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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.260 LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

. . .

Destino

Sofia Ferreira / Pedro Marques
Repertório de Sofia Ferreira


Destino meu
Naquela noite em que o negrume te levou
Cravando um punhal
Em minha alma que se acabou

Que faço deste amor
Que a mim me rasga o coração
Que vida será vivida
Agora nesta solidão

Volta por favor
Mais uma vez, p’ra te dizer
Palavras que me fazem enlouquecer

Amor, grito de dor e tormento
Em lágrimas que se soltam pelo vento
Destino que a maré trouxe até mim
Destino que me faz morrer por ti

Rosas

Armando Neves /Armandinho *alexandrino do estoril*
Repertório de Ercília Costa

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Por sob o céu azul 
Do nosso Portugal
Céu que não tem igual 
Em todo o mundo inteiro
Vicejam roseirais
Uns da cor do coral
Outros branco ideal 
Esmalte verdadeiro

E assim as rosas são 
Neste jardim florido
Padrão bem alto erguido 
Às virtudes da raça
O branco simboliza 
O sentimento querido
A paz, amor sentido
Enchendo as almas de graça

O vermelho, esse então 
É sangue abençoado
É sangue derramado 
Em tanta e tanta vez
É Alcácer-Quibir
É Flandres, é Salado
É sangue de soldado
É sangue português

Dia de São Martinho

Isidoro de Oliveira / Manuel Maria Rodrigues
Repertório de *Fado Marialva*

É dia de São Martinho
Dia da prova do vinho
Dos safões e da samarra
E à noite, depois da ceia
À luz frouxa da candeia
Canta-se ao som da guitarra

Veste-se de festa o povo 
Tudo prova o vinho novo
É dia de São Martinho
O vinho a cabeça arrasa 
E à volta para casa
Já ninguém sabe o caminho

Eu falo, digo o que sinto 
Não há nada como o tinto
P’ra aquecer as almas frias
É dia de São Martinho 
Encha lá mais um copinho
Pois um dia não são dias

Atrás dum como outros vão 
E o tosco canjirão
Não pára de servir vinho
Até alta madrugada 
á vinho e castanha assada
É dia de São Martinho

Na minha infãncia

João da Mata / Alfredo Duarte *menor-versiículo*
Repertório de Ercília Costa

Também conhecido pelo título *saudades que matam*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


No jardim da minha infância tão ditosa
Semeei doces quimeras de ansiedade
Plantei ilusões e sonhos cor-de-rosa
Para colher desenganos e saudades

Saudades sinto-as cá dentro do meu peito
Ligadas ao sofrimento verdadeiro
Saudades do lar feliz que foi desfeito
P’los vendavais do destino traiçoeiro

Como é triste a minha sorte como influi
Na certeza de cruéis fatalidades
Pois que eu vivendo saudosa do que fui
Tristemente vou morrendo de saudade

Toca p’rá unha

Maria Manuel Cid / Jaime Santos *fado da bica*
Repertório de Maria do Rosário Bettencourt


Céu dum azul infinito
Tarde linda, praça à cunha
O toiro é negro gravito
Cornetim toca prá unha

E salta lesto prá arena 
O forcado valentão
E pisa a terra morena 
Com altiva decisão

E, todo donaire e graça 
Petulante e atrevida
Citando de praça a praça 
Aguenta a investida

E o povo desvairado 
Com tamanha valentia
Vendo o toiro dominado 
Rompe em alta gritaria

E no brado de respeito 
Como carícia dum beijo
Sente o forcado no peito 
Todo o sol do Ribatejo

Nada a mim me dá cuidado

Conde Sobral / Adriano Batista *fado macau*
Repertório de Leonor Santos


A mim não me dá cuidado
A hora de me deitar
Perder a noite no fado
Não é perder é ganhar

Embora seja egoísta
Ou um caso liquidado
Ser boémia ou ser fadista
A mim não me dá cuidado

Eu quero apenas viver
A vida que me agradar
E não me importa saber
A hora de me deitar

Se preocupar alguém
O meu viver agitado
Perder a noite no fado
Venha comigo, também
- - - 
- - 
-
Versão Original
Informação de Daniel Gouveia e Francisco Mendes no livro
*Poetas do Fado Tradicional*
Tema também referenciado com os títulos
*Perder a noite no Fado /ou/ A mim não me dá cuidado*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

A mim não me dá cuidado
A hora de me deitar
Perder a noite no fado
Não é perder é ganhar


Mesmo que seja egoísta 
Ou um caso liquidado
Ser boémio, ou ser fadista
A mim não me dá cuidado

Eu quero apenas viver 
A vida que me agradar
E não me importa saber 
A hora de me deitar

Se preocupar alguém 
Este viver agitado
Venha comigo, também 
Perder a noite no fado

Dirá logo a quem se afoite 
Como ele a criticar
Perder assim uma noite 
Não é perder, é ganhar

Braços de cruz

Maria Manuel Cid / Popular *fado menor*
Repertório de António Mello Correia
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Seis lanternas apagadas
Mais duas deitando luz
Que deixam sombras traçadas
Como os braços duma cruz

Cá dentro a guitarra chora
P'la viola acompanhada
Enquanto a noite lá fora
Vai fugindo à madrugada

Saltam versos desgarrados
Do peito do cantador
Saltam versos, nascem fados
E mais promessas de amor

E quando as almas despertam
Ao romper das madrugadas
Já nem sombras se projectam
Das lanternas apagadas

Amora cantando

Maria de Lurdes Brás / Joaquim Campos *fado amora*
Repertório de Maria de Lurdes Brás


Cá neste lado do rio
Também há fado a preceito
Canta-se o fado com brio
Há fado dentro do peito

Cá na Margem Sul do Tejo 
Há fadistas de valor
Cantar fado é o desejo 
De quem tem ao fado amor

Brilham estrelas no céu 
O sol brilha mais dourado
Navega no Rio Judeu 
A esperança de um novo fado

Como discreta magia
Anda o silêncio no ar
Há mistério e alegria 
Há grandeza no cantar

Cai a noite, amaina o vento 
Leve brisa sopra agora
Para se ouvir sem lamento 
Cantar este fado Amora

Meu amor

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Leonor Santos
Este tema também foi gravado por Flora Silva com o título 
*Vai, vai de vez* com autorias atribuídas a: 
Torre da Guia / Alvaro Martins

Meu amor, não quero mais
Ouvir-te mentir assim
Sei que vais de mim p’ra ela
E que vens dela p’ra mim

Meu amor não quero mais
Eu não quero mais tortura
Vai-te embora e leva tudo
Deixa ficar a amargura

Tu gostas dela, eu sei-o bem
Já és mais dela, eu sei também;
P’ra quê mentir, não mintas não
Trago a verdade no coração;
Vai, vai de vez, leva a saudade
Não quero dó nem piedade


Viver assim é um inferno
Em que eu não quero viver
Antes quero a solidão
P’ra me ajudar a esquecer

Vai-te embora por favor
E leva tudo o que é teu
Leva pois o meu amor
Porque ele já não é meu

Perdi-me no teu olhar

Mote: Olegário Mariano / Glosa: Conde Sobral / Alfredo Duarte *fado bailarico*
Repertório de Natália dos Anjos
Também aparece com os títulos *Os teus olhos são dos tais* ou *Teus Olhos
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Os teus olhos são dos tais
Que só se encontra uma vez
Deus fez os teus, não fez mais
Por ver o perigo que fez


Perdido no teu olhar 
A minha vida mudou
E nunca mais encontrou 
Outro caminho a trilhar
Mas nada tenho a ganhar 
Pois sei bem que tu não lês
Na minha alma, nem crês 
Que, distintos dos demais
Os teus olhos são dos tais
Que só se encontra uma vez


Os olhos que Deus te deu 
São para mim tal tormento
Que o meu cruel sofrimento 
Foi conhecido no céu;
E a Santa Lei entendeu 
Tão injusto o meu revés
Que com divina altivez 
Quebrou os moldes fatais
Deus fez os teus, não fez mais
Por ver o perigo que fez

Coisas do coração

Domingos Gonçalves da Costa / Fontes Rocha
Repertório de Augusto Fernandes


O coração que em teu peito
Não palpita de afeição
É todo de gelo feito
E para amar não tem jeito
Nem chega a ser coração

Que nunca amaste ninguém
Afirmas seja a quem for
Cautela, que o dia vem
Em que hás-de gostar de alguém
E despreze o teu amor

Uma paixão 
Nasce dum simples olhar
Como a ilusão 
Nasce dum amor sem par
E nesse jeito
Surge uma falsa afeição
Que pode entrar no teu peito
Onde não há coração


A história do amor é vasta
E às vezes enganadora
Puro amor que se afasta
É muita vez quanto basta
P’rá gente morrer de amor

Não voltes pois a dizer
Que a ninguém tens afeição
Isto de amar e querer
A gente quer porque quer
São coisas do coração
- - -
- - 
-
VERSÃO ORIGINAL
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


O coração que em teu peito 
Não palpita de emoção
É todo de gelo feito
E para amar não tem jeito 
Nem chega a ser coração

Que nunca amaste ninguém 
Afirmas seja a quem for
Cautela, que o dia vem
Em que hás-de gostar de alguém 
Que despreze o teu amor

A história do amor é vasta 
E no mundo enganador
Um puro amor que se afasta
É muita vez quanto basta 
Prá gente morrer de amor

Não voltes pois a dizer 
Que a ninguém tens afeição
Que nisto de amar e querer
A gente quer porque quer 
São coisas do coração

Gôsto de engraçar

Clemente Pereira / Casimiro Ramos *fado fé*
Repertório de Natalindo Duarte

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Tanta graça ela irradia
Que sempre, quando ela passa
Eu digo, sem ironia
Você é Graça Maria
Uma Maria, com graça

Não julgue nisto um gracejo
Porque graça em mim não há
Mas tanta graça em si vejo
Que só lhe peço o sobejo
Da graça que a outros dá

A quem vive, como eu
Com o gosto de engraçar
A graça que Deus lhe deu
Nunca deve, creio eu
A sua graça negar

Mas se um dia, lado a lado
Lá na Graça, a gente passa
Alguém dirá com agrado
Mas que par tão engraçado
Passou agora na Graça

Quanto mais me foge a vida

João Dias / João Blak *fado menor do porto*
Repertório de Lúcio Bamond

Quanto mais me foge a vida
Mais eu gosto de viver
Mal uma esperança perdida
Outra acaba de nascer

Esperamos sempre um bem 
Que por bem nos aconteça
Pois o futuro de alguém 
Não há ninguém que o conheça

Esperança é fogo que arde 
Em fogueira tão teimosa
Que às vezes até um cardo 
Tem p’ra nós valor de rosa

A vida foge-me tanto 
Que às vezes nem sei dizer
Se este canto é o pranto 
Que o cisne canta ao morrer

Requiem por um morgado

João Dias / Popular *fado mouraria*
Repertório de João Casanova

É dono de muitas leiras
Senhor de muito povoado
Aluga braços nas feiras
Onde vai vender o gado

Monta cavalos e fêmeas 
Tem filhos que não conhece
Semeia fomes e sêmeas 
E come o que lhe apetece

Sobre a enorme barriga 
Cadeias de oiro maciço
Prendeu um corno e uma figa 
Para afastar o feitiço

Traz a mulher e a montada
Presas na mesma arreata
E na bota afiambrada 
Usa acicates de prata

Dizem à boca pequena 
Que assassinou um maltês
Por um braçado de lenha 
Deu-lhe dois tiros ou três

Engorda porcos e cães 
E guardas florestais
E outros filhos da mãe 
Que lhes guardam os trigais

Missas de corpo presente 
Pagou-as adiantado
Deus não fia a toda a gente 
E o céu está superlotado

Aqui ficou retratado 
Um morgado d’outros tempos
Que há pouco foi enterrado 
Com todos os sacramentos

Gaivotas em terra

Mascarenhas Barreto / António dos Santos
Repertório de António dos Santos


Gaivotas em terra, de asas fechadas
Marujos sem rumo num banco dum bar
Barcaças dormentes no cais ancoradas
Meninas morenas que sonham casar

Preciso é que voem e que batam as asas
Preciso é que deixem as altas janelas
Preciso é que saiam as portas das casas
Preciso é que soltem amarras e velas

Marujos sozinhos, pensando outro mundo
Meninos em casa, fiando desejo
Preciso é que cruzem seu olhar profundo
Preciso é que colem as bocas num beijo

Mãos de marinheiro não temem procelas
Se houver outras mãos, pr'além vendaval
Rezando por ele, tecendo outras velas
Mais brancas mais belas do seu enxoval

Na gravação de Marco Oliveira, a estrofe apresentada a seguir aparece
na 3ª posição e foi usada em vez da 4ª estrofe da versão original.

As asas são duas se acaso uma ave
Vier cortar céu, lançar-se no ar
A barca só voga se a brisa suave
Vier ternamente casá-la com o mar

Naquela noite

António Vilar da Costa / José Duarte *fado seixal*
Repertório de Joaquim Silveirinha

Na noite de São João
O Chico do Bairro Alto
Com o seu ar folião
E uma guitarra na mão
Pôs o bairro em sobressalto

Sob a janela da Rosa 
À luz argêntea da lua
Cantou com voz maviosa 
Uma quadrinha amorosa
E a Rosa veio prá rua

Traça o xaile de varina 
Responde às quadras singelas
Com a sua voz argentina 
Acompanhando em surdina
Ao compasso das chinelas

Já da fogueira apagada 
Resta um braseiro desfeito
Mas no fim da desgarrada 
Sentem, d’alma apaixonada
Uma fogueira no peito

Das janelas, com calor 
Foram muito aplaudidos
Nenhum levou a melhor 
Mas na luta do amor
Ficaram ambos vencidos

Hoje a Rosa, já casada 
Lembra aquele São João
Quando o Chico à desgarrada 
Na Travessa da Queimada
Lhe queimou o coração

Fado do pão

Artur Soares Pereira / Santos Moreira *fado moreninha*
Repertório de Daniel Gouveia

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


O Necas, um pequeno garotinho
Correndo jovial um certo dia
Foi perguntar de manso ao seu paizinho
Como nascia o pão que ele comia

O pai, sempre pronto a responder
Às perguntas do seu filhinho amado
Desta vez começou por lhe dizer
O pão não nasce feito... é fabricado

É feito de farinha, nota bem
Extraída das espigas, meu amor
Criadas com carinho por alguém
A quem a gente chama *o lavrador*

Ele, de sol a sol cuida da terra
A terra para ele é um tesoiro
Pois é ela que dá, ela é que encerra
Essas espigas lindas, cor do oiro

Só depois de maduras, são colhidas
E depois de batidas, vão então
P’ra moinhos nos quais são reduzidas
À farinha da qual se faz o pão

Que o pão custava tanto, eu não sabia
Disse por fim, o Necas ao paizinho
Mas agora já sei, e de hoje em dia
Não estragarei sequer um bocadinho

Novembro

Ana Sofia Paiva / Marco Oliveira
Repertório de Marco Oliveira


Só… no vazio entardecer
Só… demorando até perder
A vontade ainda de salvar o sol
Que já não quer ficar

Só… singular desilusão
Dor diluída na canção
P’ra esquecer que o amor tem afinal
Um sopro final… e é só

Vem… chegou novembro, o dia clareou
Tanto amor que se gastou
Vem.. que até ao fim será preciso arder
De tanto amar hei-de morrer

Só… no vazio entardecer
Só… demorando até perder
Novembro hás-de esquecer
Sei que hei-de esquecer… tão só

Carta de soldado

José Galhardo / Raúl Ferrão
Repertório de Max

No livro *Poetas do Fado Cancão* de Daniel Gouveia e 
Francisco Mendes esta letra é atribuída a Frederico de Brito

Minha Maria
Vou-te à carta responder
Ai, que alegria 
Que tu me deste em me escrever

Sinto um engulho aqui
Por ser amado
E um grande orgulho 
Por estar longe e ser soldado

Andam-me em Guerra 
Três amores, sabes que mais?
P’la minha terra
P’lo meu bem e p’los meus pais

Quando fores p’ra rezar
Meu amor sem ter fim
Se te der p’ra lembrar
Pede à Virgem por mim
Meu dever tem-me aqui
Qu’ria ver-te outra vez
Mas não volto p’ra ti
Porque sou português


Adeus, Maria
Esta carta vou fechar
E até um dia 
Eu te abrace e volte ao lar

Fala dos teus também
Que p’lo meu lado
Eu estou bem graças a Deus
Muito obrigado

Adeus, cachopa
Meu end’reço é sempre igual
Manel da Tropa
Batalhões de Portugal
- - -
Versão Original
Carta do Soldado [carta soldado rocha]
Criação de Irene Isidro, travestida de soldado, na revista
*A Marcha de Lisboa* Estreia no Teatro Apolo, 1941


Minha Maria
Vou-te à carta arresponder
Ai, que alegria que me deste 
Em me escrever

Sinto um orgulho aqui
Por ser amado
E um grande orgulho 
Por ‘star longe e ser soldado

Andam-me em guerra 
Três amores, sabes que mais?
P’la minha terra, 
P’lo meu bem e p’los meus pais!

Quando fores a rezar
Meu amor sem ter fim
Se te der p’ra alembrar
Pede à Virgem por mim
Meu dever tem-me aqui
Qu’ria ver-te outra vez
Mas não volto p’ra ti
Porque sou português


Adeus, Maria
Que esta carta vou fechar
E até um dia 
Que eu te abrace e volte ao lar

Fala dos teus, da mãe
Que, p’lo meu lado
Graças a Deus, eu fico bem
Muito obrigado

Adeus, cachopa
Meu end’reço é sempre igual
Manel da Tropa
Batalhões de Portugal

Mais um fado patriótico, ao gosto da época, por isso muito datado e por isso caído em desuso.
Hoje não seria entendido como o êxito que foi. 
No entanto, à data da sua criação, estava-se em plena II Guerra Mundial, 1939-45. 
Portugal não entrou nela, mas em 1941 ainda não se sabia como as coisas iriam acabar. 
O Japão tinha invadido Timor-Leste, pelo que a neutralidade de Portugal poderia 
terminar a qualquer momento.

A minha sina é cantar

Manuel de Andrade / Eduardo Lemos
Repertório de Irene Oliveira


A minha sina é cantar 
O fado pelas vielas
E ver abrir as janelas 
À noite de par em par

Ser fadista é o meu fado 
Vaguear de porta em porta
Dedilhar a horas mortas 
A guitarra em tom magoado

Mas que posso mais fazer
Tenho o destino marcado
Ser fadista é o meu fado
E fadista hei-de morrer
Com a guitarra a meu lado
A trinar em tom plangente
Vivo assim, vivo contente
Ser fadista é o meu fado


Às vezes penso em mudar 
Em viver doutra maneira
Ao calor duma lareira 
Ou no sossego do lar

Não consigo, não atino 
Logo que oiço uma guitarra
Volto prá vida de farra 
Pois é este o meu destino
- - -

Esta estrofe não foi gravada
Informação extraída do livro *Poetas do Fado Tradicional*
De Daniel Gouveia e Francisco Mendes


Há quem diga com desdém
Que é tolice, que é loucura
Andar assim à procura
Do valor que o fado tem

Eu sou o fado

Paco Gonzalez / Raúl Ferrão *fado alcântara*
Repertório de Rosa de Jesus


Eu sou o fado
Não se riam, é verdade
Aqui não há falsidade, eu vou contar
Na Mouraria
Numa casinha perdida
Uma velhinha tão querida veio contar

Contou-me a dor 
De ter sido abandonada
E mais tarde desprezada, fugi dali
Amei sofri, beijos 
Senti, beijos sem sorte
E até mesmo a própria morte a Deus pedi

Se nos versos 
Que canto e que choro
Há lágrimas d’oiro de rara beleza
Também são
Para aqueles que riem
A todo o momento, da minha tristeza
Se eu tivesse 
Nascido impostora
Sem fé sem amor, seria adorada
Mas eu cá já nasci fatalista
Eu sou o fado, eu não sou fadista


Eu sou o fado
Esse boémio que chora
E que anda p’la noite fora com a saudade
A voz que grita 
A dor do seu povo amante
Sem esquecer um instante, sua cidade

Sou o poeta das verdades mais amargas
E quem em mil noites de farra
Nunca esqueceu
A Mouraria dessa casinha perdida
Uma velhinha tão querida 
Que já morreu

Moeda de troca

Tiago Torres da Silva / Manuel Graça Pereira
Repertório de Catarina Rocha


Nunca tive moeda de troca
Para o que recebi da saudade
Mas é só pelo que ela me toca
Que tudo o que canto é verdade;
É essa a moeda de troca
Cantar o meu fado
Para o dar à saudade

Mas às vezes o fado acontece
Sem que a gente entenda o que fez
E o fadista cansado agradece
E chora baixinho outra vez


Quero unir a minha às vossas almas
Sem perder a saudade de vista
Não me importa que me batam palmas
Ou gritem à grande *ahhh fadista*;
Quero ouvir o slêncio das almas
Assim que o mistério do fado as conquista

A minha aldeia

Fernando Teles / João Maria dos Anjos
Repertório de Maria Alice
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-tradicional*

É tão linda a minha terra
Essa aldeia pequenina
Desde o alto lá da serra
Até à verde campina

Dentre as latadas de vinha
Que a serrania contém
Alveja branca casinha
Onde morreu minha mãe

Peço a Deus em melodias
A graça desta andorinha
Que é fazer findar os dias
Também na branca casinha

Andam bailando sem Deus

Maria Manuel Cid / Carlos Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Carlos Mendes Pereira


Andam bailando sem Deus
Teus olhos cor de avelã
São cruéis como judeus
Deixam a noite nos meus
E fogem com a manhã

Andam pobres desvairados
Numa corrida sem fim
Andam sós, embriagados
E não param de cansados
Não têm sede de mim

Não bebem da água pura
Da fonte dos meus desejos
Andam loucos na loucura
De não acharem segura
A fartura dos meus beijos

Galgo de corrida

Maria Manuel Cid / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de António Melo Correia
Título original: Ao meu galgo de corrida
Livro *Poetas do Fado Tradicional
De Daniel Gouveia e Francisco Mendes

Ao meu galgo de corrida
Quando morrer vou deixar
A trela que toda a vida
Lhe custou a suportar

O velho cesto de vime 
Onde guardei a coleira
O Maioral que o arrime 
À chama duma fogueira

E do canil, o portão 
Que mandei aferrolhar
Ordeno ao meu Abegão 
Que o abra de par em par

A vara que sempre pus 
Por respeito, à cabeceira
Partida fará a cruz 
Do meu caixão de madeira

E se for ,na realidade 
Esta vontade cumprida
Ganhará a liberdade 
O meu galgo de corrida

Amoroso

Cátia Oliveira / Walter Rolo
Repertório de Catarina Rocha


Cessa-me a fome
Cabeça às voltas
Talvez o dia seja só de convulsão
Coram-me as faces
Velhas palavras
Talvez este mal me fuja à razão

E quem sabe seja até um bom pronúncio
Não consigo já ficar só em silêncio
Perigoso, claro indício
Toda a gente sabe já do que padeço
Toda a gente julga até ser o que eu penso
Amoroso endereço
Vida posta do avesso

Última corrida em Salvaterra

Fernando Teles / Filipe Pinto *fado meia noite estilado*
Versão do repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

É a tarde de mais estival 
Dolente, calma, doirada
E tem começo a toirada 
Na praça monumental
No camarote real 
Há dos Braganças, a flor
E nos outros em redor 
Mulheres, lindos tesoiros
Enfim, é tarde de toiros
Com todo o seu esplendor

Instante supremo e belo 
Entra na arena Fernando
Que garboso, cavalgando 
Cita um toiro de Castelo
Trava-se cruento duelo 
A fera rápida insiste
A montada não resiste 
A esse choque brutal
Só o sol, a cena tal
Alheio, impávido assiste

Ecoa no espaço um brado 
Tremendo da multidão
Capotes rojam no chão 
Anseio desesperado
Mas todo o esforço é baldado 
Ei-lo à morte prisioneiro
Brotam pranto verdadeiro 
Olhos que amar o fitaram;
Pois duas mulheres choraram
A morte do cavaleiro

Vem comigo rapariga

Maria Manuel Cid / Manuel Maria Rodrigues *manel maria*
Repertório de Carlos Mendes Pereira


É Quinta-feira de Espiga
Vem comigo rapariga
Tenho a parelha engatada
Os meus cavalos rucilhos
Já viram passar pampilhos
E fogem não tarda nada

Quero chegar bem cedinho
Ver de perto o burburinho 
Que precede uma toirada
Ouvir estalar os foguetes
E ver vestir os coletes 
A toda a rapaziada

Vê como o sol é mais quente
E como é longo o poente 
Que nos queima e nos trespassa
Anda raivoso a chorar
Por não poder abraçar 
Senão metade da praça

Vem comigo rapariga
E à noite botas cantiga 
Pois é esse o meu desejo
E na barreira a meu lado
Verás um toiro lidado 
Por homens do Ribatejo

Se tu viesses hoje ter comigo

José Gonçalez / Tó Zé Brito
Repertório de José Gonçalez

Se tu viesses hoje ter comigo
Àquela velha casa de nós dois
Ali onde a varanda era abrigo
Duns olhos pendurados no postigo
A reclamar os sonhos pra depois

Se tu viesses hoje de mansinho
Sem que ninguém te visse regressar
Colhia as Buganvílias do caminho
Deixava no portado um só raminho
Pra te pôr no decote a enfeitar

Se tu viesses hoje meu amor
Se tu viesses hoje ser só minha
Sem raivas, sem amarras, sem pudor
Podes crer, meu amor, também eu vinha
Se tu viesses hoje meu amor
Se tu viesses hoje ser só minha
Exangue a desbravar teu corpo em flor
Podes crer, meu amor, também eu vinha


Se tu viesses hoje ao sol poente
Escondia-me na silva mais agreste
Fazia de uma amora confidente
Roubava aquele beijo mais ardente
Ali mesmo nas abas do cipreste

Se tu viesses hoje ao canteiro
Daquelas Margaridas, sem defeitos
Talvez o teu Cupido mais certeiro
Deixasse em minha casa, esse teu cheiro
E enchesse a cama de Amores-Perfeitos

Se tu viesses hoje com a lua
Que sempre vem beijar aquela Malva
Roubava esse teu seio que s’insinua
Espalhava Rosas brancas pela rua
E dizia a toda a gente que te amava

Se tu viesses hoje ter comigo
Àquela velha casa de nós dois
Ali onde a varanda era abrigo
Duns olhos pendurados no postigo
A reclamar os sonhos pra depois

Troca por troca

Domingos G. Costa / Aramando Machado *fado licas*
Versão do repertório de Arminda da Conceição

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Hoje que te perdi mas que não esqueço
Nosso amor que em má hora desprezaste
Faz-me um favor apenas que te peço
Dá-me somente aquilo que levaste

Dá-me as juras d’amor que te jurei
Na febre de te querer, perdida e louca
Que em troca, com prazer, te entregarei
As mentiras que ouvi da tua boca

Dá-me os beijos d’amor que hoje maldigo
Amor que me tornou a vida agreste
Eu quero devolver-te por castigo
Os beijos venenosos que me déste

Após tudo trocado, há um favor
Que te quero rogar por caridade
Troca-me o teu desprezo por amor
E vem matar, amor, esta saudade
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VERSÃO ORIGINAL

Hoje que te perdi mas que não esqueço
Aquele falso amor que me juraste
Apenas um favor hoje te peço
Dá-me apenas aquilo que levaste

Dá-me as juras de amor que te jurei
Na febre de te querer, perdida e louca
Que em troca eu também te entregarei
As mentiras que ouvi da tua boca

Dá-me aquela risonha mocidade
Perdida atrás de um sonho encantador
Que eu te darei, depois, toda a maldade
Que me deixaste, em vez dum puro amor

Após tudo trocado, há um favor
Que te quero rogar por caridade
Troca-me o teu desprezo por amor
E vem matar, amor, esta saudade

Desandar do fado

Conde Sobral / Alfredo Duarte *fado bailarico
Versão do repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Quando Portugal buscava 
O mundo pelo mar fora
No descanso a qualquer hora 
Uma guitarra trinava
Então alguém que a escutava 
Mais saudoso e comovido
Sentia-se como impelido 
A cantar uma afeição
E abrindo o coração
O fado era sentido

Alguém descobriu um dia 
Que o fado tinha beleza
E cometeu a vileza 
De o tirar donde vivia
Desde então a fantasia 
Num capricho desmedido
Roubou-lhe todo o sentido 
Ensinou-lhe falsidade
E o que foi sinceridade
É hoje luxo vendido

Assim o fado à guitarra 
Já não tem o improviso
Nem estila como é preciso 
À sua graça bizarra
Não é boémio, nem farra 
Pelos botequins soezes
Impera em tascos burgueses 
Tem estribilho, é musicado
Hoje é tudo menos fado
E não lhe faltam fregueses 
- - - 
Versão original
Do livro *Poetas do Fado Tradicional de:
Daniel Gouveia e Francisco Mendes

O fado era sentido
Desafogo de revezes
É hoje luxo vendido
E não lhe faltam fregueses

Quando Portugal buscava 
O mundo pelo mar fora
No descanso a qualquer hora 
Uma guitarra trinava
Então alguém que a escutava
 Mais saudoso e comovido
Sentia-se como impelido 
A cantar uma afeição
E abrindo o coração
O fado era sentido

Trazido por quem voltou 
O fado que assim nasceu
Foi cantar de quem sofreu 
Sofrer de quem o cantou
Mas para sempre ficou 
No sentir dos portugueses
Que o escutavam muitas vezes 
Em Alfama e Mouraria
E era quando se ouvia
Desafogo de revezes

Alguém descobriu um dia 
Que o fado tinha beleza
E cometeu a vileza 
De o tirar donde vivia
Desde então a fantasia 
Num capricho desmedido
Roubou-lhe todo o sentido 
Ensinou-lhe falsidade
E o que foi sinceridade
É hoje luxo vendido

Assim o fado à guitarra 
Já não tem o improviso
Nem estila como é preciso 
À sua graça bizarra
Não é boémio, nem farra 
Pelos botequins soezes
Impera em tascos burgueses 
Tem estribilho, é musicado
Hoje é tudo menos fado
E não lhe faltam fregueses

O meu xaile

Amadeu do Vale / Vitor Ramos
Repertório de Hermínia Silva

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Como havia arraial na Mouraria
Vesti a blusa nova e pus um xaile
Um xaile que eu estreei naquela dia
P’ra ir com o meu rapaz ao baile

Esperei por ele no sítio do costume
Como era já noite alta que não vinha
Movida p’lo orgulho e p’lo ciúme
Dispus-me a ir ao baile e fui sozinha

De súbito, senti puxar p'lo xaile
E ouviu-se nessa altura uma cantiga
E vi o meu rapaz entrar no baile
De braço dado a outra rapariga


Tremi de indignação naquele instante
Mas tive dignidade e dominei-me
E com meu xaile novo e arrogante
Sai do baile só e afastei-me

Nem gestos, nem palavras se trocaram
E o baile continuou sempre animado
Somente nossos olhos se encontraram
E viram que este amor tinha acabado

Alguns meses depois voltei ao baile
Mas dessa vez então dancei com ele
Com outra blusa nova e outro xaile
Saí do arraial p'lo braço dele

Amor do fado

Clemente Pereira / Manuel Maria Rodrigues *manel maria*
Repertório de Lucília Gomes

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Lá vai a Rosa d’Alfama
A quem o fado deu fama
De cantadeira singela
Não sei que tem na garganta
Que quando ela o fado canta
Chora a guitarra com ela

Nesse canteiro bairrista 
Aonde se fez fadista 
Onde a cantar começou
Um guitarrista afamado
Um dia tocou seu fado 
Ela o seu fado cantou

Depois já meses passados
Ao unirem seus dois fados 
Num fado só, a rigor
Jamais a Rosa d’Alfama
Passou só com sua fama 
Leva ao lado o seu amor

Ditada p’lo coração
Mora essa grande paixão 
Na mais pequena viela
Agora quando ela canta
A guitarra dele encanta 
Não chora, canta com ela

A vida me fez fadista

Maria Manuel Cid / Joaquim Campos *fado puxavante*
Repertório de Carlos Mendes Pereira


Há quem morra de saudade
Por ter saudades de alguém
Eu vivo cheio de ansiedade
Sem saudades de ninguém

E sinto tanta ternura 
Por tudo o que me rodeia
Que minha dor me tortura 
E também a dor alheia

E foi então senão quando 
Com o peito a transbordar
Cantei e vi-te cantando 
Já não tinha que chorar

E nesta tristeza mista 
De penas, tortura e amor
A dor tornou-me fadista 
Fez-me a vida cantador

Apartamento

Pedro Homem de Mello / Alfredo Duarte *fado págem*
Repertório de Carolina


Lembrava seu corpo ao longe
Um navio naufragado
Disse-lhe adeus, era tarde
Já vinha a sombra a meu lado

Como quem, morta a esperança
Entra em silêncio no mar
Vi seu corpo entrar na treva
Quis-me deitar a afogar
Levei os lábios aos dedos
Caiu-me a noite no peito
Disse-lhe adeus, era tarde
Estava o sonho desfeito

Tudo era noite e segredo
Noite de pedra pesada
Disse-lhe adeus, era tarde
E não lhe disse mais nada

Vassourinha

Segundo o poema *A minha rica filhinha* publicado *Poetas do Fado Tradicional* 
de Daniel Gouveia e Francisco Mendes, o mote é de de Silva Tavares
Glosa de Domingos Gonçalves da Costa / Popular *fado menor*
Repertório de Manuel Fernandes


A minha linda filhinha
Com sua saia de roda
Parece uma vassourinha
A varrer-me a casa toda


Sou pobrezinho, bem sei 
Por o ser não me desdoiro
Contudo tenho um tesoiro 
Que por nada o trocarei:
Nem a riqueza dum rei 
O meu tesoiro amesquinha
Jóia que e minha, só minha 
Que eu guardo com avareza
A minha maior riqueza
A minha linda filhinha

Ai quantas vezes regresso 
Ao meu lar, desiludido
E olhando esse ente querido 
Tristezas, dores, tudo esqueço
Às vezes até pareço 
Possuir a sorte toda
Nada nada me incomoda 
Só esse anjo me fascina
Muito linda, pequenina
Com sua saia de roda

E depois, com amor profundo 
Envolvo-a em ternos abraços
E julgo ter nos meus braços 
Toda a riqueza do mundo
E então de beijos inundo 
Esse corpo de avezinha
Tão frágil, mas que é rainha 
Do meu lar, que enche de encanto
E onde, arrastando o seu manto
Parece uma vassourinha

Vassourinha que levanta
Linda poeira d'estrelas
Em gargalhadas singelas 
Que me inebria e m’encanta
Tem as feições duma santa
Quando séria se acomoda
E sem que ao rigor da moda 
A possa trazer vestida
Deus ma traga toda a vida
A varrer-me a casa toda

Desejo canalha

Silva Tavares / Alfredo Duarte *fado louco*
Versão do repertório de César Morgado
Este tema também aparece com o título *De cada vez que te vejo*

De cada vez que te vejo
Sinto um desejo canalha
Beijar-te e marcar-te o beijo
Co’a ponta duma navalha


Fui libertino, não nego 
Que o amor me sorria
Mas vi-te, e desde esse dia 
Nunca mais tive sossego
Prendeu-me o teu desapego 
Co’as algemas do desejo
Agora, tão louco almejo 
Desse teu corpo o segredo
Que sinto nervos e medo
De cada vez que te vejo

Nervos por tanto desdém 
Medo por não me conter
E de ter que te vencer 
À força, não sendo ao bem
E então, tal febre me vem 
P’ra começar a batalha
Um tal delírio à navalha 
Meus instintos, que te odeio
Que ao ver-te rir, sem receio
Sinto um desejo canalha

Vivo a dor dos malfadados 
Que o destino afoga em lama
Já sinto os olhos em chama 
E sinto os lábios gretados
Os instintos, acordados 
P’las delícias que antevejo
Só premeditam o ensejo 
De possuir-te, apertar-te
Prender e martirizar-te
Beijar-te e marcar-te o beijo

Marcar-to, mas tão somente 
Co’a pressão da minha boca
Pois seria coisa pouca 
Passava facilmente
Não... marcar-te a ferro quente 
Que é marca vil e não falha
Ou então, – que Deus me valha 
P’la luxúria desmedida
Marcar-to, por toda a vida
Co’a ponta duma navalha

As ruas

Castelo Mota / José Maria Nóbrega
Repertório de Celeste Rodrigues


Nas ruas ando perdida
Sonhando ao sabor do luar
No desejo de encontrar
O sentido p’ra dar à vida

Às ruas peço carinho
Que sempre busquei em vão
E suplico à ilusão
Que ilumine o meu caminho

As ruas são
Sempre que te vais embora
O sítio onde a alma reza
Pedindo a Deus qualquer fim
As ruas são
Esquecimento p’ra a tristeza
Que na minha casa mora
Quando estás longe de mim

Não foste justa comigo

António Severino / Carlos da Maia
Repertório de António Severino

Porque razão meu amor
Tu apagaste o calor
Que havia nos nossos beijos
Se tinhas a cada instante
Nos teus braços um amante
A matar os teus desejos

Porque motivo deixaste 
Aquele amor que juraste 
Nunca mais abandonar
Diz-me amor que não esqueceste
Talvez apenas quiseste 
A tua vida mudar

Deixaste-me abandonado
A reviver o passado 
Sem vontade de viver
Se pudesse amar-te ainda
Seria a coisa mais linda 
Que podia acontecer

Não foste justa comigo
Foi muto forte o castigo 
Depois de tanta paixão
Mesmo assim com esta dor
Terás sempre o meu amor 
Guardado no coração

Fado das iscas

Lourenço Rodrigues / Raúl Ferrão *fado das caldas*
Repertório de Hermínia Silva
Criação de Hermínia Silva na revista *Iscas com Elas* 
Estreada no Teatro Apolo em 1938
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção* 

Noutros tempos da ramboia 
Metia sempre tipoia
Os tascos tinham beleza 
Davam gosto as berzundelas
Com conserva à portuguesa 
E as belas iscas com elas

As iscas sabiam bem
Sem elas era um vintém
Quando metia batatas
Trinta reis era um pratinho;
E um tipo nessas frescatas
Enchia o papo de vinho


Belas iscas do Alfaia 
E da Rua da Atalaia
Era um petisco burguês 
Tinha um sabor sem igual
Comido no Alvarez 
Da Rua do Arsenal

Uma isquinha a preceito 
Chega a fazer bem ao peito
Aquele cheirinho a isca 
Até regala os mortais
A gente quando a petisca 
Ai, no fim chora por mais

Vicente da Câmara adotou para o seu repertório esta música
com uma letra de Arnaldo Forte intitulada Fado das Caldas
gravando-a e sendo um dos seus êxitos mais emblemáticos.

Hermínia Silva canta estes dois versos como 
*E um tipo nessas frescatas / Enchia sempre o papinho*
Estrofe não constante do Boletim de Registo da letra
recolhida por audição do disco EP MEP 60 149 Hermínia Silva
Fado do Pistarim - Alvorada/Rádio Triunfo, Lda., Porto, 1957.

Teus olhos são arco-íris

Maria de Lourdes de Carvalho / Popular *fado corrido*
Repertório de Natalino de Jesus


Dois tontos são os teus olhos
Que não têm poiso certo
Amor, não olhes p’ra longe
Sempre que eu esteja por perto

Teus olhos são arco-íris 
Num modo de eternidade
Ora cinzentos doentes 
Ora negros de saudade

Doces, cobertos de azul 
De castanhos, são lembrança
Eu gosto deles bem verdes 
Porque me enchem d’esperança

De qualquer cor que sejam 
A beleza está em ti
Olha-me como quiseres 
Mas olha só para mim

Passagens desta vida

Artur Rocha / Alves Coelho
Repertório de Maria de Lurdes Rezende

Os olhos teus são para os meus duas canções
Que eu aprendi mal que te vi entre visões

No teu olhar eu encontrei minha guarida
Caprichos vários das passagens desta vida

Eu era triste e sozinha 
jamais tinha amado ninguém
Só vivia p'rá dor
Perdida em longo caminho
Sem mais ter encontrado alguém
Por quem sentisse amor

Um dia depois de muito penar
A tua voz me chamou infeliz
Vi então a luz do teu doce olhar
E foi assim que eu comecei a ser feliz

Ó meu amor, m
inha paixão
Meu doce bem
Roubaste à dor um coração 
Sem ter ninguém
Bendito Deus que me tornou 
Assim tão querida
Tudo é preciso nas passagens 
Desta vida

Eu tinha dentro do peito ideais
Que criara a sonhar num secreto sentir
Temendo em sonho desfeito meus ais
Desfiava a rezar sem ninguém os ouvir

Mas quando um dia me viste a chorar
Vergada ao peso da minha paixão
Num triste ai começaste a cantar
E foi assim que me salvaste o coração

Fado das mãos criminosas

Arnaldo Leite e Carvalho Barbosa / Manuel Figueiredo
Versão do repertório de Luís Macieira
Criação de Estêvão Amarante na comédia lírica *Miss Diabo* 1918
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Mãos criminosas
Tristes mãos escorraçadas
Caprichosas, d
esoladas
Mãos de fome e d’amargor
Mãos de miséria
Que jamais um beijo doce vos buscou
Mãos a quem dou 
Toda a minha intensa dor

Mãos friorentas
Pobres mãos espavoridas
Agoirentas, doloridas
Já cansadas de sofrer
Mãos de miséria
Que um fadinho na guitarra soluçais
Mãos que gelais
E que a morte há-de aquecer

Esta letra aproxima-se da poesia convencional, não fossem as referências à Severa
e ao «fadinho na guitarra». 
Tirando esses ingredientes que a colocam no Fado, é indiscutível a densidade 
dramática e a complexidade formal destes versos que, se recuarmos a nossa 
imaginação a 1918 e aos poucos recursos de entretenimento da época, deve 
ter arrancado lágrimas de emoção a não poucos espectadores como era apanágio 
das comédias líricas onde se intercalava um ou outro episódio trágico, a demonstrar 
a versatilidade dos atores-cantores. 
O contraste de ser a morte a aquecer estas mãos que gelaram é um achado poético.

Da partitura Fado das Mãos, Sassetti & C.ª, Lisboa, 1918

Fado da traição

Fernando Teles / Manuel Maria Rodrigues
Repertório de Alice Maria
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Não me importava ser freira
Ter o calvário, o penar
Que teve a mãe de Jesus
E em vez da cruz de madeira
Eu teria de abraçar
Só em teus braços a cruz

Os teus olhos peregrinos
Dum brilho meigo e sereno
Só revelaram traição
Foram punhais assassinos
Embebidos em veneno
Mataram meu coração

Carta para o degredo

Fernando Teles / Direitos reservados
Repertório de Maria Alice
Letra recolhida por audição de um disco de Maria Alice
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Meu amor, felicidade 
Deseja a tua Maria
Quanto a mim a tua ausência 
Vai-me dando o dia a dia;
As maiores ansiedades
Da mais feroz inclemência

São ânsias p’lo teu penar 
São ânsias deste meu medo
De já não te ver voltar 
Desse maldito degredo

Vou-te uma coisa dizer 
Que é para ti novidade
Andei a aprender a ler 
P’ra te escrever à vontade

Já estas letras são minhas 
Recebi a tua carta
Que desconfiança tinhas 
Porém não, nunca se aparta 
De mim, a louca saudade
Este sonho insatisfeito;
Que é toda a minha vontade 
De te apertar contra o peito

Pedes notícias de alguém 
Ouve amor o que te digo
Novas não te dou de quem 
Já não se importa contigo
Notícias só de bom grado 
Eu tas dou da tua mãe
Que de tanto ter chorado 
Já mais lágrimas não tem

Ah, cruel, fatal destino 
Horas amaldiçoadas
Que fez de ti assassino 
E fez duas desgraçadas

Por minha vida te juro 
Que espero por ti meu bem
Ou sou tua no futuro 
Ou não serei de ninguém

Termino esta vida minha 
Desejando feliz sorte
Manda a tua mãezinha 
Um abraço até à morte

São esses os seus desejos 
Adeus querido até um dia
Aceita milhões de beijos 
Da tua sempre Maria

Fui dizer adeus à barra

Fernando Teles / Popular *fado corrido*
Repertório de Maria Alice

Fui dizer adeus à barra
Ao meu amor condenado
Levei-lhe a sua guitarra
P’ra não se esquecer do Fado

Quando de mim se lembrar
Lá nessas terras de além
Ele há-de dizer ao mar
As notas que o fado tem

E as ondas do mar correndo
Trarão o fado consigo
Para assim ele ir sabendo
Quanto sofre o meu amigo

O meu coração foi dele
Como não foi de ninguém
Porque ninguém como aquele
Cantava o fado tão bem.

Letra recolhida por audição do LP Maria Alice
Fados dos anos 20/30
ANT 001, Valentim de Carvalho CI SARL
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

As tuas mãos, guitarrista

Maria Manuel Cid / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Cristina Navarro

São tuas mãos, guitarrista
Que as cordas fazem vibrar
Que me fizeram fadista
E não deixam que resista
Ao desejo de cantar

A guitarra quer-te tanto 
Tem por ti tal afeição
Que te deu consentimento
P’ra desvendares o tormento 
Que guarda no coração

Em teu peito tem guarida 
Em tuas mãos seu penar
Se tu não lhe desses vida
Ficava p’ra ali esquecida 
E não voltava a trinar

E se a tens abandonado 
Não seria mais fadista
Mesmo que fosse cantado
Morria com ela o Fado 
Sem tuas mãos, guitarrista

Tributo a Maurício

Tributo de Artur Santos Pereira
Extraído do livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional 
de Daniel Gouveia e Francisco Mendes

Eu nasci na Mouraria
Quando eu nasci, quem diria
Ter comigo esta virtude
O dom de cantar o Fado
Nesse bairro abençoado
P’la Senhora da Saúde

Ao começar a cantar 
Fiz-me sempre apadrinhar 
Por fadistas de outra era
Pois nasci, por sina minha
Nessa viela estreitinha 
Onde morreu a Severa

Os anos foram passando,
Eu fui crescendo e cantando 
Fiz do Fado a minha lei
E hoje, já embranquecido,
Não estou nada arrependido 
De lhe dar tudo o que dei

A Mouraria não esquece
Qualquer um que a engrandece 
E eu já fui recompensado
Pois a casa onde nasci
Onde brinquei e cresci 
Tem o meu nome gravado

Entre nós nunca houve nada

Letra de Francisco Radamanto 
Repertório de Deolinda Rodrigues
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Se entre nós não houve nada
Porque é que me fere e vive
Este tormento tão estranho
Esta saudade que tenho
Do nada que nunca tive?

Se entre nós não houve nada
Porque é que será, então
Que quando passas começa
A andar-me à roda a cabeça
E aos saltos o coração?

Se entre nós não houve nada
Porque é que, ao sentir-te perto
Toda a vida se resume
Em cor, em luz, em perfume,
E o mundo é um céu aberto?

Se entre nós não houve nada
E se é bom que nada houvesse
Porque é que o nada não presta
E eu poria a alma em festa
Se o «nada» desaparecesse?

Se entre nós não houve nada
Neste ditado me iludo:
Quem porfia sempre alcança
Vou vivendo com a esperança
De que um dia há-de haver tudo

Fado Margarida

Armando Neves / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Margarida Pereira

Há várias «Margaridas» sobre a terra
No seio de infinitos horizontes
Mas a que mais pureza e encanto encerra
É bem a Margarida, a flor dos montes

Margarida do monte, a flor modesta
Das castas Julietas, das Ofélias
Corpo de cortesã e alma honesta
Foi Margarida, a «Dama das Camélias»

Mas, doutra Margarida, agora conte
A modéstia gentil e graça tanta
A eterna «Margarida vai à fonte»
Da formosa canção que o povo canta

De tantas «Margaridas», com certeza
A Margarida sou que menos vale
Singela cantadeira portuguesa
Margarida do Fado em Portugal


Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


A letra que deu origem à música com o mesmo nome, Fado Margarida, composta 
pelo violista Miguel Ramos, é a que se segue. Reina grande confusão ao 
nomeá-la, pois há quem lhe chame «Fado Margaridas», alegando ser a flor 
mencionada no plural. 
Mas também é mencionada no singular e, se outros argumentos faltassem em favor 
de quem lhe chama,  quanto a nós corretamente, «Fado Margarida», existe a 
referência na declaração de registo: «expressamente escrito para Margarida Pereira»
(fadista de alguma notoriedade, na época).
De resto, era uso, nos fados dedicados a uma determinada pessoa, dar-lhes 
por título o nome dessa pessoa (Fado Olga, Fado Aracélia, Fado Helena, etc.).
Seja como for, tornou-se uma das músicas mais populares em Fado, cantada com variadíssimas letras. 
Poeticamente, é um madrigal, com recurso a algum artificialismo 
e rebuscamento, quanto a nós, pouco fadístico. Fica aqui registada, para 
memória futura de quem canta seja que letra for no Fado Margarida.

Ainda não morri

Artur Ribeiro / Armandinho *alexandrino do estoril*
Repertório de Trio Odemira

Ainda não morri pois no meu peito sinto
A bater como outrora este meu coração
Ainda estou aqui por isso não consinto
Que me mandeis agora a vossa compaixão

Ainda não morri, não morri a não ser
Na mente conturbada de quem não quer que viva
Ainda não saí do mundo, podem crer
Muito embora a jornada seja bem cansativa

Ainda não morri, não mandem condolências
Nem digam que não sou capaz de cantar mais
Pois eu não desisti de ser, sem intransigências (a)
O mesmo que criou as canções que cantais
-
No original aparece a palavra *reticências* em vez de *intransigências*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*