-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* 7.280' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

. . .

Eu sou o fado

Paco Gonzalez / Raúl Ferrão *fado alcântara*
Repertório de Rosa de Jesus


Eu sou o fado
Não se riam, é verdade
Aqui não há falsidade, eu vou contar
Na Mouraria
Numa casinha perdida
Uma velhinha tão querida veio contar

Contou-me a dor 
De ter sido abandonada
E mais tarde desprezada, fugi dali
Amei sofri, beijos 
Senti, beijos sem sorte
E até mesmo a própria morte a Deus pedi

Se nos versos 
Que canto e que choro
Há lágrimas d’oiro de rara beleza
Também são
Para aqueles que riem
A todo o momento, da minha tristeza
Se eu tivesse 
Nascido impostora
Sem fé sem amor, seria adorada
Mas eu cá já nasci fatalista
Eu sou o fado, eu não sou fadista


Eu sou o fado
Esse boémio que chora
E que anda p’la noite fora com a saudade
A voz que grita 
A dor do seu povo amante
Sem esquecer um instante, sua cidade

Sou o poeta das verdades mais amargas
E quem em mil noites de farra
Nunca esqueceu
A Mouraria dessa casinha perdida
Uma velhinha tão querida 
Que já morreu

Moeda de troca

Tiago Torres da Silva / Manuel Graça Pereira
Repertório de Catarina Rocha


Nunca tive moeda de troca
Para o que recebi da saudade
Mas é só pelo que ela me toca
Que tudo o que canto é verdade;
É essa a moeda de troca
Cantar o meu fado
Para o dar à saudade

Mas às vezes o fado acontece
Sem que a gente entenda o que fez
E o fadista cansado agradece
E chora baixinho outra vez


Quero unir a minha às vossas almas
Sem perder a saudade de vista
Não me importa que me batam palmas
Ou gritem à grande *ahhh fadista*;
Quero ouvir o slêncio das almas
Assim que o mistério do fado as conquista

A minha aldeia

Fernando Teles / João Maria dos Anjos
Repertório de Maria Alice
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-tradicional*

É tão linda a minha terra
Essa aldeia pequenina
Desde o alto lá da serra
Até à verde campina

Dentre as latadas de vinha
Que a serrania contém
Alveja branca casinha
Onde morreu minha mãe

Peço a Deus em melodias
A graça desta andorinha
Que é fazer findar os dias
Também na branca casinha

Andam bailando sem Deus

Maria Manuel Cid / Carlos Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de Carlos Mendes Pereira


Andam bailando sem Deus
Teus olhos cor de avelã
São cruéis como judeus
Deixam a noite nos meus
E fogem com a manhã

Andam pobres desvairados
Numa corrida sem fim
Andam sós, embriagados
E não param de cansados
Não têm sede de mim

Não bebem da água pura
Da fonte dos meus desejos
Andam loucos na loucura
De não acharem segura
A fartura dos meus beijos

Galgo de corrida

Maria Manuel Cid / Joaquim Campos *fado rosita*
Repertório de António Melo Correia
Título original: Ao meu galgo de corrida
Livro *Poetas do Fado Tradicional
De Daniel Gouveia e Francisco Mendes

Ao meu galgo de corrida
Quando morrer vou deixar
A trela que toda a vida
Lhe custou a suportar

O velho cesto de vime 
Onde guardei a coleira
O Maioral que o arrime 
À chama duma fogueira

E do canil, o portão 
Que mandei aferrolhar
Ordeno ao meu Abegão 
Que o abra de par em par

A vara que sempre pus 
Por respeito, à cabeceira
Partida fará a cruz 
Do meu caixão de madeira

E se for ,na realidade 
Esta vontade cumprida
Ganhará a liberdade 
O meu galgo de corrida

Amoroso

Cátia Oliveira / Walter Rolo
Repertório de Catarina Rocha


Cessa-me a fome
Cabeça às voltas
Talvez o dia seja só de convulsão
Coram-me as faces
Velhas palavras
Talvez este mal me fuja à razão

E quem sabe seja até um bom pronúncio
Não consigo já ficar só em silêncio
Perigoso, claro indício
Toda a gente sabe já do que padeço
Toda a gente julga até ser o que eu penso
Amoroso endereço
Vida posta do avesso

Última corrida em Salvaterra

Fernando Teles / Filipe Pinto *fado meia noite estilado*
Versão do repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

É a tarde de mais estival 
Dolente, calma, doirada
E tem começo a toirada 
Na praça monumental
No camarote real 
Há dos Braganças, a flor
E nos outros em redor 
Mulheres, lindos tesoiros
Enfim, é tarde de toiros
Com todo o seu esplendor

Instante supremo e belo 
Entra na arena Fernando
Que garboso, cavalgando 
Cita um toiro de Castelo
Trava-se cruento duelo 
A fera rápida insiste
A montada não resiste 
A esse choque brutal
Só o sol, a cena tal
Alheio, impávido assiste

Ecoa no espaço um brado 
Tremendo da multidão
Capotes rojam no chão 
Anseio desesperado
Mas todo o esforço é baldado 
Ei-lo à morte prisioneiro
Brotam pranto verdadeiro 
Olhos que amar o fitaram;
Pois duas mulheres choraram
A morte do cavaleiro

Vem comigo rapariga

Maria Manuel Cid / Manuel Maria Rodrigues *manel maria*
Repertório de Carlos Mendes Pereira


É Quinta-feira de Espiga
Vem comigo rapariga
Tenho a parelha engatada
Os meus cavalos rucilhos
Já viram passar pampilhos
E fogem não tarda nada

Quero chegar bem cedinho
Ver de perto o burburinho 
Que precede uma toirada
Ouvir estalar os foguetes
E ver vestir os coletes 
A toda a rapaziada

Vê como o sol é mais quente
E como é longo o poente 
Que nos queima e nos trespassa
Anda raivoso a chorar
Por não poder abraçar 
Senão metade da praça

Vem comigo rapariga
E à noite botas cantiga 
Pois é esse o meu desejo
E na barreira a meu lado
Verás um toiro lidado 
Por homens do Ribatejo

Se tu viesses hoje ter comigo

José Gonçalez / Tó Zé Brito
Repertório de José Gonçalez

Se tu viesses hoje ter comigo
Àquela velha casa de nós dois
Ali onde a varanda era abrigo
Duns olhos pendurados no postigo
A reclamar os sonhos pra depois

Se tu viesses hoje de mansinho
Sem que ninguém te visse regressar
Colhia as Buganvílias do caminho
Deixava no portado um só raminho
Pra te pôr no decote a enfeitar

Se tu viesses hoje meu amor
Se tu viesses hoje ser só minha
Sem raivas, sem amarras, sem pudor
Podes crer, meu amor, também eu vinha
Se tu viesses hoje meu amor
Se tu viesses hoje ser só minha
Exangue a desbravar teu corpo em flor
Podes crer, meu amor, também eu vinha


Se tu viesses hoje ao sol poente
Escondia-me na silva mais agreste
Fazia de uma amora confidente
Roubava aquele beijo mais ardente
Ali mesmo nas abas do cipreste

Se tu viesses hoje ao canteiro
Daquelas Margaridas, sem defeitos
Talvez o teu Cupido mais certeiro
Deixasse em minha casa, esse teu cheiro
E enchesse a cama de Amores-Perfeitos

Se tu viesses hoje com a lua
Que sempre vem beijar aquela Malva
Roubava esse teu seio que s’insinua
Espalhava Rosas brancas pela rua
E dizia a toda a gente que te amava

Se tu viesses hoje ter comigo
Àquela velha casa de nós dois
Ali onde a varanda era abrigo
Duns olhos pendurados no postigo
A reclamar os sonhos pra depois

Troca por troca

Domingos G. Costa / Aramando Machado *fado licas*
Versão do repertório de Arminda da Conceição

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Hoje que te perdi mas que não esqueço
Nosso amor que em má hora desprezaste
Faz-me um favor apenas que te peço
Dá-me somente aquilo que levaste

Dá-me as juras d’amor que te jurei
Na febre de te querer, perdida e louca
Que em troca, com prazer, te entregarei
As mentiras que ouvi da tua boca

Dá-me os beijos d’amor que hoje maldigo
Amor que me tornou a vida agreste
Eu quero devolver-te por castigo
Os beijos venenosos que me déste

Após tudo trocado, há um favor
Que te quero rogar por caridade
Troca-me o teu desprezo por amor
E vem matar, amor, esta saudade
- - -
- - 
-
VERSÃO ORIGINAL

Hoje que te perdi mas que não esqueço
Aquele falso amor que me juraste
Apenas um favor hoje te peço
Dá-me apenas aquilo que levaste

Dá-me as juras de amor que te jurei
Na febre de te querer, perdida e louca
Que em troca eu também te entregarei
As mentiras que ouvi da tua boca

Dá-me aquela risonha mocidade
Perdida atrás de um sonho encantador
Que eu te darei, depois, toda a maldade
Que me deixaste, em vez dum puro amor

Após tudo trocado, há um favor
Que te quero rogar por caridade
Troca-me o teu desprezo por amor
E vem matar, amor, esta saudade

Desandar do fado

Conde Sobral / Alfredo Duarte *fado bailarico
Versão do repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Quando Portugal buscava 
O mundo pelo mar fora
No descanso a qualquer hora 
Uma guitarra trinava
Então alguém que a escutava 
Mais saudoso e comovido
Sentia-se como impelido 
A cantar uma afeição
E abrindo o coração
O fado era sentido

Alguém descobriu um dia 
Que o fado tinha beleza
E cometeu a vileza 
De o tirar donde vivia
Desde então a fantasia 
Num capricho desmedido
Roubou-lhe todo o sentido 
Ensinou-lhe falsidade
E o que foi sinceridade
É hoje luxo vendido

Assim o fado à guitarra 
Já não tem o improviso
Nem estila como é preciso 
À sua graça bizarra
Não é boémio, nem farra 
Pelos botequins soezes
Impera em tascos burgueses 
Tem estribilho, é musicado
Hoje é tudo menos fado
E não lhe faltam fregueses 
- - - 
Versão original
Do livro *Poetas do Fado Tradicional de:
Daniel Gouveia e Francisco Mendes

O fado era sentido
Desafogo de revezes
É hoje luxo vendido
E não lhe faltam fregueses

Quando Portugal buscava 
O mundo pelo mar fora
No descanso a qualquer hora 
Uma guitarra trinava
Então alguém que a escutava
 Mais saudoso e comovido
Sentia-se como impelido 
A cantar uma afeição
E abrindo o coração
O fado era sentido

Trazido por quem voltou 
O fado que assim nasceu
Foi cantar de quem sofreu 
Sofrer de quem o cantou
Mas para sempre ficou 
No sentir dos portugueses
Que o escutavam muitas vezes 
Em Alfama e Mouraria
E era quando se ouvia
Desafogo de revezes

Alguém descobriu um dia 
Que o fado tinha beleza
E cometeu a vileza 
De o tirar donde vivia
Desde então a fantasia 
Num capricho desmedido
Roubou-lhe todo o sentido 
Ensinou-lhe falsidade
E o que foi sinceridade
É hoje luxo vendido

Assim o fado à guitarra 
Já não tem o improviso
Nem estila como é preciso 
À sua graça bizarra
Não é boémio, nem farra 
Pelos botequins soezes
Impera em tascos burgueses 
Tem estribilho, é musicado
Hoje é tudo menos fado
E não lhe faltam fregueses

O meu xaile

Amadeu do Vale / Vitor Ramos
Repertório de Hermínia Silva

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Como havia arraial na Mouraria
Vesti a blusa nova e pus um xaile
Um xaile que eu estreei naquela dia
P’ra ir com o meu rapaz ao baile

Esperei por ele no sítio do costume
Como era já noite alta que não vinha
Movida p’lo orgulho e p’lo ciúme
Dispus-me a ir ao baile e fui sozinha

De súbito, senti puxar p'lo xaile
E ouviu-se nessa altura uma cantiga
E vi o meu rapaz entrar no baile
De braço dado a outra rapariga


Tremi de indignação naquele instante
Mas tive dignidade e dominei-me
E com meu xaile novo e arrogante
Sai do baile só e afastei-me

Nem gestos, nem palavras se trocaram
E o baile continuou sempre animado
Somente nossos olhos se encontraram
E viram que este amor tinha acabado

Alguns meses depois voltei ao baile
Mas dessa vez então dancei com ele
Com outra blusa nova e outro xaile
Saí do arraial p'lo braço dele

Amor do fado

Clemente Pereira / Manuel Maria Rodrigues *manel maria*
Repertório de Lucília Gomes

Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Lá vai a Rosa d’Alfama
A quem o fado deu fama
De cantadeira singela
Não sei que tem na garganta
Que quando ela o fado canta
Chora a guitarra com ela

Nesse canteiro bairrista 
Aonde se fez fadista 
Onde a cantar começou
Um guitarrista afamado
Um dia tocou seu fado 
Ela o seu fado cantou

Depois já meses passados
Ao unirem seus dois fados 
Num fado só, a rigor
Jamais a Rosa d’Alfama
Passou só com sua fama 
Leva ao lado o seu amor

Ditada p’lo coração
Mora essa grande paixão 
Na mais pequena viela
Agora quando ela canta
A guitarra dele encanta 
Não chora, canta com ela

A vida me fez fadista

Maria Manuel Cid / Joaquim Campos *fado puxavante*
Repertório de Carlos Mendes Pereira


Há quem morra de saudade
Por ter saudades de alguém
Eu vivo cheio de ansiedade
Sem saudades de ninguém

E sinto tanta ternura 
Por tudo o que me rodeia
Que minha dor me tortura 
E também a dor alheia

E foi então senão quando 
Com o peito a transbordar
Cantei e vi-te cantando 
Já não tinha que chorar

E nesta tristeza mista 
De penas, tortura e amor
A dor tornou-me fadista 
Fez-me a vida cantador

Apartamento

Pedro Homem de Mello / Alfredo Duarte *fado págem*
Repertório de Carolina


Lembrava seu corpo ao longe
Um navio naufragado
Disse-lhe adeus, era tarde
Já vinha a sombra a meu lado

Como quem, morta a esperança
Entra em silêncio no mar
Vi seu corpo entrar na treva
Quis-me deitar a afogar
Levei os lábios aos dedos
Caiu-me a noite no peito
Disse-lhe adeus, era tarde
Estava o sonho desfeito

Tudo era noite e segredo
Noite de pedra pesada
Disse-lhe adeus, era tarde
E não lhe disse mais nada

Vassourinha

Segundo o poema *A minha rica filhinha* publicado *Poetas do Fado Tradicional* 
de Daniel Gouveia e Francisco Mendes, o mote é de de Silva Tavares
Glosa de Domingos Gonçalves da Costa / Popular *fado menor*
Repertório de Manuel Fernandes


A minha linda filhinha
Com sua saia de roda
Parece uma vassourinha
A varrer-me a casa toda


Sou pobrezinho, bem sei 
Por o ser não me desdoiro
Contudo tenho um tesoiro 
Que por nada o trocarei:
Nem a riqueza dum rei 
O meu tesoiro amesquinha
Jóia que e minha, só minha 
Que eu guardo com avareza
A minha maior riqueza
A minha linda filhinha

Ai quantas vezes regresso 
Ao meu lar, desiludido
E olhando esse ente querido 
Tristezas, dores, tudo esqueço
Às vezes até pareço 
Possuir a sorte toda
Nada nada me incomoda 
Só esse anjo me fascina
Muito linda, pequenina
Com sua saia de roda

E depois, com amor profundo 
Envolvo-a em ternos abraços
E julgo ter nos meus braços 
Toda a riqueza do mundo
E então de beijos inundo 
Esse corpo de avezinha
Tão frágil, mas que é rainha 
Do meu lar, que enche de encanto
E onde, arrastando o seu manto
Parece uma vassourinha

Vassourinha que levanta
Linda poeira d'estrelas
Em gargalhadas singelas 
Que me inebria e m’encanta
Tem as feições duma santa
Quando séria se acomoda
E sem que ao rigor da moda 
A possa trazer vestida
Deus ma traga toda a vida
A varrer-me a casa toda

Desejo canalha

Silva Tavares / Alfredo Duarte *fado louco*
Versão do repertório de César Morgado
Este tema também aparece com o título *De cada vez que te vejo*

De cada vez que te vejo
Sinto um desejo canalha
Beijar-te e marcar-te o beijo
Co’a ponta duma navalha


Fui libertino, não nego 
Que o amor me sorria
Mas vi-te, e desde esse dia 
Nunca mais tive sossego
Prendeu-me o teu desapego 
Co’as algemas do desejo
Agora, tão louco almejo 
Desse teu corpo o segredo
Que sinto nervos e medo
De cada vez que te vejo

Nervos por tanto desdém 
Medo por não me conter
E de ter que te vencer 
À força, não sendo ao bem
E então, tal febre me vem 
P’ra começar a batalha
Um tal delírio à navalha 
Meus instintos, que te odeio
Que ao ver-te rir, sem receio
Sinto um desejo canalha

Vivo a dor dos malfadados 
Que o destino afoga em lama
Já sinto os olhos em chama 
E sinto os lábios gretados
Os instintos, acordados 
P’las delícias que antevejo
Só premeditam o ensejo 
De possuir-te, apertar-te
Prender e martirizar-te
Beijar-te e marcar-te o beijo

Marcar-to, mas tão somente 
Co’a pressão da minha boca
Pois seria coisa pouca 
Passava facilmente
Não... marcar-te a ferro quente 
Que é marca vil e não falha
Ou então, – que Deus me valha 
P’la luxúria desmedida
Marcar-to, por toda a vida
Co’a ponta duma navalha

As ruas

Castelo Mota / José Maria Nóbrega
Repertório de Celeste Rodrigues


Nas ruas ando perdida
Sonhando ao sabor do luar
No desejo de encontrar
O sentido p’ra dar à vida

Às ruas peço carinho
Que sempre busquei em vão
E suplico à ilusão
Que ilumine o meu caminho

As ruas são
Sempre que te vais embora
O sítio onde a alma reza
Pedindo a Deus qualquer fim
As ruas são
Esquecimento p’ra a tristeza
Que na minha casa mora
Quando estás longe de mim

Não foste justa comigo

António Severino / Carlos da Maia
Repertório de António Severino

Porque razão meu amor
Tu apagaste o calor
Que havia nos nossos beijos
Se tinhas a cada instante
Nos teus braços um amante
A matar os teus desejos

Porque motivo deixaste 
Aquele amor que juraste 
Nunca mais abandonar
Diz-me amor que não esqueceste
Talvez apenas quiseste 
A tua vida mudar

Deixaste-me abandonado
A reviver o passado 
Sem vontade de viver
Se pudesse amar-te ainda
Seria a coisa mais linda 
Que podia acontecer

Não foste justa comigo
Foi muto forte o castigo 
Depois de tanta paixão
Mesmo assim com esta dor
Terás sempre o meu amor 
Guardado no coração

Fado das iscas

Lourenço Rodrigues / Raúl Ferrão *fado das caldas*
Repertório de Hermínia Silva
Criação de Hermínia Silva na revista *Iscas com Elas* 
Estreada no Teatro Apolo em 1938
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção* 

Noutros tempos da ramboia 
Metia sempre tipoia
Os tascos tinham beleza 
Davam gosto as berzundelas
Com conserva à portuguesa 
E as belas iscas com elas

As iscas sabiam bem
Sem elas era um vintém
Quando metia batatas
Trinta reis era um pratinho;
E um tipo nessas frescatas
Enchia o papo de vinho


Belas iscas do Alfaia 
E da Rua da Atalaia
Era um petisco burguês 
Tinha um sabor sem igual
Comido no Alvarez 
Da Rua do Arsenal

Uma isquinha a preceito 
Chega a fazer bem ao peito
Aquele cheirinho a isca 
Até regala os mortais
A gente quando a petisca 
Ai, no fim chora por mais

Vicente da Câmara adotou para o seu repertório esta música
com uma letra de Arnaldo Forte intitulada Fado das Caldas
gravando-a e sendo um dos seus êxitos mais emblemáticos.

Hermínia Silva canta estes dois versos como 
*E um tipo nessas frescatas / Enchia sempre o papinho*
Estrofe não constante do Boletim de Registo da letra
recolhida por audição do disco EP MEP 60 149 Hermínia Silva
Fado do Pistarim - Alvorada/Rádio Triunfo, Lda., Porto, 1957.

Teus olhos são arco-íris

Maria de Lourdes de Carvalho / Popular *fado corrido*
Repertório de Natalino de Jesus


Dois tontos são os teus olhos
Que não têm poiso certo
Amor, não olhes p’ra longe
Sempre que eu esteja por perto

Teus olhos são arco-íris 
Num modo de eternidade
Ora cinzentos doentes 
Ora negros de saudade

Doces, cobertos de azul 
De castanhos, são lembrança
Eu gosto deles bem verdes 
Porque me enchem d’esperança

De qualquer cor que sejam 
A beleza está em ti
Olha-me como quiseres 
Mas olha só para mim

Passagens desta vida

Artur Rocha / Alves Coelho
Repertório de Maria de Lurdes Rezende

Os olhos teus são para os meus duas canções
Que eu aprendi mal que te vi entre visões

No teu olhar eu encontrei minha guarida
Caprichos vários das passagens desta vida

Eu era triste e sozinha 
jamais tinha amado ninguém
Só vivia p'rá dor
Perdida em longo caminho
Sem mais ter encontrado alguém
Por quem sentisse amor

Um dia depois de muito penar
A tua voz me chamou infeliz
Vi então a luz do teu doce olhar
E foi assim que eu comecei a ser feliz

Ó meu amor, m
inha paixão
Meu doce bem
Roubaste à dor um coração 
Sem ter ninguém
Bendito Deus que me tornou 
Assim tão querida
Tudo é preciso nas passagens 
Desta vida

Eu tinha dentro do peito ideais
Que criara a sonhar num secreto sentir
Temendo em sonho desfeito meus ais
Desfiava a rezar sem ninguém os ouvir

Mas quando um dia me viste a chorar
Vergada ao peso da minha paixão
Num triste ai começaste a cantar
E foi assim que me salvaste o coração

Fado das mãos criminosas

Arnaldo Leite e Carvalho Barbosa / Manuel Figueiredo
Versão do repertório de Luís Macieira
Criação de Estêvão Amarante na comédia lírica *Miss Diabo* 1918
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Mãos criminosas
Tristes mãos escorraçadas
Caprichosas, d
esoladas
Mãos de fome e d’amargor
Mãos de miséria
Que jamais um beijo doce vos buscou
Mãos a quem dou 
Toda a minha intensa dor

Mãos friorentas
Pobres mãos espavoridas
Agoirentas, doloridas
Já cansadas de sofrer
Mãos de miséria
Que um fadinho na guitarra soluçais
Mãos que gelais
E que a morte há-de aquecer

Esta letra aproxima-se da poesia convencional, não fossem as referências à Severa
e ao «fadinho na guitarra». 
Tirando esses ingredientes que a colocam no Fado, é indiscutível a densidade 
dramática e a complexidade formal destes versos que, se recuarmos a nossa 
imaginação a 1918 e aos poucos recursos de entretenimento da época, deve 
ter arrancado lágrimas de emoção a não poucos espectadores como era apanágio 
das comédias líricas onde se intercalava um ou outro episódio trágico, a demonstrar 
a versatilidade dos atores-cantores. 
O contraste de ser a morte a aquecer estas mãos que gelaram é um achado poético.

Da partitura Fado das Mãos, Sassetti & C.ª, Lisboa, 1918

Fado da traição

Fernando Teles / Manuel Maria Rodrigues
Repertório de Alice Maria
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Não me importava ser freira
Ter o calvário, o penar
Que teve a mãe de Jesus
E em vez da cruz de madeira
Eu teria de abraçar
Só em teus braços a cruz

Os teus olhos peregrinos
Dum brilho meigo e sereno
Só revelaram traição
Foram punhais assassinos
Embebidos em veneno
Mataram meu coração

Carta para o degredo

Fernando Teles / Direitos reservados
Repertório de Maria Alice
Letra recolhida por audição de um disco de Maria Alice
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Meu amor, felicidade 
Deseja a tua Maria
Quanto a mim a tua ausência 
Vai-me dando o dia a dia;
As maiores ansiedades
Da mais feroz inclemência

São ânsias p’lo teu penar 
São ânsias deste meu medo
De já não te ver voltar 
Desse maldito degredo

Vou-te uma coisa dizer 
Que é para ti novidade
Andei a aprender a ler 
P’ra te escrever à vontade

Já estas letras são minhas 
Recebi a tua carta
Que desconfiança tinhas 
Porém não, nunca se aparta 
De mim, a louca saudade
Este sonho insatisfeito;
Que é toda a minha vontade 
De te apertar contra o peito

Pedes notícias de alguém 
Ouve amor o que te digo
Novas não te dou de quem 
Já não se importa contigo
Notícias só de bom grado 
Eu tas dou da tua mãe
Que de tanto ter chorado 
Já mais lágrimas não tem

Ah, cruel, fatal destino 
Horas amaldiçoadas
Que fez de ti assassino 
E fez duas desgraçadas

Por minha vida te juro 
Que espero por ti meu bem
Ou sou tua no futuro 
Ou não serei de ninguém

Termino esta vida minha 
Desejando feliz sorte
Manda a tua mãezinha 
Um abraço até à morte

São esses os seus desejos 
Adeus querido até um dia
Aceita milhões de beijos 
Da tua sempre Maria

Fui dizer adeus à barra

Fernando Teles / Popular *fado corrido*
Repertório de Maria Alice

Fui dizer adeus à barra
Ao meu amor condenado
Levei-lhe a sua guitarra
P’ra não se esquecer do Fado

Quando de mim se lembrar
Lá nessas terras de além
Ele há-de dizer ao mar
As notas que o fado tem

E as ondas do mar correndo
Trarão o fado consigo
Para assim ele ir sabendo
Quanto sofre o meu amigo

O meu coração foi dele
Como não foi de ninguém
Porque ninguém como aquele
Cantava o fado tão bem.

Letra recolhida por audição do LP Maria Alice
Fados dos anos 20/30
ANT 001, Valentim de Carvalho CI SARL
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

As tuas mãos, guitarrista

Maria Manuel Cid / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Cristina Navarro

São tuas mãos, guitarrista
Que as cordas fazem vibrar
Que me fizeram fadista
E não deixam que resista
Ao desejo de cantar

A guitarra quer-te tanto 
Tem por ti tal afeição
Que te deu consentimento
P’ra desvendares o tormento 
Que guarda no coração

Em teu peito tem guarida 
Em tuas mãos seu penar
Se tu não lhe desses vida
Ficava p’ra ali esquecida 
E não voltava a trinar

E se a tens abandonado 
Não seria mais fadista
Mesmo que fosse cantado
Morria com ela o Fado 
Sem tuas mãos, guitarrista

Tributo a Maurício

Tributo de Artur Santos Pereira
Extraído do livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional 
de Daniel Gouveia e Francisco Mendes

Eu nasci na Mouraria
Quando eu nasci, quem diria
Ter comigo esta virtude
O dom de cantar o Fado
Nesse bairro abençoado
P’la Senhora da Saúde

Ao começar a cantar 
Fiz-me sempre apadrinhar 
Por fadistas de outra era
Pois nasci, por sina minha
Nessa viela estreitinha 
Onde morreu a Severa

Os anos foram passando,
Eu fui crescendo e cantando 
Fiz do Fado a minha lei
E hoje, já embranquecido,
Não estou nada arrependido 
De lhe dar tudo o que dei

A Mouraria não esquece
Qualquer um que a engrandece 
E eu já fui recompensado
Pois a casa onde nasci
Onde brinquei e cresci 
Tem o meu nome gravado

Entre nós nunca houve nada

Letra de Francisco Radamanto 
Repertório de Deolinda Rodrigues
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


Se entre nós não houve nada
Porque é que me fere e vive
Este tormento tão estranho
Esta saudade que tenho
Do nada que nunca tive?

Se entre nós não houve nada
Porque é que será, então
Que quando passas começa
A andar-me à roda a cabeça
E aos saltos o coração?

Se entre nós não houve nada
Porque é que, ao sentir-te perto
Toda a vida se resume
Em cor, em luz, em perfume,
E o mundo é um céu aberto?

Se entre nós não houve nada
E se é bom que nada houvesse
Porque é que o nada não presta
E eu poria a alma em festa
Se o «nada» desaparecesse?

Se entre nós não houve nada
Neste ditado me iludo:
Quem porfia sempre alcança
Vou vivendo com a esperança
De que um dia há-de haver tudo

Fado Margarida

Armando Neves / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Margarida Pereira

Há várias «Margaridas» sobre a terra
No seio de infinitos horizontes
Mas a que mais pureza e encanto encerra
É bem a Margarida, a flor dos montes

Margarida do monte, a flor modesta
Das castas Julietas, das Ofélias
Corpo de cortesã e alma honesta
Foi Margarida, a «Dama das Camélias»

Mas, doutra Margarida, agora conte
A modéstia gentil e graça tanta
A eterna «Margarida vai à fonte»
Da formosa canção que o povo canta

De tantas «Margaridas», com certeza
A Margarida sou que menos vale
Singela cantadeira portuguesa
Margarida do Fado em Portugal


Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*


A letra que deu origem à música com o mesmo nome, Fado Margarida, composta 
pelo violista Miguel Ramos, é a que se segue. Reina grande confusão ao 
nomeá-la, pois há quem lhe chame «Fado Margaridas», alegando ser a flor 
mencionada no plural. 
Mas também é mencionada no singular e, se outros argumentos faltassem em favor 
de quem lhe chama,  quanto a nós corretamente, «Fado Margarida», existe a 
referência na declaração de registo: «expressamente escrito para Margarida Pereira»
(fadista de alguma notoriedade, na época).
De resto, era uso, nos fados dedicados a uma determinada pessoa, dar-lhes 
por título o nome dessa pessoa (Fado Olga, Fado Aracélia, Fado Helena, etc.).
Seja como for, tornou-se uma das músicas mais populares em Fado, cantada com variadíssimas letras. 
Poeticamente, é um madrigal, com recurso a algum artificialismo 
e rebuscamento, quanto a nós, pouco fadístico. Fica aqui registada, para 
memória futura de quem canta seja que letra for no Fado Margarida.

Ainda não morri

Artur Ribeiro / Armandinho *alexandrino do estoril*
Repertório de Trio Odemira

Ainda não morri pois no meu peito sinto
A bater como outrora este meu coração
Ainda estou aqui por isso não consinto
Que me mandeis agora a vossa compaixão

Ainda não morri, não morri a não ser
Na mente conturbada de quem não quer que viva
Ainda não saí do mundo, podem crer
Muito embora a jornada seja bem cansativa

Ainda não morri, não mandem condolências
Nem digam que não sou capaz de cantar mais
Pois eu não desisti de ser, sem intransigências (a)
O mesmo que criou as canções que cantais
-
No original aparece a palavra *reticências* em vez de *intransigências*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Cantiga da boa gente

Letra e música de Jorge Brum do Canto
Repertório de Amália
Criação de Amália Rodrigues no filme *Fado Corrido*
Estreado nos cinemas Condes e Roma, em 16/10/1964
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


Três palmos de terra 
Com uma casa à beira
E o Manel mais eu 
Para a vida inteira
Ele e quatro filhos 
São tudo o que eu gosto
Gente mais feliz 
Não há neste mundo, aposto

Vamos p’ró trabalho 
Logo ao clarear
E de sol a sol 
Vá de mourejar
Tenho a vida cheia
Tenho a vida boa
Que Deus sempre ajuda 
A quem é boa pessoa

Quando chega a tarde
Tarde, tardezinha
Já o jantar fumega 
Na lareira da cozinha
Os filhos sorriem
O Manel também
Não há melhor vida 
Que aquela que a gente tem

Os sinos ao longe d
ão Avé-Marias
Reza-se a oração de todos os dias

Menino Jesus
Meu botão de rosa
Faz que a minha gente 
Não seja má nem vaidosa
Menino Jesus
Boquinha de riso
Faz que a minha gente 
Seja gente de juízo

Acabada a reza
Vai-se pró jantar
Se alguém bate à porta 
Também tem lugar

Come do que há
Tarde tardezinha
Mesmo ali, à beira 
Da lareira da cozinha
Os filhos sorriem
O Manel também
Não há melhor vida 
Que aquela que a gente tem

Não invejo nada
Nem quem tem dinheiro
Pois p'ra trabalhar 
Tem-se o mundo inteiro
Basta só fazer 
O que se é capaz
E a felicidade 
Está naquilo que se faz

E assim vou andando 
Na graça de Deus
Em paz e amor 
Com todos os meus
Trabalho não falta 
Todo o santo dia
Mas o coração
Chega a noite, uma alegria

Um bom exemplo do que o Estado Novo gostava de ver propagandeado no 
cinema português de então, uma apologia da modéstia, do trabalho sem 
questionar da falta de ambição, do contentamento com as coisas simples
sempre sob a proteção divina, ao estilo de outras produções similares
como «Uma casa portuguesa», «Um lar português», etc..

Fadistas do Bairro Alto

Frederico de Brito / João Aleixo
Repertório de Tristão da Silva


Fadistas do Bairro Alto
Bota de salto de prateleira
Dos bons, dos tais que dão brado
Batendo o fado em qualquer feira

Hoje há fadinho batido
Todo mexido, todo a gingar
Que mete fidalgaria
E a companhia que se arranjar

Eh lá... a banza p'ra cá
Vai tudo em corrida
Prá espera de gado
Eh lá... quem vem prá rambóia
Que o fado em tipóia
Parece mais fado


Quem nunca andou na boleia
Não faz ideia duma noitada
Perdida, a bater o gado
Também cansado da ramboiada

E depois, já horas mortas
Bater prás hortas sem descansar
E vir depois do sol alto
P'ró Bairro Alto rir e cantar
- - -

Parte da letra que não foi gravada

Ao tilintar das guizeiras
Com camareiras da Mouraria
E o pingalim aos estalos
Os meus cavalos, passam à Guia

Vai tudo a passo travado
Tudo afinado pró Corridinho
Mas hão-de parar nas tascas
Dessas mais rascas que há p’lo caminho


Tristão da Silva, que gravou este fado-canção para a etiqueta “Estoril” em 1953
não canta o fado todo, visto o original ter mais uma volta, praticamente desconhecida.
Repare-se que Frederico de Brito segue, nas voltas desta letra, uma estrutura 
igual à do fado  *Barrete Verde* o que implica semelhanças na música, embora 
os compositores sejam diferentes. 
Já o refrão, em Fadistas do Bairro Alto, além de ter uma estrutura
poético-musical diferente das voltas, como compete, é cantado 
e não apenas instrumental.
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Dito por não dito

Linhares Barbosa / Carlos da Maia
Repertório de Argentina Santos

Minha boa e santa mãe
Eu nunca faço o que dizes
Perdão, mil vezes perdão
Os infelizes não têm
Culpa de ser infelizes
As coisas são o que são

Sempre que oiço os teus conselhos
Prometo, juro seguir 
O teu santo breviário
Caio-te aos pés de joelhos
Beijo-te as mãos a sorrir 
Mas faço sempre o contrário

É que quando ele aparece
O dono da minha vida 
Beija-me e traz-me loucura
Beijando tudo me esquece
Depois fico arrependida 
Em ter-te sido perjura

Mas agora, ó minha mãe
Vou ficar ao pé de ti 
Como quando pequenina
Ai de mim, ele aí vem
Chama por mim e sorri 
Vou seguir a minha sina

Gaivota das Trinas

António Vilar da Costa / Amadeu Ramim
Versão do repertório de Américo Dias
Criação de Lourenço de Oliveira
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*


De manhãzinha passa prá Ribeira
Xaile p’los ombros, canastrinha ao lado
Lá vai gaiata, como vai ligeira
Airosa e fresca trauteando um fado

Chega a fragata, brinca com o arrais
Descalça as chinelas, entra no convés
E já na volta, de regresso ao cais
O próprio Tejo vem beijar-lhe os pés

Maria da Graça
És a graça das varinas
Gaivota das Trinas
Que na Ribeira esvoaça
Os teus amores
Na “lota” já se apregoa
Cuidado com as intrigas
E tu não vás nas cantigas
Do Chico da Madragoa

Se eu possuísse colossal tesouro
Ou se acaso fosse poderoso e rico
Dava-te airosa canastrinha de oiro
Ai que ciúmes eu faria ao Chico

E a canastrinha que anda aí à toa
Tinha outra graça, linda peixeirinha
E entre as varinas lá da Madragoa
Tu tinhas um trono, eras a Rainha
- - -
Versão original

De madrugada passa prá Ribeira
Xaile p’los ombros, canastrinha ao lado
Vai para a “lota”, como vai ligeira
Risonha e fresca trauteando um fado

Chega a fragata, brinca com o arrais
Tira as chinelas, entra no convés
E já na volta, de regresso ao cais
O próprio Tejo vem beijar-lhe os pés

Maria da Graça
És a graça das varinas
Gaivota das Trinas
Que na Ribeira esvoaça
Dos seus amores
Na “lota” já se apregoa
Cautela com as intrigas
E tu não vás nas cantigas
Do Chico da Madragoa

Se eu possuísse colossal tesouro
Se acaso fosse poderoso e rico
Dava-te airosa canastrinha de oiro 
Ai que ciúmes não faria ao Chico 

A canastrinha que seria a c’roa
Da tua graça, linda peixeirinha
De entre as varinas lá da Madragoa
Tinhas um trono e eras a Rainha

Ai Chico, Chico

António Vilar da Costa / Nóbrega e Sousa
Repertório de Amália
Criação de Amália Rodrigues
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

-

De chapéu às três pancadas
E cachené ao pescoço
O Chico nas ramboiadas
Punha um bairro em alvoroço

A mocidade, levou-a 
O tempo ingrato, consigo
E o fado que é seu castigo 
Todas as noites o entoa
Naquele velho postigo 
Onde namora Lisboa

Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê


Em tosca mesa de pinho 
Tem sardinheiras num jarro
Uma botija com vinho 
E um Santo António de barro

Junto ao velho cachené 
E uns calções à Marialva
Guarda um leque verde-malva 
Da cigana Salomé
Por quem o Chico na Agualva
Numa tasca armou banzé

Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê


Na parede, entre dois pares 
De bandarilhas vermelhas
A jaqueta de alamares 
E o chicote das parelhas

Lá tem a cinta e o barrete 
Que ornamentam, mesmo à entrada
A cabeça embalsamada 
Do famoso “Ramalhete”
Que lhe deu luta danada 
Numa pega em Alcochete

Ai Chico, Chico do Cachené
Quem te viu antes e quem te vê

Quando a saudade o visita
E há mais sol na sua vida
Tira dum saco de chita 
Uma guitarra partida

Depois de um copo de vinho 
Seus olhos são toutinegras
E tornam-se, negras, negras 
As melenas cor de arminho
E ali, com todas as regras 
Chorando, canta baixinho

Fado do ganga

Ernesto Rodrigues, João Basto e Félix Bermudes / Venceslau Pinto
Versão do repertório de Carlos Ramos
Criação de Estevão Amarante na revista *Novo Mundo*
Éden Teatro em 1916
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Meus amigos, esta vida
P’ra quem lida
A mourejar cá na roça
É uma grande subida 
Que se leva de vencida
Como quem puxa a carroça

Quando a gente desanima 
E a coisa vai a parar
Aí, ó tás c’a mosca?
Então, adeus ó vindima 
Se não vai chicote acima
Semos uns homens ao mar

Chego-me à besta e zás
A traulitada inté fumega
À companheira e pás
Vão três borrachos p’rá sossega

Por isso eu digo, ó meu amigo
Que esta assistema é inficaz
É preparar p’ra la pregar
C’a mão no ar e o pé atrás


Até mesmo c’as subsistências 
A vossências
Um inzemplo vou dar já
Quer a gente açúcar, pão 
Bacalhau, arroz e grão
Dizem eles que não há

Esta coisa d’intiquetas 
Já não dá nem p’ró pitrólio
Aí, ó cheira-te a palha
Deixa-se a gente de tretas 
É sopapos e galhetas
E acabou-se o manipólio

Vai-se ao padeiro e zás
Logo do pão vem um cabaz
Ao merceeiro e pás
E logo a gente sastifaz
- - -
Versão Original

Meus amigos, esta vida, p’ra quem lida
A mourejar cá na roça
É uma grande subida 
Que se leva de vencida
Como quem puxa a carroça

Quando a gente desanima 
E a coisa vai a parar
Aí, ó!...
Então, adeus ó vindima
Se não vai chicote a cima 
Semos uns homens ao mar

Chego-me à besta e zás 
A traulitada inté fumega
À companheira e trás 
Vão três borrachos prá sossega

Por isso eu digo 
Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar, o pé atrás
Pás!


Mesmo co’as subsistências
A vosselências
Um inzimplo vou dar já
Quer a gente açúcar, pão
Bacalhau, arroz e grão
Dizem eles que não há

Esta léria de intiquetas 
Já não dá nem p’ró pitrólio
Aí, ó!...
Deixa-se a gente de tretas 
E a sopapos e galhetas
Acabou-se o manipólio

Vai ao padeiro e zás 
Logo do pão vem um cabaz
Ao merceeiro e trás 
E logo a gente satisfaz

Por isso eu digo / Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar / O pé atrás
Pás!

Até mesmo no Senado, é usado 
O sistema cá do Zé
Pois em pondo um Almeidista 
Ao lado dum Camachista
É sabido que há banzé

Quando reúne o Congresso 
Dão murros, partem cadeiras
Aí, ó!...
Em eles estando co’a mosca
Mas eu, cá por mim, confesso
Gosto mais deste processo
Do que ouvir dizer asneiras

Fala o mestre Camacho 
António Zé dá-lhe p’ra baixo
E faz melhor discurso 
O que der mais comida de urso

Por isso eu digo 
Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar , o pé atrás
Pás!

Na guerra dos alimões, co’as nações
Tem um exemplo de estalo
Pois, no fim desta embrulhada 
O que der mais traulitada
É que há-de cantar de galo

E quando chegar o dia 
Em que a gente for p’ra guerra
Aí, ó!... 
(Sempre estás com uma pressa)
Então, adeus ó Turquia 
A Alimanha, mais a Áustria
Lá vão de ventas à terra

Vai-se a Verdun e pum 
Arma-se um grande trinta e um
Vai-se a Berlim e pim 
Há banzanada até ao fim

Por isso eu digo 
Ó meu amigo
Este assistema é inficaz
É preparar p’ra lha pregar
A mão no ar, o pé atrás
Pás!
-
De novo o «31» a aparecer (Arma-se um grande trinta e um), agora mais diluído na
sua metáfora, ou talvez não. De resto, a política atravessaria o teatro de revista ao
longo dos tempos, como ingrediente indispensável à obtenção do efeito cómico.
Nele se dizia nas entrelinhas o que não se podia dizer de viva voz, sobretudo quando
a censura «apertou» após 1926. Há até quem diga que a revista perdeu uma parte 
do atrativo com o desaparecimento da censura, em 1974. O fruto proibido deixou 
de sê-lo, logo, deixou de ser apetecido.
Nesta letra, as alusões a políticos são várias, sendo a personagem que a canta
um carroceiro (Estêvão Amarante), tirando-se partido do seu mau português.

Fado do Ganga, por Ganga ser o nome da personagem. «Ganga», no Dicionário 
de Calão de Albino Lapa (1.ª ed., Lisboa, 1959), significa vinho.
No Novo Dicionário de Calão, de Afonso Praça (Editorial Notícias, 1.ª ed., 2001) tão
recente que incorpora o «Fado da Internet» como anexo, regista-se apenas Ganga 
(na)», como «Com muita velocidade». 
Ora, ganga é um tecido grosseiro usado pelos operários e outras profissões, o que 
pode justificar um uso alegórico.
O nosso carroceiro cita as «subsistências», forma por que eram designados os
abastecimentos à população, chegando a haver um Ministério das Subsistências
e Transportes, entre 1918 1 1932
A mensagem de que, apesar dos racionamentos provocados pela I Guerra Mundial 
(1914-1918), tudo se conseguia à bruta deveria fazer exultar o público, embora 
não fosse lá muito ético o procedimento. Mas… vindo de um carroceiro
desculpava-se, dava para rir.
Segue-se a transposição, para o Parlamento, da preconizada rudeza de maneiras.
Citam-se os «Almeidistas», simpatizantes de António José de Almeida, um político
republicano que seria Presidente da República três anos após a estreia deste fado.
O jogo de palavras com «almeidas», calão lisboeta para os varredores de ruas
é patente.
Depois, a letra cita os «Camachistas», adeptos de Brito Camacho, outro líder 
partidário daqueles conturbados tempos
(Quando reúne o Congresso / Dão murros, partem cadeiras)
Ministro do Fomento em 1910-1911, fundador do Partido Unionista.
O assunto do momento era a guerra com os alimões (alemães).
Embora iniciada em 1914, Portugal só entraria nela em 1917, ou seja, no ano seguinte 
ao da estreia da revista Novo Mundo, cujo título já é revelador da sensação de que o
mundo não voltaria a ser como era.
Mas alguns versos de Rodrigues, Bastos e Bermudes eram premonitórios:
E quando chegar o dia / Em que a gente for p’ra guerra…
Como premonitória e patriótica foi a descrição da queda da Turquia, Alimanha e 
Áustria
(sem acento, para rimar com Turquia), já com Portugal empenhado no conflito.
Enfim, a exaltação da traulitada à portuguesa.
Ainda a respeito deste fado, há um episódio curioso, mas pouco conhecido: a certa 
altura, por desinteligências com a empresa, Estevão Amarante abandonou a revista.
e foi a atriz Ema de Oliveira que, em travesti, continuou a interpretar a personagem 
do Ganga, durante o tempo em que a revista esteve em cartaz.

Romantismo

José Fernandes Castro / Daniel Gouveia *fado daniel*
Repertório de José Fernandes Castro

Meu amor... já está na hora 
De levar-te a jantar fora
E alterarmos a rotina
Depois levo-te a dançar
E ao dançar vou apertar
O teu corpo de menina

Faz tempo que penso nisto
E desta vez não desisto 
De cumprir este desejo
Ando até a magicar
Numa forma de voltar 
Ao nosso primeiro beijo 

Veremos o que acontece
Quando o tempo que amanhece 
Nos roubar a luz da lua
Talvez com a alma erguida
Eu diga; sou teu querida 
E tu me digas; sou tua

Seja qual for o desfecho
Não me deixas nem te deixo 
Somos poema maior
Na virtude e no defeito
Dormimos no mesmo leito 
Cobertos p'lo mesmo amor