porque a tristeza existe
Na alma dos portugueses 
Quando ouve o fado cantar

Gare do Oriente

Amélia Muge / Ricardo Dias
Repertório de Nathalie Pires

Num rendilhar de velas postas
Chamam por mim por todo o mundo
Têm um espelho de água ao fundo
São uma asa aberta ao voo
Do que é partir e regressar

No meio há um mercado
Onde se vendem coisas soltas
Há quem lá passe apreçando a cor
Brilhando na pedrinha
Do cheiro que tem nome de flor

Ao canto há um café aonde tu paraste
E diz o teu olhar a hora de embarcar
Mas não diz quando chegaste

Já bailam as escadas
Sobem os elevadores
Correm sombras e há um vai e vem
São pernas apressando amores

Que foi, o que aconteceu
Alguém procura o que perdeu
E há uma luz que se reflete e bate em cheio
Nesse olhar que é tão passageiro

P’ra lá daquele vidro, do chão assim traçado
Há um atraso, um horário atrasado
O calor diz que fique
Eu sei, chove em Munique

E aqui estou nesta Gare
Que se chama de Oriente
E nela vejo o teu olhar que diz
Que é daqui, dali, ele é qualquer lugar

A lenda do velho Porto

Carlos Bessa / Pedro Rodrigues
Repertório de José Barbosa

Cai um forte nevoeiro
Sobre esta linda cidade
Que deu nome a Portugal
Parece que o céu inteiro
Quer esconder a verdade
Da história medieval

Diz a lenda, que um dia
El-rei D, Pedro, à toa 
Anunciou o noivado
Sem saber o que dizia
Quis que o Porto e Lisboa
 Casassem no seu reinado

Grande cortejo imponente
O Rio Douro subiu 
Barcos do país inteiro
É então que de repente
As portas do céu se abriu 
Caiu forte nevoeiro

O Porto desapareceu
E El-rei viu-se obrigado 
A anular o casamento
Lisboa se entristeceu
Por romperem seu noivado 
Deu entrada num convento

O Porto ficou solteiro
Amante da liberdade 
Deixá-lo ser, não faz mal
Deus lhe deu o nevoeiro
A essa linda cidade 
Que deu nome a Portugal

Diário

Mário Claudio / Ricardo Dias
Repertório de Nathalie Pires


Quer fosse noite, quer dia
Era uma ãnsia, uma espera
E em cada hora batia
Um coração de pantera

O desfraldado desejo
A sede da maresia
Passavam de beijo a beijo
A chama que nos unia

Morria num sobressalto
As terras da promissão
E as águias pairavam alto
Além dos dedos da mão

Fique de nós o abraço
Ao que perdemos de vista
Não há tempo nem espaço
Não há raiz que persista

Que estranha vida

Vitor de Deus / Arménio de Melo
Repertório de Luís Caeiro


Que estranha forma tenho de viver
Sem nada à minha volta, em solidão
Um misto de te querer e te perder
Ciúmes a jorrar do coração;
Sem nada à minha volta, em solidão
Que estranha forma tenho de viver

Que estranha noite longa, em tempestade
Amor, desejos loucos, alimento
E quando caio em mim sem liberdade
Ao teu corpo e em teus braços me acorrento;
Amor, desejos loucos, alimento
Que estranha noite longa, em tempestade

Vem possuír-me, amor, em cada instante
Afaga meus cabelos, dá-me carinhos
Vem ser minha mulher e minha amante
Se o vento soprar contra, revoltado;
Conduz a minha vida p’los caminhos
Até que o meu amor fique calado

Noiva do teu olhar

João Barge / Pedro Moreira
Repertório de Nathalie Pires


Quero ser a tua casa
Quero dar-te a minha mão
Eu preciso de outra asa
Para assim me erguer do chão

Hei-de abrir-te a minha cama 
E arder no teu abraço
E à noite quem nos ama 
Não sabe a cor do cansaço

Hei-de acordar a teu lado 
Ser noiva do teu olhar
Molhar de luz este fado 
Como se fosse rezar

Nem toda a luz me cativa 
Nem toda a tristeza passa
Eu sou flor em carne viva 
Que o vento de leve abraça

Canção de Alcântara

Letra de José Galhardo, Lourenço Rodrigues e Carvalho Mourão
Música de Raúl Ferrão
Versão do Repertório de Lídia Ribeiro
Criação de Margarida de Almeida na revista *Fado Liró*
Teatro Variedades, 1928
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Ó linda Alcântara
Junto à qual o velho Tejo
Reza sempre dia e noite, uma oração
Como eu gostava 
Que coubesses só num beijo
Como cabes toda inteira, no coração

Bairro modesto 
De modestos pescadores
Onde o povo sabe rir e padecer
A minha mãe
A luz do sol e os meus amores
Em Alcântara tudo eu vim a conhecer

Não há bairro de Lisboa mais lindo
Do que aquele onde eu ganho 
O pão para comer
E ali vivo, ora triste, ora rindo
Ali fui criança
Ali fui mulher
Eu só queria que no dia em que a morte
O meu pobre corpo 
Viesse buscar
Eu só queria, meu Deus, ter a sorte
De ainda em Alcântara 
Poder me enterrar

Ó lindo bairro 
Que os antigos guerrilheiros
Amarraram ao valor de Portugal
És o cantinho 
Que os valentes marinheiros
Querem todo só p’ra si, a bem ou mal

Quando é noitinha 
E as cantigas fatalistas
Já começam p'las vielas a gemer
É para Alcântara 
Que os últimos fadistas
Vão cantar o triste fado, que vai morrer

Tudo é Portugal

Artur Ribeiro / Ferrer Trindade
Repertório de Artur Ribeiro


Vem ver a terra das mil candeias
Olha esta gente tão diferente e tão feliz
Vem ver a Serra e as aldeias
Verás então porque razão se diz

Aqui é Portugal
Dono e senhor 
Da humildade e do amor
E verás que afinal
Onde quer que haja saudade
Tudo é Portugal


Vem ver quem passa, ouve as cantigas
Olha o encanto deste santo ali em paz
Vem ver a graça das raparigas
E quando alguém não souber bem, dirás

O rei dos outros sóis

Artur Ribeiro / Joaquim Campos *alexandrino*
Repertório de Trio Odemira


Um sol para nós dois num céu de tons risonhos
Sem nuvens a causar mais sombras descabidas
É rei dos outros sóis o sol dos nossos sonhos
Nasce do teu olhar e morre em nossas vidas

Um sol para nós que a nossa vida aquece
E desde que nascemos nos tornou bem diferentes
Um sol para nós dois que vela e não esquece
E andamos tu e eu da sua luz pendentes

Um sol para nós dois a dar-nos confiança
Numa vida melhor onde não há pecado
Juntou-nos e depois com raios de esperança
Formou o nosso amor, deu-nos o mesmo fado

Canção ao Porto

Artur Ribeiro / Jaime Filipe
Repertório de Artur Ribeiro


Esta canção que vou cantar ao Porto
É oração para rezar ao Porto
Tudo o que sou nasceu em ti, minha cidade
E só te dou o meu amor e esta saudade

Aqui nasci, aqui brinquei, meu Porto
E até sofri quando deixei o Porto
És a feliz inspiração da minha vida
Para quem fiz esta canção sentida

Porto velhinho das ruas antigas
E das cantigas pelo São João
Do riso alegre das raparigas
Ó minha terra só coração


Se a noite vem eu canto a sós ao Porto
O mar também canta na voz ao Porto
E ao luar o Douro então fica absorto
A escutar esta canção ao Porto

Quadras de Aleixo

António Aleixo / Júlio Proença *fado puxavante
Repertório de Trio Odemira


O homem sonha acordado 
Sonhando, a vida percorre
E desse sonho doirado 
Só acorda quando morre

Embora me queiras tanto 
Quanto pode o bem-querer
Não me queres tanto quanto 
Te quero sem te dizer

Não digas que me enganaste 
Por ter confiado em ti
Muito mais do que levaste 
Ganhei eu no que aprendei

Só quando sinceramente 
Sentirmos a dor de alguém
Podemos descrever bem 
A mágoa que essa alguém sente

Campo em festa

Francisco Martins / Vitor Rodrigues
Repertório de Francisco Martins *Fado Marialva*


No meu cavalo montado 
Logo que a manhã rompia
Com o Rodrigo e o Ricardo 
O Pietra e o Faria
Por esses campos fora 
No seio do Ribatejo
Calça justa, bota e espora 
Em Arruda ou em Samora
Da Chamusca ao Alentejo

Com valentia
Toiros vamos apartar
Galhardos na picardia
Garbosos a derribar
E com nobreza
Trazemos no coração
A saudade que está presa
Aos tempos que já lá vão


O Visconde já pingado 
O Palhas na caturreira
O Dentinho desafivelado 
Casquinha à antiga maneira

Passeios e romarias 
Vilaverde, que saudade
Deu-nos grandes alegrias 
Era vê-lo nas picarias
Hoje, dele, só Deus sabe

E depois do sol-posto 
Trinam guitarras de fundo
Dedilhadas com bom gosto 
P’lo Velez e o Edmundo

Marialavas de cartel 
Que cantam o velho fado
O Rodrigo Miguel 
O Xico e o Manel
O Macho e o Pegado

Meu amor

Letra e música de Telmo Pires
Repertório do autor


Se juntarmos todas as cores da cidade
O amarelo, o azul do Tejo sem idade
O cinzento desta noite e o encarnado
Vai tudo dar ao triste negro do meu fado

Vou andando pelas ruas tão queridas
Bem sabendo que tantas delas são proibidas
O cinzento desta noite pesa tanto
E eu sem saber p’ra onde ir neste meu pranto

Meu amor se eu não estou a teu lado
Sou um qualquer tom num qualquer fado
Corro a noite inteira só p’ra estar aqui


De repente, já cansado de tanto andar
À procura do teu olhar p’ra me deitar
Nascido dum poema que está à venda
Meu coração lá vai
Não há ninguém que o prenda

O sonho de João Moura

César Marinho / Vitor Rodrigues / Jaime Santos
Repertório de Manuel da Câmara *Fado Marialva*


A sonhar com as toiradas
Saltou do berço e montou
Como num conto de fadas
João Moura toureou

O sonho fez-se façanha
P’lo menino de Monforte
Venceu nas praças de Espanha
Desde o sul até ao norte

Os triunfos consagraram
Um toureiro genial
E com mestria honraram
O nome de Portugal

O Belmonte foi brilhante
O Sandokam, colossal
Majestoso o Importante
O Farrolho é imortal

E as mãos que embalaram
O seu berço tão ditoso
Foram as mãos que fadaram
Um João Moura famoso

Sou a chuva

Rodrigo Serrão / Pedro Pinhal
Repertório de Maja


Quando a chuva cai de mansinho
E ao ouvido diz, a cantar
Que a saudade de estar contigo
É uma vela sempre a brilhar

Que me leva de encontro ao sonho
Embalada p’la solidão
Sou a chiuva no seu caminho
E ele é pena na minha mão

Alma ausente, sorriso vago
Sou a chuva no seu cantar
Melodia do meu embalo
É a dele sempre a chorar
Pelos teus olhos abrigo manso
Onde acalmo o meu coração
Mas agora sem teu regaço
Só há chuva na minha mão

Quando a chuva cai de mansinho
E ao meu peito diz, a cantar
Cada encontro no caminho
É um desejo de te abraçar

Fomos sonho prometido
Um poema, uma canção
Agora só a chuva canta
É uma lágrima na minha mão

No sonho de passar além do sonho

Artur Ribeiro / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Trio Odemira


No sonho de passar além do sonho
Transformei-me de tudo o que fui antes
Mas transformar alguém é tão medonho
Como o juntar de notas dissonantes

No sonho de passar além de tudo
Quis ver-me nos espelhos atuais
Mas vi-me tão disforme e absurdo
E a mim mesmo jurei não ver-me mais

Que cada se vista de outros fatos
Eu prefiro seguir dias após dia
Poeta por instinto, dos baratos
Poeta que não sabe como cria

Quase

Fernando Rodrigues / Raúl Ferrão *fado carriche
Repertório de Luís Manhita


Hoje minh’alma adormece
Sem dizer mais que um sofrer
Meu coração enlouquece
Sem nunca te responder

Ao acordar sempre sonha
Do teu olhar, um pouquinho
E espera um dia, quem sabe
Ouvir-te suspirar baixinho

Musa que em coração tocaste
Sem pedir licença sequer
Deixaste meu ser à tua porta
Meu Outono, fado, viver

Nem todo o oiro da terra

Artur Ribeiro / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Trio Odemira


Eu dou, em troca de nada
Estes anseios dispersos
A que o mundo chama veia
Pois acho uma coisa errada
A gente vender os versos
Que Deus nos pôs na ideia

Se Deus pôs por sua mão
O que a minha mente encerra 
Me dá a rima e o tema
Não vendo, faço questão
Pois não oiro da terra 
Que valha qualquer poema

Por isso dou a quem canta
Este cantar magoado 
Que Deus me deu quando vim
Dou a quem quer tiver garganta
E saiba cantar o fado 
E queira cantar por mim

A cor da alegria

João Veiga / José Lopes *fado lopes
Repertório de Salvador Taborda

Nunca pensei na vida
Vir um dia a encontrar
A minha vida escondida
Dentro do teu olhar

Teus olhos têm a cor 
A cor da minha alegria
São o meu sonho maior 
São a luz que me alumia

Eu que tanto procurei 
Por esta minha vida
Afinal encontrei-a 
Nos teus olhos escondida

O teu olhar é o sol 
Que aquece a noite calma
São de noite o meu farol 
Que ilumina a minha alma

Quando eu era pecador

Artur Ribeiro / Pedro Rodrigues *fado primavera*
Repertório de Trio Odemira


Eu, de joelhos roguei
A Deus, que puzesse fim
Aos pecados degradantes
Deus ouviu-me e eu mudei
Mas gostava mais de mim
Pecador como era dantes

Em cada paixão traída
No meu ir de mão em mão 
Bebendo p’la noite fora
Eu perdi anos de vida
Mas sentia o coração 
Coisa que não sinto agora

Agora não sei se vivo
No eterno *tanto faz*
 De quem vive sem amor
Lamento não ter motivo
P’ra voltar tempos atrás 
Quando era pecador

A minha noiva tristeza

Inês Filipa Rebelo do Carmo / Arménio de Melo
Repertório de Luís Caeiro

A tristeza casou comigo
Ao ver-me sofrer um dia
Por mais que lute não consigo
Transformá-la em alegria

Conheci-a num inverno 
Com chuva, com vento e frio
Um vendaval do inferno 
Com luta insana no rio

Bateu-me à porta a chorar 
Com uma rosa na mão
Talvez para me animar 
Ou vender-me uma ilusão

Mas a rosa perfumada 
Que ela me trouxera à porta
Estava tão triste, a coitada 
Quando o beijei estava morta

E eu mais triste do que sou 
Fiquei naquele desgosto
E uma lágrima deslizou 
Pela tristeza do meu rosto

E hoje vivo com a tristeza 
Pois sou casado com ela
E vejo nela beleza 
Que a vida triste é mais bela

Roleta do destino

Artur Ribeiro / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Trio Odemira


Há duas coisas que a vida
Não me consegue roubar
Esta tristeza incontida
E a morte, quando chegar

Como a provocar a sorte
Que traz consigo ao nascer
O homem tem medo à morte
E tudo faz p’ra morrer

Desde o princípio do homem
Até ao homem presente
Que gerações se consomem
Para destruír a gente

No jogo da nossa vida
A vida, por mais que queira
Nunca levou de vencida
A sua velha parceira

Deus criou essa partida
Onde não impera a sorte
E por algo, deu à vida
Menos trunfos do que à morte

Aqui tão perto de ti

Letra e música de Múcio de Sá
Repertório de Liliana Martins


Perdida nas janelas da alma
Olho as cidades sem tempo
Cenários de vidas imaginadas
Distante de trabalho intenso;
Mundos no tempo imaginado, só eu sei
Perdidos à entrada do labirinto

No meio da vastidão a poesia
De um dia a mais a viver
Janelas da alma, sol do meio-dia
Riquezas de quem não tem o que fazer;
Cenários de vidas imaginadas
Frestas de luz ao amanhecer

E se o amor bate as asas e voa sobre nós
Eu vou ser feliz, hoje, amanhã e depois
E se o amor bate as asas e voa sobre nós
Eu vou ser feliz aqui tão perto de ti

Não mais saber de mim

Artur Ribeiro / Santos Moreira *fado moreninha*
Repertório de Trio Odemira


Quando o meu coração quiser parar
Então é tempo de ficar dormindo
Então é tempo de ficar, ficar
No jeito de não ter acontecido

É tempo de fugir, fugir enfim
Ao inferno que trago p’ra castigo
É tempo de não mais saber de mim
Ou talvez de ficar por fim, comigo

Quando o meu coração quiser findar
Com este meu morrer assim, aos poucos
Que me dê tempo só para queimar
Que a ninguém deixo os meus poemas loucos

Amor, anda ver

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Nuno da Câmara Pereira


Vamos acordar amanhã cedinho
Beber devagar nas fontes do ar
Como fôra vinho
Os dois, estrada fora como se num só
Sem espaço nem hora e sem demora
Qual réstia de pó

Amor anda ver o sol a nascer 
Sobre o horizonte
Amor anda ver a água a correr 
Debaixo da ponte
Dar-te-ei a flor da mais linda cor 
Que por lá houver
E o sol como em sonho vestirá risonho 
A flor que prefere

Tu vais de certeza ficar seduzida
Com a natureza de sol à cabeça
Respirando vida
E no trono forte da árvore mais alta
Gravados em corte os nomes que à sorte
Nosso nome exalta

Tradição

Letra e música de Miguel Araújo
Repertório de Raquel Tavares


Rosa, roda a saia
O vento muda, empurra a moda
Nem que a Rosa caia
Nada nunca pára a roda

Vai Rosa cobaia, arredonda-a bem
Que essa tua saia já foi da tua mãe
Já a mãe dela girava essa saia a tempo
Contra o vento, contra o tempo
Que faz girar o mundo
Nem que em plena roda a a rosa caia

Vem Maria, canta
Aos teus amores as dores de outrora
Canta em agonia
Outra que não é de agora

Vai roda gigante, faz girar o mundo
Que a pedra que anda à roda
E contraria aquela pedra que parou
No peito de qualquer Maria
E a Rosa no seu posto ainda rodopia
E vai rodando a saia até qualquer dia

É melhor assim

António Rocha / Franklim Godinho *4as*
Repertório de Pedro Galveias


Foi bom enquanto durou
A paixão que houve em nós
Mas a paixão acabou
Hoje estamos melhor sós


Não foi amor de raíz 
A força que nos juntou
Por isso, como se diz 
Foi bom enquanto durou

Vivemos uma aventura 
Que se tornou um algoz
Pois foi sol de pouca dura 
A paixão que houve em nós

Foi triste a realidade 
Que o destino nos traçou
Sonhamos felicidade 
Mas a paixão acabou

Pode ficar a amizade 
Pesando contras e prós
Eu acho que na verdade 
Hoje estamos melhor sós

Rendas pretas

Fernando Tavares Rodrigues / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


O que sinto por ti são rendas pretas
Recordações vagas, indiscretas
De um corpo que conheci
O que sinto por ti são rendas pretas
Volúpias de cetim, sedas secretas
Que tu despias para mim

Pedaços de fantasia 
Que vestias para estar nua
Restos de noite que a lua 
Na tua pele descobria

O que sinto por ti são rendas pretas
Essas rendas incompletas 
Que nos dedos descobri
Quando ao ver-te assim despida
Toda de negro vestida 
Me dei e te possuí

Dessas noturnas intrigas 
Que me calaram de espanto
Das meias finas, das ligas 
Das rendas que te ofereci;

Lembro ainda o doce encanto 
Das rendas pretas em ti
Do corpo que me ofereceste 
Quando entre as rendas te deste
E entre rendas me rendi
Tão transparentes macias 
As rendas que tu vestias
Hoje tão tristes, sem ti

Vai mais um dia

Pinto Jorge / Paulo de Carvalho
Repertório de Luísa Basto


Às seis o salto da cama 
E o puto a resmungar
São dez minutos prá mama 
E a bucha por arrumar
Sai tudo à rua na guita
Vai tudo a andar na ganga
No barco há um que arma fita
na volta ninguém se zanga

Um jeitinho no transporte 
E o puto fica na ama
Só nos faltava esta sorte
O metro ainda nos trama
Um beijo dado apressado
Adeus ao virar da esquina
Num fato mais que coçado
A mulher ‘inda menina

Vai mais um dia de trabalho
Em qualquer lado
Vai mais um dia de trabalho
Pelo pão
Mas qualquer dia no trabalho
Ao nosso lado
Há-de ser dia de acabar
O dia não
Sabemos que ainda um dia
Hão-de ver quem tem razão


Lá vão quinhentos pró passe 
Das viagens que fazemos
E não há ninguém que cace 
As paragens que perdemos
O puto vem a tossir 
Das friagens que apanhou
A mulher vai a dormir 
P’las vezes que hoje acordou

À volta é gente da volta 
Do trabalho que fizemos
E pensar que andam à solta 
Os males de que sofremos
Vai mais um dia passado
Se é que esse dia passou
Talvez eu ande enganada
O dia não acabou

Canto das descobertas

Michel Legrand / Marilyn Bergman / Alan Bergman
Versão de Mário Martins
Repertório de José da Câmara


Hoje, os sorrisos da cidade 
Trazem sol ao meu olhar
São as notas deste fado 
No meu tempo de o cantar
Há a história que se conta 
Dum povo à beira do mar
E dum sonho muito antigo 
E de vozes para o cantar;

Vozes fortes de muralha
Vozes molhadas de pranto
E vozes de praça forte 
P’ra defender nosso canto

Vozes que tinham na voz 
Mistérios a desvendar
E do tributo que nós 
Tão longe fomos pagar
Tantas vezes, tantas vezes 
A conceder-nos foral
Por fabuelas proezas 
Das gentes de Portugal;

Vozes claras, transparentes 
Como cristais de firmeza
Vozes gostosas do pão 
Que come connosco à mesa

Vozes de tanta ternura 
E tamanha dimensão
Com a medida do mundo 
Em dois palmos de canção
São as vozes de além Tejo
São as vozes de além dor
No coral da Epopeia 
Que dobrou o Bojador

São vozes de coro grego 
Vestido à moda do Minho
Vozes de nau viageira 
Que tem garganta de pinho
Tantas vezes, tantas vezes
De grandeza universal
Deste sonho desmedido 
Dum país no plural

Restos de nada

Maria Luísa Batista / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertótio de António Vasco Moraes


Ficou no calor da cama
Acesa como uma chama
A lembrança dos sentidos
Ficou o cheiro e o sabor
Daquela noite de amor
Nos nossos corpos doridos

Ficou paixão e carinho 
Dentro dos lençóis de linho
Revoltos, amarrotados
E num canto de memória 
Só eu guardo dessa história
Os sentimentos rasgados

Os lençóis ficaram frios 
Os sentimentos vazios
Afinal o que sobrou?
O amor envelheceu 
A paixão arrefeceu
Do nada nada restou

Não guardo rancor nem mágoa 
Sou como a corrente d’água
Que procura o mar salgado
Porque é de sal o meu pranto 
Porque é de paz o seu manto
Não lhe interessa o meu passado

Cantigas

Maria Manuel Cid / Popular
Repertório de António Vasco de Moraes


Não vejo, não vejo
Não vejo ninguém
Que tenha mais medo 
Que tem o meu bem
De contar segredos
Segredos contar
E tornar azedos 
Os beijos roubados

Tu ficas airosa se pões o teu lenço
É da cor da rosa e cheira a incenso
Não vejo, não vejo, não vejo ninguém
Que tenha mais medo que tem o meu bem

Não pintes a boca da cor do carmim
A nódoa da amora é coisa ruim
Se me dás um beijo assim a marcá-los
Quem tiver desejos já pode contá-los

Não vejo, não vejo
Não vejo ninguém
Que tenha mais medo 
Que tem o meu bem

Oh minha Rosinha eu hei-de te amar
De dia ao sol, de noite ao luar
De noite ao luar, de noite ao luar
Oh minha Rosinha eu hei-de te amar

Vê lá meu bem

Letra e música de Marcelo Camelo
Repertório de Maja


Vê lá bem meu bem, sinto te informar
Que arranjei alguém p’ra me confortar
Este alguém está quando tu sais
E eu só posso crer pois sem te ter
Nestes braços tais

Vê lá bem, amor, só te quero ver
Somos no papel mas não no viver
Viajares sem mim, me deixares assim
Tive que arranjar alguém p’ra passar
Os dias ruins 

Enquanto isso,
Navegando eu vou sem paz
Sem ter um porto, quase morta
Sem um cais
E eu nunca vou esquecer-te, amor
Mas a solidão 
Deixa o coração neste leva e traz

Vê lá bem, além destes factos vis
Sabes que as traições são bem mais subtis
Se eu te troquei não foi por maldade
Vê lá meu bem, arranjei alguém
Chamado *saudade*

Cantar perfeito

João Dias / Armando Macado *fado licas*
Repertório de Maria Armanda


Perfeita é a palavra quando verso
E a graça de cantar é já entrega
A malha em que se tece o universo
É força que nenhuma força nega

Perfeita é a razão de ser poeta
Amar a flor nascida em qualquer chão
Andar de corpo inteiro, alma liberta
Estender a mão aberta a qualquer mão

Perfeito é o lugar aonde estás
Tecendo o linho verde duma esperança
Perfeita é qualquer voz cantando paz
Perfeito é qualquer gesto de criança

Perfeito é o perfil do seio fecundo
Da mãe ganhando o filho de seu ventre
Perfeito movimento é o do mundo
A repartir o sol por toda a gente

Fado século XXI

*A vida é um milagre*
Letra e música de Edgar Nogueira
Repertório de Catarina Rosa


A vida é um milagre 
Amor é fogo que arde
Diz Virgílio, diz Camões
Não fôra Cristo a verdade
Que há-de cá voltar, pois há-de
Só havia interrogações

Porque amo a vida logo
A mim própria me interrogo
O que é o homem no tempo
Vela que acende com modo
Luz que se apaga mal acordo
Tão breve como um lamento

Na vida individual
O homem é temporal
E por isso me lamento
Sou uno sem ter igual
Mesmo assim, para meu mal
Só juntos temos assento

Eu gosto imenso da vida
Não gosto é da intriga
Amo somente a verdade
Uma estrela minha amiga
Deu-me luz bem definida
Pois a vida é um milagre

Marinheiro americano

Amadeu dos Santos / Sebastião Ferreira / Fernando dos Santos
Manuel Carvalho Jnr / Frederico Valério
Repertório de Hermínia Silva

Mim ter ouvido fada e não saber
Cantada por Alfreda Marceneira
Mas não perceber nada do que era
E só ter apanhado bebedeira

Alfredo ter cantado o Bacalhau
E tudo ter na boca posto um rolha
Mas mim fazer barulho no cançau
E levar um camóne aqui no ôlha

Ó fada yes allrigth
Lady Maria Aliça
Ter cantado quatro fadas… chatiça
Ó fada yes allrigth
Mister Cascais Manuel
No guitara, Armandinha, very well
Mim gostar muito de ouvir guitarradas
E ouvir cantigas desgraciadas
Ó fada yes allrigth
Mister Alberto Costa
No corrida choradinha… mim gosta


Lembro do bom Fialha ter cantada
O cantiga no fado corridinha
Todo o gente a chorar, ficar magoada
Mas mim, beber cerveja, beber vinha

Mim chamar o criada por ter sede
E logo um fadista dar chapada
Por não ter visto escrito no parede
Sailance… que se vai cantar o fada

João Cortes

Vitor Rodrigues / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de Manuel da Câmara


Aquele rosto moreno
Onde sorri o passado
Sereno sem ser pequeno
Enorme por ser forcado

Enfrentou p’rigos e mortes 
Aos consagrados pertence
De seu nome João Cortes 
Um ilustre Estremocence

Na festa, triunfador 
Onde colheu faustos loiros
Distinto seu pundonor 
Destemido a pegar toiros

Por razões de gratidão 
Seu nome será lembrando
O Cortes é a lição 
Do culto do bom forcado

No simbolismo imponente 
Perdura ainda o valor
Do cabo nobre e valente 
Que sempre honrou Montemor

Canção de amor

Fernando Tavares Rodrigues
Repertório de António Pinto Basto


Amo-te muito
Como se já te amasse assim há muito
Amo-te tanto
Como se fosse apenas por enquanto
Amo-te como quem partiu
Sabendo, ao partir, que já chegou
Amo-te como amo aquilo que te dou

Amo-te como um vinho antigo
Um mosto doce
Amo-te como a Primavera 
Que te trouxe
Quero-te como se te amasse 
Por encanto
Só sei amar-te assim 
Como se fosse a mim

E quero amar-te
E quero dar-me sempre a ti 
Constantemente
A um tempo só
O futuro e o passado no presente
E a ternura, esse fogo
Que acendemos mão na mão
Seja sempre amor 
Sem deixar de ser paixão

Deixa aquela rua

José Nunes Pereira / Augusto Pinho
Repertório de João Pedro


Porque é que te ris com tanta vaidade
Se não é feliz, quem diz a verdade

Esconde que eu vejo a tua alegria
Aquele desejo que sonhaste um dia

Deixa aquela rua onde ergui a fé
Que foi minha e tua, agora não é
Fechou-se a janela da minha paixão
Vê lá, tem cautela, não a acordes não


Tu podes passar, passar não importa
Tens de respeitar esta paixão morta

Outra hora vivida não soubeste amar
Agora esquecida, não deve acordar

Segue o teu rumo

Ricardo Reis / Sueli Costa
Repertório de Carolina


Segue o teu destino
Rega as tuas plantas, ama as tuas rosas
O resto é sombra de árvores alheias

A realidade
Sempre é mais ou menos do que nós queremos
Só nós somos sempre iguais a nós próprios

Suave é viver só
Grande e nobre é sempre viver simplesmente
Deixa a dor nas aras como ex-voto aos deuses
Vê de longe a vida, nunca a interrogues
A resposta está além dos deuses

Mas serenamente imita o Olimpo
No teu coração
Os deuses são deuses porque não se pensam
Porque não se pensam

Creio amigo

Maria Manuel Cid / António Mourão
Repertório de António Mourão
Este poema foi também gravado por Carlos Timóteo 
com música de Custódio Castelo 

A vida é destino aberto
Duma lonjura tamanha
Quem percorrer o deserto
Tem abrigo na montanha

Só fica pelo caminho
Quem o caminho temeu
Só p’ra voarmos do ninho
Nas asas que Deus nos deu

Creio amigo que o silêncio é morte
Crei0 amigo que a vontade é lei
Creio amigo que daria a sorte
E no sonho nada encontrei


Vem daí, anda comigo
Não sei bem aonde vou
Se há coisas que te não digo
É que ninguém me ensinou

Vem comigo à descoberta
A vida é porta cerrada
Minha mão estende-se aberta
Sempre que tombes na estrada

Louca paixão

Maria Estela / Alfredo Correeiro
Repertório de Fernanda Maria


Roubei à vida um bocado
Para viver a teu lado
Fechada nos braços teus
Num momento de loucura
Roubei a febre e ternura
Que não podiam ser meus

Tivemos iguais desejos
Trocamos beijos por beijos 
Vivemos um só amor
Horas roubadas à vida
Qual ventura proibida 
Talvez por isso a melhor

Roubei mas fui condenada
Hoje expio encarcerada 
Culpa que foi tua e minha
Só louca, a minha paixão
Ficou no teu coração 
Aonde eu coube inteirinha

Não quero mais fado

Eugénio Pepe / Aníbal Nazaré
Repertório de José da Câmara

Naquela tasca afamada
Depois de ouvir fado a esmo
Sempre na mesma toada
E onde o motivo era o mesmo

Ouvi alguém que pedia
Como quem pede ao balcão
Mas com certa galhardia
E carradas de razão

Por favor, tragam-me um fado
Que não fale das esperas
Que não viva do passado
Nem à sombra das Severas
Não fale nas tascas mais rascas que havia
Nos becos de Alfama e da Mouraria
Não lembre toureiros, campinos, forcados
Se trazem só disso, não quero mais fados


Ouviu-se uma desgarrada
Coisa que é pouco fadista
Tudo a falar em bairrista
Um fado triste e mais nada

E ao recordar a cantiga
Que ao fado tudo se canta
Pedi à maneira antiga
Sem trinados na garganta

Onde Deus me possa ouvir

Letra e música de Vander Lee
Repertório de Cristina Maria


Sabe o que eu queria agora, meu bem?
Saír, chegar lá fora e encontrar alguém
Que não me dissesse nada
Não me perguntasse nada também
Que me oferecesse um colo ou um ombro
Onde eu desaguasse todo o desengano
Mas a vida anda louca
As pessoas andam tristes
Meus amigos são amigos de ninguém

Meu amor
Deixa eu chorar até me cansar
Me leve p’ra qualquer lugar
Onde Deus possa me ouvir
Minha dor
Eu não consigo compreender
Eu quero algo p’ra beber
Deixa-me aqui, pode saír


Sabe o que eu mais quero agora, meu amor?
Morar no interior do meu interior
Entender porque se agridem
Se empurram pró abismo
Se debatem, se combatem sem saber

Fado do trapo

Pinto Jorge / João Fernando
Repertório de Luísa Basto

Já catou
Os caixotes da cidade sem achar
Os arredores da vida já buscou
Nas ruas desta idade, um só lar
Uma cama esquecida

No latão do lixo que deixámos 
No papel
Que deitámos à rua
Está o pão que nós já desprezamos
Está o fel
Da sopa que faz sua

Não toquem naquilo que é do Chico
Ninguém quer papel ou trapo
Ai mal de quem quer ficar mais rico
Por ter um caixote e um farrapo


Quem lhe dera
Ter um caixote cheio, mais cartão
Sem entrada na Mitra, ele espera
Poder achar um meio, um portão
Que vá dando guarida

Esta terra
Que vai sendo pesada, esta hora
Já lhe custou a passar, está na guerra
Desta coisa danada, já demora
A vez de descansar

Aicha Conticha

Manuel Alegre / Nuno Nazareth Fernandes
Repertório de João Braga


A armada deixa Arzíla sobre as naus
Brilham uma última vez 
As armas portuguesas
Quando os moiros chegarem, verão apenas
Uma mulher de negro pelas ruas
Não resta mais de Portugal, só esse luto
Na cidade deserta e abandonada

Os moiros lhe chamarão Aicha Conticha
Os moiros lhe chamarão Aicha Conticha 
E enquanto a armada se despede lentamente
Ela só, é senhora da cidade
De negro está vestida, ela só
Ela só na cidade abandonada
E nunca mais Arzíla será perdida
E nunca mais Arzíla será tomada


Talvez um amor antigo 
Ou um morto querido
Talvez a luz, o branco, o sul
Talvez o puro prazer de olhar
Outros amaram Arzília, mas não tanto
Que tivessem de ficar só por amor
Ela só quis Arzíla por Arzíla

As rosas não falam

Letra e música de Cartola
Repertório de Gisela João


Bate outra vez com esperanças, o meu coração
Pois já vai terminando o Verão… enfim
Volto ao jardim co’a certeza que devo chorar
Pois sei bem que não queres voltar para mim

Queixo-me às rosas
Mas que loucura
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubem de ti

Devias vir para ver os meus olhos tristonhos
E quem sabe, talvez nos meus sonhos, por fim

Louca paixão

José Patrício / Miguel Ramos*fado alberto*
Repertório de Fernando Jorge

Sentir perto de mim teu meigo olhar
É quanto a mim me basta p’ra riqueza
Meu Deus, como é que pudeste dar
Apenas a alguém, tanta beleza

Na chama desse amor fui-me embalar
No calor dos teus braços vou caír
Amor, se não me pedes p’ra ficar
Sou eu que digo: não quero partir

Ao navegar contigo em mil desejos
Em ondas de paixão por saciar
Alimentar meus lábios nos teus beijos
Nesta fome de amor por acalmar

Se na vida real eu não consigo
Teu corpo com carinho abraçar
Então quero dormir, sonhar contigo
E peço p’ra ninguém mais me acordar

Cantar da milésima segunda noite

Rodrigo Emílio / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Eu vi o sol em plena noite
Quando ninguém podia vê-lo
Eu vi o sol da meia noite
A raiar no teu cabelo

E houve mil e uma noites
De fulgor inapagável
Da boémia, a mais profunda
Houve mil e uma noites
Mas nenhuma comprarável
À milésima segunda


Quando ninguém podia vê-las
Vi tuas mãos de Dulcineia
Não sei se foi noite de estrelas
Mas sei que foi noite de estreia

E ouvi cantar, cantar em coro
Em cada artéria, em cada vela
O sol do sangue e o fulvo touro
Que te anuncia e me inceideia

Um fado à mercê da vida

José Fernandes Castro / Carlos Rocha
Repertório de Nelson Duarte
Música do fado *Sempre que Lisboa canta*

Eu sou um tempo perdido
Nas madrugadas da vida
Sou um fado acontecido
Numa noite florida

Sou um barco sem maré
Neste mar por navegar
Sou alma cheia de fé
Que passa a vida a cantar

Quando a saudade magoa
Minh’alma entoa e
sta canção
E o soluço se apregoa
Mesmo que doa n
o coração
Quando a saudade faz lei
As outras leis s
ão tempo errado
A saudade a que me dei
Tem as leis do 
próprio fado

Eu sou o sopro fugaz
Duma brisa matinal
Sou um poema de paz
Numa guerra triunfal

Sou um livro que se lê
Sou um verso que alguém quer
E assim ando à mercê
Do que a vida me trouxer

Fado menor

Fernando Teles / Popular *fado menor*
Repertório de Maria Alice
Letra extraída do livro *Poetas do Fado Tradicional* de
Daniel Gouveia e Francisco Mendes  

Por eu vender o meu corpo
Olham p’ra mim com desdém
As ricas também se vendem
E tudo lhes fica bem

Ninguém censure a mulher
Que p’ra dar aos filhos pão
Depois de tudo sofrer
Ponha seu corpo em leilão

Não há ninguém que suponha
Qual a cruz do meu penar
É ser mãe e ter vergonha
Dos meus filhitos beijar

À noite quando me deito

Letra e música de António Silva Reis
Repertório de Tony Reis

Sinto-me só 
Quando não 'stás a meu lado
Sinto-me só 
Quando não te canto um fado
Sinto-me só 
À noite quando me deito
E sinto dentro do peito 
A saudade de te ver
Sinto-me só 
E creio, p’ra meu castigo
Que sem ti eu não consigo
Alento para viver


Trago comigo
A mágoa que me devora
Mas que me obriga 
A pensar a toda a hora
Sei p’ra meu bem
Que contigo sou feliz
Porque o amor é também
O fruto d’uma raiz

O filho ceguinho

Amadeu do Vale / Ercília Costa
Repertório de Ercília Costa
Letra extraída do livro *Poetas do Fado Tradicional* 
de Daniel Gouveia e Francisco Mendes

P’ra dar vista ao meu filhinho
Que me nascera ceguinho
Fiz uma promessa a Deus
Que os dois olhos do meu filho
Se um dia tivessem brilho
Prometi cegar os meus

Tanta e tanta devoção
Eu pus na minha oração 
Que ela chegou a Jesus
E por milagre divino
Aos olhos do meu menino 
Chegou finalmente a luz

Muito alegre, fui depressa
P’ra cumprir minha promessa 
Caí aos pés do altar
Ergui meus olhos aos céus
E só por graça de Deus 
Eu não cheguei a cegar

Três degraus, uma cortina

Linhares Barbosa / Popular *fado menor
Repertório de António Rocha
A 2ª estrofe (que não foi gravada pelo António Rocha) 
foi extraída do CD de
Manuel Cardoso de Menezes que gravou esta letra na música do Fado Lopes

Três degraus, uma cortina
Uma imagem de Jesus
E a luz duma lamparina
Iluminando outra cruz


Viela triste e sombria 
Uma mulher de má sina
Um letreiro, hospedaria 
Três degraus, uma cortina

Uma cama improvisada 
Que só miséria traduz
Ao fundo, dependurada 
Uma imagem de Jesus

Sobre uma mesa de pinho 
Uma vela de estearina
Uma garrafa com vinho 
E a luz duma lamparina

Sempre que a mulher se vende 
E o freguês pede mais luz
A vela também se acende 
Iluminando outra cruz

A voz de Portugal

Fernando Teles / Guilherme Coração *fado sem pernas*
Repertório de Maria Alice
Letra extraída do livro *Poetas Populares do Fado Tradicional* 
de Daniel Gouveia e Francisco Mendes

Ter um fado igual ao meu
Ó Coimbra quem te dera
Na Mouraria nasceu
Teve por mãe a Severa

Fado lindo do Mondego 
Cantado por noite fora
À alma tira o sossego 
Que de tanto ouvi-lo chora

O de Lisboa é mais triste
É mais castiço, mais faia
A alma não lhe resiste 
Ouvindo-o logo desmaia

Por mim ou outro cantado 
Na Mouraria ou Choupal
São lindos todos os fados 
São a voz de Portugal

Homem da lezíria

Maria Manuel Cid / Francisco José Marques *fado zé negro
Repertório de Teresa Tarouca

Solta da cinta grosseira
Voava a camisa branca
Que o vento suão enxuga
E o salto de prateleira
Pisa o restolho que arranca
Da terra que a sede enruga

Uma melena teimosa 
Cobre-lhe a testa trigueira
Como mata de capim
E a vara fina e rugosa 
Batia forte a poeira
Da sua calça de brim

Os dentes brancos de neve 
Brilhavam como centelhas
Nos seus lábios sensuais
E mordiscava de leve 
Uma papoila vermelha
Colhida pelos trigais

Leva na bota o esporim 
Como lama de uma vala
Pinga o suor do seu rosto
Nesta lezíria sem fim 
Até o silêncio fala
Nas tardes do mês de Agosto

Os belos tempo d’outrora

Fernando Teles / Popular *fado corrido serrano*
Repertório de Maria Albertina

Letra extraída do livro *Poetas do Fado Tradicional* de
Daniel Gouveia e Francisco Mendes

Os belos tempos d'outrora
São relíquias do passado
Dois impagáveis tesoiros
A guitarra mais o fado


Era na Lisboa antiga 
Quinta-Feira d'Ascensão
Dia de consagração 
Porque era dia de espiga
Com farnéis e sem fadiga 
Assim que raiava a aurora
Toda a gente, campos fora 
Procurava a sombra amena
Ai que saudades, que pena
Dos belos tempos d'outrora

As noites tradicionais 
De todos os nossos santos
Eram motivos de tantos 
Ranchos, bailes, festivais
Os círios e os arraiais 
Rabicha, senhor roubado
Atalaia, sol doirado 
Como tudo isso era lindo
Estas coisas, tempo findo
São relíquias do passado

E nas vésperas de toirada 
Nos retiros, que alegria
Até a nobreza se via 
Pelas mesas abancada
Cantava-se à desgarrada 
Até à vinda dos toiros
Cobriram-se assim de loiros 
Entre a fadistagem vária
A Severa e a Cesária
Dois impagáveis tesoiros

Fidalgos, boémios, artistas 
E toureiros elegantes
Tinham por suas amantes
As cantadeiras bairristas
Nesse tempo de fadistas 
E do Colete Encarnado,
Só nos resta por sagrado 
Penhor bem nacional
Dois filhos de Portugal
A guitarra mais o fado

Destino

Sofia Ferreira / Pedro Marques
Repertório de Sofia Ferreira


Destino meu
Naquela noite em que o negrume te levou
Cravando um punhal
Em minha alma que se acabou

Que faço deste amor
Que a mim me rasga o coração
Que vida será vivida
Agora nesta solidão

Volta por favor
Mais uma vez, p’ra te dizer
Palavras que me fazem enlouquecer

Amor, grito de dor e tormento
Em lágrimas que se soltam pelo vento
Destino que a maré trouxe até mim
Destino que me faz morrer por ti

Rosas

Armando Neves /Armandinho *alexandrino do estoril*
Repertório de Ercília Costa

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Por sob o céu azul 
Do nosso Portugal
Céu que não tem igual 
Em todo o mundo inteiro
Vicejam roseirais
Uns da cor do coral
Outros branco ideal 
Esmalte verdadeiro

E assim as rosas são 
Neste jardim florido
Padrão bem alto erguido 
Às virtudes da raça
O branco simboliza 
O sentimento querido
A paz, amor sentido
Enchendo as almas de graça

O vermelho, esse então 
É sangue abençoado
É sangue derramado 
Em tanta e tanta vez
É Alcácer-Quibir
É Flandres, é Salado
É sangue de soldado
É sangue português

Dia de São Martinho

Isidoro de Oliveira / Manuel Maria Rodrigues
Repertório de *Fado Marialva*

É dia de São Martinho
Dia da prova do vinho
Dos safões e da samarra
E à noite, depois da ceia
À luz frouxa da candeia
Canta-se ao som da guitarra

Veste-se de festa o povo 
Tudo prova o vinho novo
É dia de São Martinho
O vinho a cabeça arrasa 
E à volta para casa
Já ninguém sabe o caminho

Eu falo, digo o que sinto 
Não há nada como o tinto
P’ra aquecer as almas frias
É dia de São Martinho 
Encha lá mais um copinho
Pois um dia não são dias

Atrás dum como outros vão 
E o tosco canjirão
Não pára de servir vinho
Até alta madrugada 
á vinho e castanha assada
É dia de São Martinho

Na minha infãncia

João da Mata / Alfredo Duarte *menor-versiículo*
Repertório de Ercília Costa

Também conhecido pelo título *saudades que matam*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


No jardim da minha infância tão ditosa
Semeei doces quimeras de ansiedade
Plantei ilusões e sonhos cor-de-rosa
Para colher desenganos e saudades

Saudades sinto-as cá dentro do meu peito
Ligadas ao sofrimento verdadeiro
Saudades do lar feliz que foi desfeito
P’los vendavais do destino traiçoeiro

Como é triste a minha sorte como influi
Na certeza de cruéis fatalidades
Pois que eu vivendo saudosa do que fui
Tristemente vou morrendo de saudade

Toca p’rá unha

Maria Manuel Cid / Jaime Santos *fado da bica*
Repertório de Maria do Rosário Bettencourt


Céu dum azul infinito
Tarde linda, praça à cunha
O toiro é negro gravito
Cornetim toca prá unha

E salta lesto prá arena 
O forcado valentão
E pisa a terra morena 
Com altiva decisão

E, todo donaire e graça 
Petulante e atrevida
Citando de praça a praça 
Aguenta a investida

E o povo desvairado 
Com tamanha valentia
Vendo o toiro dominado 
Rompe em alta gritaria

E no brado de respeito 
Como carícia dum beijo
Sente o forcado no peito 
Todo o sol do Ribatejo

Nada a mim me dá cuidado

Conde Sobral / Adriano Batista *fado macau*
Repertório de Leonor Santos


A mim não me dá cuidado
A hora de me deitar
Perder a noite no fado
Não é perder é ganhar

Embora seja egoísta
Ou um caso liquidado
Ser boémia ou ser fadista
A mim não me dá cuidado

Eu quero apenas viver
A vida que me agradar
E não me importa saber
A hora de me deitar

Se preocupar alguém
O meu viver agitado
Perder a noite no fado
Venha comigo, também
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Versão Original
Informação de Daniel Gouveia e Francisco Mendes no livro
*Poetas do Fado Tradicional*
Tema também referenciado com os títulos
*Perder a noite no Fado /ou/ A mim não me dá cuidado*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

A mim não me dá cuidado
A hora de me deitar
Perder a noite no fado
Não é perder é ganhar


Mesmo que seja egoísta 
Ou um caso liquidado
Ser boémio, ou ser fadista
A mim não me dá cuidado

Eu quero apenas viver 
A vida que me agradar
E não me importa saber 
A hora de me deitar

Se preocupar alguém 
Este viver agitado
Venha comigo, também 
Perder a noite no fado

Dirá logo a quem se afoite 
Como ele a criticar
Perder assim uma noite 
Não é perder, é ganhar

Braços de cruz

Maria Manuel Cid / Popular *fado menor*
Repertório de António Mello Correia
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Seis lanternas apagadas
Mais duas deitando luz
Que deixam sombras traçadas
Como os braços duma cruz

Cá dentro a guitarra chora
P'la viola acompanhada
Enquanto a noite lá fora
Vai fugindo à madrugada

Saltam versos desgarrados
Do peito do cantador
Saltam versos, nascem fados
E mais promessas de amor

E quando as almas despertam
Ao romper das madrugadas
Já nem sombras se projectam
Das lanternas apagadas

Amora cantando

Maria de Lurdes Brás / Joaquim Campos *fado amora*
Repertório de Maria de Lurdes Brás


Cá neste lado do rio
Também há fado a preceito
Canta-se o fado com brio
Há fado dentro do peito

Cá na Margem Sul do Tejo 
Há fadistas de valor
Cantar fado é o desejo 
De quem tem ao fado amor

Brilham estrelas no céu 
O sol brilha mais dourado
Navega no Rio Judeu 
A esperança de um novo fado

Como discreta magia
Anda o silêncio no ar
Há mistério e alegria 
Há grandeza no cantar

Cai a noite, amaina o vento 
Leve brisa sopra agora
Para se ouvir sem lamento 
Cantar este fado Amora