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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.280' LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

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Solidão

Paulo Abreu Lima / António Zambujo
Repertório de Sara Correia e António Zambujo


Já não sei viver sózinha
Por mais que diga que sim
Parece coisa tão pouca
Um beijo na tua boca
Mas é tanto para mim

E por mais contas que faça
O amor não se explica
Mais forte do que a razão
É dono do coração
E dele não abdica

Vem por isso, meu amor
Mesmo que seja já tarde
Porque é sempre muito cedo
P’ra te dizer em segredo
Que te quero de verdade

Já sinto os passos lá fora
E um baque fundo no peito
Será que chegas agora
Desta espera, hora a hora
Quando sózinha me deito

Esta Ribeira tripeira

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor


Ribeira do meu Porto tão lindo
Deste cais de saudade
Ribeira sem Rabelos com vinho
Porque tens outra idade

Ribeira, tua vida brejeira
Faz inveja à cidade
Ribeira, tens a mesma maneira
De viver com verdade

Esta Ribeira tripeira
Tem cheiro a peixe e a fruta
Esta Ribeira tripeira
Tem a gente que labuta
Esta Ribeira tripeira
Tem domingos de sol quente
Esta Ribeira tripeira
Tem passado e tem presente


Ribeira deste rio afamado
Deste Douro arrogante
Ribeira, tens o gosto que eu trago
A poesia distante

Ribeira, velha companheira
Que me afaga a tristeza
Ribeira do pregão e d’asneira
Quem te vê, vê franqueza

Os teus recados

Manuela de Freitas / José Marques *Fado José Marques 
Repertório de Sara Correia
Esta melodia, sem a rima intercalar, deixa de ser Triplicado e passa a ser
Fado Piscalarete (ou) Fado José Marques

Tu querias me convencer
Que me bastava viver
Dos recados que mandavas
Só recados recebia
Não te falava nem via
Nem sabia onde é que andavas

As noites que não dormi 
À espera, já não de ti
Mas de um recado qualquer
Pedi então que parasses 
Que recados não mandasses
P’ra que eu pudesse esquecer

Para mal dos meus pecados 
Tu mandavas mais recados
Indif’rente ao que eu pedia
E até hoje, sem parar 
Continuas a mandar
P’ra que eu sofra o que sofria

Mas não te prendas comigo 
Eu já nem sequer lhes ligo
Tantos anos já passados
E agora há um bom motivo 
É que o homem com quem vivo
Acha graça aos teus recados

Ilha da Madeira

Mário Teixeira / Artur Ribeiro
Repertório de Max


Quando te deixei, Madeira
Eu trouxe como bagagem
Saudades prá vida inteira
E um beijo teu prá viagem

Agora moro ao abrigo
Desta Lisboa encantada
Que quando sonho contigo
Parece cantar comigo
Esta canção magoada

Minha Madeira querida
Tão pequenina e garrida
Cheia de luz e de cor
Ilha de encanto e beleza
Linda terra portuguesa
Por quem quis ser trovador

Minha Madeira velhinha
És um ninho de andorinha
Vogando no mar sem fim
No meu cantar de saudade
Eu peço a Deus que te guarde
Inteirinha para mim

Coração, tinhas razão

António Rocha / Carlos Simões Neves *fado tamanquinhas*
Repertório de António Rocha


Coração vamos contar
As nossas recordações
Vamos aqui desfiar
Um rosário de paixões
Que tivermos para dar

Lembras o primeiro amor? 
Vá lá não digas que não
Foi de todos o pior  
Mas foi teu Deus e senhor
Lembras-te meu coração?

Depois, mais amores vieram 
Morar na tua afeição
Não te compreenderam 
E tu mal sabias quem eram
Sofreste meu coração

Desde então ao amor cego 
Disseste sempre que não
Tiveste razão não nego
Findou o teu desassossego
Fizeste bem coração

E agora com desventura 
Dizemos e com razão
Que embora seja loucura 
O amor anda à procura
De quem não tem coração

Chegou tão tarde

Letra e música de Joana Espadinha
Repertório de Sara Correia


Meu amor chegou tão tarde 
E o meu canto adormeceu
Não deram sinal os cardos 
E a madeira não rangeu

Mas que casa tão bonita 
Foi vestida de retratos
Mas a história que foi escrita 
Não se pode descoser

Meu amor chegou tão tarde 
Com pezinhos de algodão
Tinha areia no cabelo 
E outra luz no coração

Nossa história foi bonita 
Vou guardá-la enquanto dormes
Que o amor nem acredita 
Que o deitaste fora assim

Meu amor
Devo deixar-te partir
Se já não ardes por mim
Se o coração quis assim
Devo deixar-te seguir
Vai, que preciso chorar em paz
E em cada passo que dás
Chego mais perto de mim


Fui loucura, fui coragem 
Fui tristeza e fui esplendor
Tudo o que me fez amar-te 
Vou guardar e sem rancor

Monto o forte na desdita 
Como tantas vezes fiz
Que o amor nem acredita 
Que não pode ser feliz

O amor de minha mãe

Henrique Abreu / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertório de Henrique Abreu


O amor de minha mãe, o amor perfeito
Cresceu dentro do berço e me embalou
Cresceu e vive agora no meu paito
O amor de minha mãe, veio e ficou

O amor de minha mãe não faz sofrer
Guarda para si mesmo a ingratidão
Finge não ter desgostos mas quer saber
De um filho, que não vence a decepção

O maor de minha mãe, amor sem fim
P’ra sempre na minh’alma residente
E se Deus a quiser levar de mim
Não vai querer levar o amor presente

Dizer não

Letra e música de Luísa Sobral
Repertório de Sara Correia


Não me olhes assim 
Não me toques na mão
Qualquer gesto ou sinal 
Qualquer olhar fatal 
Pode ser o meu fim

Não quero perder 
Tudo aquilo que ganhei
Por um momento de prazer
Algo sem razão de ser 
Algo que não evitei

Fico então no meu canto 
Para nada acontecer
Se sonho contigo ou não 
Ninguém terá de saber

Ah coração mal-educado
Rebelde, tresloucado
Não ouves a razão
E eu que me pensava feliz
Com o amor que sempre quis
Sofro por te dizer não

Tenho a vida das marés

Henrique Abreu / Armando Machado *fado licas*
Repertório de Henrique Abreu


Dizem que eu tenho a vida das marés
Porque nasci da morte em qualquer mar
Percorrendo o mundo de lés a lés
Lancei amarras antes de chegar

Eu destruí o mapa da viagem
Na fogueira que a dor incendiou
Mas fica sempre uma leve miragem
Da bonança que fui e já não sou

Então seguindo a rota do vento
Eu vou gastar as ondas no meu peito
E assim hei-de apagar o sofrimento
Que envolve o meu coração imperfeito

Todo o amor é feito de inconstância
Tal como as marés nunca são iguais
Mas ninguém pode viver de lembrança
De um tempo que não volta nunca mais

Antes que digas adeus

Diogo Clemente / Armando Machado *fado maria rita*
Repertório de Sara Correia


Antes que digas adeus
Vou-te dizer isto assim
Pró caso de te não ver
Os meus olhos são os teus
Não soube ver este fim
E o que for há-de doer

Antes que partas de vez
Meu amor, ouve com calma 
Meu chão, meu porto de abrigo
Fugires de mim é talvez
Mais do que doer-me a alma 
Levares metade contigo

Eu nunca fui de ceder
E o meu orgulho chegou 
Sempre primeiro do que eu
Deu todo o amor a perder
E o que do amor me sobrou 
Guardarei aqui e é só meu

Mas se for este o caminho
Foi por falta de cuidado 
Não há leis na despedida
Sei que vais seguir sozinho
E eu vou sonhar-te a meu lado 
Pró resto da minha vida

A nossa cidade é Lisboa

Diogo Lucena e Quadros
Repertório de José da Câmara


Lisboa tem um céu estrelado
Tem ruas de calçada preta
Tem o Rio Tejo e canta o fado
Lisboa tem alma de poeta

E dias mil vivem nos seus dias
E seu semblante se encanta de os viver
As belas marchas trazem agonias
Que largam tudo e vêem para as ver

Nossa cidade é tão boa 
É Lisboa, é Lisboa
Abre os seus braços pró mar 
É Lisboa, é Lisboa
Uma mulher que apregoa 
É Lisboa, é Lisboa
Põe-nos a alma a cantar
É Lisboa, é Lisboa

Lisboa, para ti o sol sorri
Chego a julgar que ali ele nasceu
Cresceu com as colinas que há p’raí
E assim o namoro aconteceu

E do Castelo que já foi dos mouros
Tua boca vi beijar o Tejo
As caravelas a chegar com ouro
E os marinheiros que a coragem eu invejo

O tempo vem dar razão

Henrique Abreu / Alfredo Duarte *marceneiro*
Repertório de Henrique Abreu


Chegado a esta idade 
Contra ventos e marés
A vida ganha um sentido
Depois de tanto revés 
A vida tem mais verdade
A alma é um porto de abrigo

O tempo vem dar razão 
Dá-nos sempre a conhecer
Aquilo que tem valia
Não ceder à tentação 
Do mal, pelo bem querer
Seguindo a luz que nos guia

No dia que tu chegaste 
Era tempo de mudança
De quem tinha a fé perdida
Era tempo de ter esperança 
E com ela tu mudaste
O rumo da minha vida

O pórtico

Diogo Clemente / Mário Pacheco
Repertório de Sara Correia


Há um pórtico distante no meu canto
Uns dias noite, outros ensolarado
Uns dias riso, outros dias pranto
De dia é vida e de noite é fado

De quando em vez, um pássaro cinzento
Poisa silentemente em meu redor
Depois cala o silêncio e num lamento
Canta-me as profundezas deste amor

Foi desde que cheguei à tua vida
Foi desde que te vi e não te tenho
Há um pórtico imponente, há uma ferida
Há uma dor que trago sem tamanho

Voz de poema

Fernando João / Henrique Lourenço *fado cigana*
Repertório de Fernando João


Minha voz, voz de poema
Buscando a hora suprema
Para cantar poesia
Faz lembrar a madrugada
Cantando sonhos de nada
A qualquer hora do dia

Meu pensamento perdido
Minha noite sem sentido 
Por não ser, noite d’amor
Meu grito, minha revolta
Minha tentação à solta 
Em comunhão com a dor

Minha vida, meu destino
Meu vaguear peregrino 
Nas ruas da sedução
Minha verdade, meu fado
Meu sonho desencantado 
Pela força da paixão

Quero tocar o céu

Maria F.Travassos, J.Bettis / F.Hildenbrand
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Quero tocar o céu e dar-te uma estrela
Viver os dias sem terem fim
E o impossível eu quero fazer
Mudar o mundo só para ti

Quero ficar bem perto de ti
E quando chove poder beijar-te
Tudo o que é lindo faz parte de ti
Num mundo-mentira só tu és verdade

E quando, quando tu me tocas 
Sinto-me heroína
E penso que só eu te posso amar
Quando tu me falas; 
Não estás mais sózinha
Eu estou junto de ti para te amar
Como a luz que te ilumina


Quero que sintas tudo o que senti
Naqueles momentos só de solidão
Estou feliz agora porque estás aqui
Parou de chorar o meu coração

Lembranças do passado

José André / Vicente da Câmara
Repertório de José da Câmara

O fado criou má fama
P’las vielas d’Alfama
Com o seu ar insolente
Ser fadista, usar samarra
Dedilhar uma guitarra
Era coisa deprimente

Agora tudo mudou
E o tempo que o transformou 
Vestiu-o de gente boa
Anda vaidoso e aprumado
Por se saber namorado 
Da nossa linda Lisboa

E com saudosa paixão
Amarrado à tradição 
O Faia da velha escola
‘inda entra no Tacão
E bebe dois ao balcão 
À saída da gaiola

Canto d’alma

Hélder Moutinho / Alfredo Duarte *fado mocita dos caracóis*
Repertório de Joana Almeida


Há um canto que me acalma
Quando a noite cai lá fora
Esta voz que sai da alma
Que atravessa a noite calma
Sem saber aonde mora

Esta mágoa que magoa 
Esta praia abandonada
À beira-mar de Lisboa 
À beira-rio, Madragoa 
No coração naufragada

Madrugada de desejo 
Lua-cheia de paixão
Foi no teu primeiro beijo 
De olhos rasos sobre o Tejo
Que perdi meu coração

Há quem lhe chame tormento 
Fria e terna claridade
Loucura, pranto ou lamento 
Inverso de sofrimento
Só eu lhe chamo saudade

Recebam este fado

Henrique Abreu / Alfredo Duarte *fado cuf*
Repertorio de Henrique Abreu

Recebam este fado que eu vos dou
P’ra matar a saudade na garganta
Todo o fadista é o fado que sonhou
Mesmo que o não entendam quando canta

Todo o fadista sabe porque sofre
Pelas palavras que lhe vão na alma
Todo o fadista anda ao sabor da sorte
Porque tem mais coragem, menos calma

Fado não é palavra vencida
Pese embora o seu significado
Fado é luta, é o crer que se põe na vida
É contruir o futuro sem passado

Deixai cantar que vive por que canta
Deixai que a voz transporte o sentimento
Não é fadista quem perdeu a esperança
De deixar de cantar só sofrimento

Vê se voltas

Gabriel de Oliveira / Jaime Santos *fado mouraria estilizado*
Repertório de Estela Alves
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado onde
aparece com o título *Os degraus da minha escada*

Vê se voltas outra vez
Porque ainda estou lembrada
De subires a três e três
Os degraus da minha escada


Mesmo que sejas ruim 
E embora nada me dês
Eu quero-te ao pé de mim 
Vê se voltas outra vez

Bem sabes que te não esqueço 
E que te sou dedicada
Não estranhes o que te peço 
Porque ainda estou lembrada

Os degraus que antigamente  
Subias com rapidez
É escusado, no presente 
De subires a três e três

Eu quero é ver-te voltar 
Para ficar descansada
Nem que subas devagar 
Os degraus da minha escada

Senhor sapateiro

José Luís Gordo / José da Câmara / Luís Petisca
Repertório de José da Câmara


Senhor sapateiro
Leve-me pouco dinheiro 
Para arranjar meus sapatos
Não têm alma nem sola
Já pediram tanta esmola 
Pelas ruas do cansaço
Às vezes choro com eles 
Sem saber para onde vamos
Senhor sapateiro 
Leve-me pouco dinheiro

Senhor sapateiro
Arranje o esquerdo primeiro
Do lado do coração
E já não tarda janeiro
Vem a chuva, vem a lama
Senhor sapateiro
E depois não tenho cama
Nem brasas no meu braseiro

Senhor sapateiro
Bata a sola devagar
Que este meu pé direito
Não se cansa de andar 
À chuva um inverno inteiro
Sem saber onde ficar

Senhor sapateiro 
Não magoe os meus sapatos
São os meus dois companheiros
Nas horas de desespero
Lembram meus filhos primeiro
Como se fossem retratos

Beijo roubado

Fernando Cardoso / Júlio Proença *fado proença*
Repertório de Joana Almeida


Deste-me um beijo, fugiste
Eu fiquei sentida e triste
Gritei por ti, fiquei rouca
Eu tanho andado a pensar
Se esse modo de beijar
Não será p’ra me pôr louca

Se na verdade assim for
Quem sabe, ó meu amor 
Talvez tu sonhes comigo
E no maio da escuridão
Um longo beijo de paixão 
Dará fim ao meu castigo

Mas esse beijo apressado
Foi recusa, foi recado 
Que me quiseste mandar
Não precisas mais fugir
Nem ale a pena mentir 
Já nem lembro o teu beijar

A Rosa da Mouraria

António José / F.Hildenbrand
Repertório de Maria de Fátima Travassos


A Rosa da Mouraria
Na moldura da janela
Um poema feito povo
E o povo gostava dela

Não conheceu pai nem mãe
Tinha um encanto qualquer
Uma rosa diferente
Num jeito de ser mulher

E quem diria
Na viela tão estreitinha
Toda a velha Mouraria
Fez da Rosa uma raínha
Mas caprichosa
Fez-se a Rosa, quando um dia
Por amor deixou, a Rosa
Para sempre a Mouraria


Nessa janela fechada
Falta a silhueta dela
E quem lá mora não tem
Nenhuma flor à janela

E o povo que se rendia
Junto à janela vistosa
Sente que hoje, a Mouraria
Está mais pobre sem a Rosa

Mui nobre cidade

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor


O Porto é cidade velhinha 
Vestida a cinzento
O Porto é cidade que cresce 
Em cada momento
O Porto tem na sua história
A história do Infante
Que em barcos de estrelas 
Se fez navegante
Em mares de tormento

O Porto tem na sua gente 
O amor pela verdade
O Porto faz sempre vencer 
Sua forte vontade
De ser aquilo que quer 
Num país inconstante
Mas o Porto quer ver 
Menos emigrante
Com menos saudade

O Porto é sempre p’ra todos 
Uma porta aberta
O Porto é a franqueza da alma 
Que em todos desperta
A crença que é preciso ter 
Na sincera amizade
A imagem mais certa da nobre cidade
Cidade do Porto

Perto do mar

M. Marão Travassos / H.Van Gelderen
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Perto do mar eu dou asas
À minha imaginação
E sobrevoo com as garras
Com se fosse um Falcão

Perto do mar eu sou tudo
Sou mulher e sou criança
E revejo no mar salgado
O tempo da minha infãncia

Perto do mar eu sou peixe
Que nada por essa águas
E que pede que não deixem
Lançar as redes malvadas

Perto do mar, sou também
A concha que te murmura
Que ando a morrer por alguém
Que me leva à loucura

Que saudades tenho eu

José da Câmara / Miguel Ramos *fado calisto*
Repertório de José da Câmara


Ai que saudades eu tenho
Dos meus tempos de menino
Correndo Lisboa inteira
Procurando brincadeira
Sem horário nem destino

Que saudades tenho eu 
Cantei o fado com gana
Uma noite das antigas 
No Páteo das cantigas
Do João e Zé Pracana

Eram noites de paixão 
Num compasso quase incerto
Vou ligar p’ra combinar 
Xico’s bar p’ra começar
E os amigos sempre perto

Campo Pequeno à quinta-feira 
Era grande animação
Xafarix era a seguir
O Cajó sempre a partir 
Com a sua precursão

Era sítio obrigatório 
Estava lá toda a semana
Restaurante, bar e fados 
Concerteza estão lembrados
Velho Páteo de Sant’Ana

Passar p’lo Napoleão 
P’ra podermos conversar
No Calvário, está-se a ver
Outra jola pr’aquecer 
E o Bananas a bombar

O luar adormecia 
Fim de noite, grande farra
Ía tudo pró Brim Bar
Pró petisco e p’ra cantar
Mais um copo e uma guitarra

Recordar é sempre bom 
Emoções que não desdenho
Lembrar a minha Lisboa 
Que p’ra mim foi sempre boa
Ai que saudades eu tenho

Os meus olhos já não choram

Manuel Paião / Eduardo Damas
Repertório de Maria Valejo


Os meus olhos já não choram 
Estão cansados de o fazer
Os meus olhos já não choram 
Nem sequer por te não ver

Minhas lágrimas secaram 
Agora já nada imploram
Se ainda sofro por ti 
Os meus olhos já não choram

Meus olhos não choram
Sim… eu já nem sei chorar
Tu deste-me a vida
P’ra depois me a tirar
Chorei o passado
Chorei porque vivi
Meus olhos agora
Nem sequer choram por ti


Como é triste a minha vida 
Que cruel é meu viver
Ter tantas mágoas no peito 
Querer chorar e não poder

Nem sequer estão rasos d’água 
Quando estou comigo a sós
Os meus olhos já não choram 
Nem sequer choram por nós

Fado Joaninha

*soneto da casa*
António Sardinha / José Campos e Sousa
Repertório de José da Câmara


A casa portuguesa caiadinha
De nicho à porta, lampião pendente
Alva mais alva ainda que a farinha
Como de vê-la dá virtude à gente

Seria assim a casa de Joaninha
Seria assim, modesta e sorridente
Atrás unidos, o pomar e a vinha
E o jardinzinho com o lago à frente

Meteu-se um dia a virgem, de jornada
Jornada longa, nunca imaginada
Nem por ser feita santa desta vez

Por não chegar a tempo, é que Maria
Não deu à luz o filho que trazia
Debaixo dum telhado português

Tradições portuguesas

Henrique Abreu / Fontes Rocha *fado isabel
Repertório de Henrique Abreu


Das mais velhas tradições
Que o nosso país mantém
As varinas, o pregão
As palavras que elas têm

As castanhos no inverno 
O fumo desse braseiro
Numa esquina, o fogo eterno 
Sob chuva ou nevoeiro

Vende-se a fruta madura 
Nas ruas mais coloridas
E a carteira mal segura 
Foge das mãos distraídas

Com o vinho que fazemos 
Damos mais sabor à vida
Se ao prová-lo não bebermos 
Mais que a conta e medida

E o fado, doce canção 
Correu mundo e ganhou fama
É a voz do coração 
De quem sente e de quem ama

A forma de te querer

M. Marão Travassos / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Não quero que me queiras só por querer
Nem quero que me ames por amar
Apenas quero chegar a perceber
O que me dizes com o teu olhar

A forma de tu me dizeres, amor
Aquilo que nem tento adivinhar
Pois sei que me vai provocar dor
Dor que não consigo suportar

Mentiste ao dizeres naquele dia
Quero-te como nunca quis ninguém
Pensei qu toda a vida seria tua
Mentiste, porque tu não queres ninguém

Agora adeus amor e até nunca
P’ra ti não existi, não sou ninguém
Quero esquecer que algum dia fui tua
E tu, amor, que foste de mim também

Forcado de Montemor

Francisco Branco Rodrigues / José Duarte *fado seixal*
Repertório de José da Câmara


Forcado de Montemor
Amador nobre e valente
Entre todos o melhor
Quando tem um toiro em frente
Vê-se quem é pegador

Sempre que a trincheira salta 
Com o seu donaire e graça
Logo entusiasma a malta
É que se vai ver na praça 
Como a coragem não falta

Mas se um dia, por azar 
A sorte lhe corre mal
Volta de novo a pegar
Porque é nobre o animal 
Difícil de dominar

E por ter tanto valor 
Da coragem que lhe vejo
É que canto em seu louvor
Sois filhos do Alentejo 
Forcados de Montemor

Anda bonita a solidão

Pedro Silva Martins / Luís José Martins e Pedro Silva Martins
Repertório de Joana Almeida


Anda bonita a solidão
Olha-se ao espelho e sorri
E vai p’la rua a cantar
Belas canções escritas p’ra ti
É bom saber

A incerteza aonde vai?
Porque é que empina o nariz?
Algo terá feito ela mudar
Que já não se demora aqui
É bom saber

É bom saber
Que o tempo vai juntar-se a mim
Ficar melhor, tomar um chá
E alentar a minha dor
Curtir um som e com vagar
Sorrir por fim ao meu amor

E a saudade aonde está?
Que já não canta por aqui
Se calhar está numa de encontrar
Outro sentido para si
É bom saber

Diz que a tristeza me deixou
Que já nem pergunta por mim
Diz quem sabe, que ela se assustou
A ver este final feliz
É bom saber

Um fado à Candeia

Letra e música de Henrique Abreu
Repertório do autor


Eu esta noite vou cantar um fado
À Candeia
À Candeia
A minha voz vai ter um tom magoado
Na Candeia
Na Candeia

Eu quero que esta noite a minha alma
Trespasse a dor que eu sinto cá para fora
E faça renascer de novo a calma
Trazendo a doce esperança a cada hora

Depois eu vou escrever um fado novo
Falando de paixão e amizade
São sentimentos bons e são do povo
E vou querer cantar menos saudade

Vou encontrar mais uma voz fadista
Mais uma nova voz que o fado entoa
Quem sabe se um talento, um novo artista
Que vem de uma qualquer vulgar pessoa

E desse berço eu faço a minha história
Pois tudo o que me resta é gratidão
Não vai apagar nunca da memória
O amor que se guardou no coração

Aquele fado

António José / F.Hildenbrand
Repertório de Maria de Fátima Travassos


Minha mãe cantava um fado
E sentava-se a meu lado
Para eu adormecer
Os versos que então ouvi
Já me falavam de ti
Ainda sem te conhecer

Agora, já sou mulher
Faça eu o que fizer 
O fado deu-me esta herança
Não há nada que destrua
Este jeito de ser tua 
Desde que eu era criança

A gente que nos rodeia
À nossa volta semeia 
Uma seara de intrigas
Mas pouco me hei-de importar
E até deixei de falar 
A duas ou três amigas

Uma guitarra qualquer
Entre as mãos de quem lhe quer 
Oiço ao longe e sabe bem
Sentir que o nosso pecado
Tem sabor áquele fado 
Que me cantou minha mãe

Promessas

Letra e música de Pedro Campos
Repertório de José da Câmara


Promessas das luzes 
Deste bairro que eu conheço
Das noites tão sentidas 
Em que peço a Deus por mim
Momentos perdidos 
Neste tempo que passou
Tão tristes, alegres como eu sou
Fazem parte de mim

Lisboa dos bairros 
Da tristeza que não passa
Das horas que dão vida 
E o sol da Graça da minha dor
Lisboa nasceu assim para mim
Nos braços da Mouraria
E o que ficou foi amor
Lisboa da vida do dia-a-dia
Dos becos, da poesia
O que ficou foi amor

Amante do Tejo

Nuno Manuel Faria / Pedro Pinhal
Repertório de Maja


Manhã, o acordar de um novo dia
No cais velas se agitam no adeus
O vento levanta espuma sobre o rio
A bordo nasce a ideia de um fado

Lisboa
É quem desperta o meu desejo
E eu serei sempre amante
De ti, querido Tejo


À noite recolho a vela da fragata
A lua enamora-se d’Alfama
O céu cobre de estrelas Santo Estevão
O rio serve de leito a quem o ama

Livre para ver o mundo inteiro

Henrique Abreu / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Henrique Abreu


Para não ter que dizer a ninguém
Que o teu amor não era verdadeiro
Escondi o meu sofrimento, não sei bem
Em que cigarro ou em qual cinzeiro

Prometi a mim mesmo o esquecimento
No meu caminho abracei o dia
Condenei as palavras desse tempo
E não ficou mais que nostalgia

Livre para ver o mundo inteiro
E as coissas que ele tem para me dar
Eu sei que não vou ser o primeiro
A encontrar o amor sem procurar

Um homem nunca deve repetir
Os sonhos de triste recordação
Mas nunca deve deixar de sentir
A ternura fiél de um coração

Rapsódia dos três poetas

A.Botto, Ary dos Santos, M.Sá Carneiro / Miguel Ramos e Casimiro Ramos
Repertório de Mísia

FADO PINÓIA
Levo ao ombro as esquinas
Trago varandas no peito
E as pedras pequeninas
São a cama onde me deito

FADO LOLITA
Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas
Pelo chão em desalinho
Vinha longe a madrugada
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e de vinho

FADO ALBERTO
Um pouco mais de sol e eu era brasa
Um pouco mais de azul eu era além
Para atingir faltou-me um golpe de asa
Se ao menos eu permanecesse aquém

FADO CALISTO
Volteiam dentro de mim
Milagres, uivos, castelos
Altas torres de marfim
Forças de luz, pesadelos
Volteiam dentro de mim

FADO MOURARIA
Chamaste-me tua vida
Eu a alma quero ser
A vida acaba na morte
A alma não pode morrer

Minha voz

Gonçalo Salgueiro / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Sofia Ferreira


Na minha boca, o teu poema à solta
Ecoa sob um céu de tempestade
É minha voz maré de amor revolta
Em cantos que se dobram de saudade

Em minha voz és negra madrugada
Jangada que de noite te procura
Nos versos de uma vida naufragada
Teu nome é uma corrente de loucura

Ainda que ancorada na garganta
A voz que com amor te quis rimar
Dorida como o mar que se agiganta
Teu fado nunca pára de cantar

E quando um dia ao nada eu regressar
Como onda que sem praia se perdeu
Talvez possas ouvir na voz do mar
A minha voz que só por ti viveu

Chamar-te de meu amor

Joaquim de Sousa / Popular *fado menor*
Repertório de Fernando João


Quero gritar esta dor
Quero dizer que te amo
Chamar-te de meu amor
Que é como sempre te chamo

Quero sentir teus abraços 
Feitos fonte de ternura
E adormecer em teus braços 
Na sonolência mais pura

Quero ler felicidade 
Nos teus olhos infelizes
E beber toda a verdade 
Das verdades que não dizes

Ser eu, quebrar o encanto 
Deste amor que me sufoca
E beber o sal do pranto 
P’la taça da tua boca

Quero ser o leito frio 
Da corrente dos teus beijos
O silêncio, o cais vazio 
Da frota dos teus desejos

Quero sentir o sabor 
Desta dor que proclamo
Chamar-te de meu amor 
Que é como sempre te chamo

Olhares cruzados

Gabriel de Oliveira / Filipe Pinto “fado meia noite antigo*
Repertório de Natália dos Anjos

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Cruzámos o nosso olhar
E logo nos entendemos
Conjugando o verbo amar
Ambos de amor nos perdemos


Nem sequer te conhecia 
Nunca te vira passar
Quando por acaso, um dia 
Cruzámos o nosso olhar

Foram apenas momentos 
Desses momentos supremos
Trocaram-se os pensamentos 
E logo nos entendemos

Depois disso, conversámos 
E de tanto conversar
Foi assim que começámos 
Conjugando o verbo amar

Agora a vida é ventura 
Pois tão bem nos conhecemos
Que numa doida loucura 
Ambos de amor nos perdemos

HENRIQUE REGO *1893-1963*

Tributo de Armando Neves 

Inspirado poeta – nome escrito 
Com doze estrelas nos anais do “Fado”
Louvá-lo-ei – depois de ter molhado
Minha pena na tinta do Infinito.

Coração d’oiro, espírito bendito,
Tanto à bondade como às musas dado.
Um simples verso seu – poema encantado
Ou uma rima só – radioso grito!

Poeta de tão puro e bom quilate
Merece, em prémio dos seus dons dilectos,
Rosas d’oiro em olímpico açafate…

E eu que sou, em louvar, dos mais discretos,
Para exaltar o plectro deste vate
Comporia, em vez de um, quatro sonetos!

Jóia sagrada

Gabriel de Oliveira / Pedro Rodrigues 
Repertório de Fernando Batista


Eu sou aquela mulher
Por quem tu sofreste um dia
Por ciúme te deixou
Tudo o mais que te disser
Não passa de fantasia
Pois já sabes quem eu sou

Não te venho conquistar
De ti não pretendo nada 
Já sofri, já te vingaste
Venho aqui para falar 
Sobre essa jóia sagrada 
Que há dez anos me roubaste

Quero de novo afagá-la
Cingi-la bem a meu peito 
Numa pressão de ternura 
Quero vê-la e acarinhá-la
Saber o que lhe tens feito 
Contar-lhe a minha tortura 

Faz de mim uma rodilha
Tens razão para o fazer 
Mas és pai e pensa bem
Que essa jóia é nossa filha
E Deus sabe defender 
O sagrado amor de mãe

Amor desfeito

Gabriel de Oliveira / Jaime Santos *fado da bica*
Repertório de Lucília do Carmo


Se o nosso amor se desfez
Só tu fostes o culpado
Porque sofres quando vês
Outro homem a meu lado

Foste mau, foste cruel 
Não me queixei a ninguém
Bebi lágrimas de fel 
Suportando o teu desdém

Dizes-me que não descansas 
E que me vês em teus sonhos
Ai, a dor são as lembranças 
Dos teus remorsos medonhos

É Deus que te faz sofrer 
Vê lá bem o teu castigo
Dormes com outra mulher 
E sonhas sempre comigo

Minhas mãos já não te afagam 
O meu desprezo é enorme
Cá se fazem, cá se pagam 
Bem sabes que Deus não dorme

E se esta gente fosse um fado

Maja Milinkovic / Rodrigo Serrão
Repertório de Maja


E se esta gente fosse um fado
Em que só falta melodia
E o grito mudo nos seus olhos
Não fosse mais que poesia

Que em cada rosto há uma nota
Que espera ainda por nascer
E em cada história uma verdade
Que sobra sempre por dizer

A minha gente é como um fado
Feito de pranto e maresia
E traz na mala esta vontade
De amar mais que o amor, a cada dia
E canta versos à saudade
Em profunda melancolia
A minha gente é como um fado
Que amou p’ra lá da dor, mais que podia

O emigrante e a guitarra

Gabriel de Oliveira / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de Manuel Dias
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Assim que saiu a barra
O emigrante, coitado
Pegou na sua guitarra
E chorou cantando o fado

E lá vai pelo mar fora 
Sabe Deus para que vida
Amaldiçoando a hora 
Negregada da partida

Via-se outra vez menino 
A mãe guiando-lhe os passos
Para afinal, o destino 
Tão longe o levar nos braços

E ao lembrar desta maneira 
A velhinha sua mãe
A guitarra companheira 
Chorou com ele também

Esta noite chora uma guitarra

Letra e música de Maja Milinkovic *fado primeiro*
Repertório da autora


Se fosse um grande amor
Era nosso, era nosso
Se fosse uma grande paixão
Era nossa, era nossa

Duas vezes eu morri
Duas vezes parou o coração
A primeira quando te vi
E quando deixaste-me a mão

Esta noite chora uma guitarra
Só por mim, só para mim
Esta noite saudade é amarra
É mágoa que não tem fim


Com o tempo não passa nada
Ainda dói a mesma dor
Porque naquela madrugada
O tempo morreu com o amor

Dias de Feira da Ladra

Gabriel de Oliveira e António Amargo
Manuel Maria Rodrigues *marcha do manel maria*
Repertório de Manuel de Almeida
Letra transcrita do livro editado pela Academia da 
Guitarra e do Fado onde aparece com o título *Feira da Ladra*

Dias de Feira da Ladra
Santolas e vinho tinto
Guitarradas e cantigas
Desordens, noites na esquadra
Ai que saudades que eu sinto
Por essas coisas antigas

Os Faias mais afamados 
Grandes improvisadores
Não faltavam nesse dia
E dos bairros afastados 
Também vinham cantadores
Tudo ali se reunia

À tarde, a seita abancava
Numa taberna pequena 
Mesmo em frente do jardim
Um dos fadistas cantava
Era o princípio da cena 
Com provocações no fim

Na febre do desafio 
Eram mais que provocantes
As cantigas que cantavam
Davam-se lutas de brio 
Sustentadas nos descantes
Que às vezes tão mal findavam

Dia de Feira da Ladra
Ó fadistagem moderna 
Morreu essa tradição
Desordens, noites na esquadra
Fadistices na taberna 
São coisas que já lá vão

Meu par

Letra e música de João Couto
Repertório de Joana Almeida


Quando passas por mim 
Sei que algo me diz
Que tu és o meu par
Neste mundo sem lei, em ti encontrei
O meu melhor

Mas tu não estás a meu lado
P’ra me apagar do passado
Cada erro que cometi
Passam dias, passam horas
Diz-me porque é que demoras
Se esta voz chama assim por ti

Uma canção mora dentro de mim
Mesmo não sendo tua
Passa na tua rua
Todo o o dia a chamar por ti
Uma canção quer viver em nós
Mesmo que não a oiças
Já não quer outra coisa
Sê meu par
Não a deixes presa na minha voz

Cada noite fugaz eu perco a paz
Quando és o meu par
Nessa dança que encetamos
Nossos fados entrelaçamos

Mas não sei se sou quem tu anseias
Diz-me porque é que vagueias
Nesse vai e vem sem fim
Se este amor que dou inteiro
A um coração prisioneiro
Espera sem se cansar, por ti

Gabriel de Oliveira


Tributo de Armando Neves

Dizer que tem talento o Gabriel
É tarefa escusada, é coisa vã
É perguntar se tem doçura o mel
Se deitam sumo os bagos da romã

Há lá poeta algum que nos revele
Inspiração maior, mais digna e sã
De quanto é popular?! – Apenas ele
Porque a alma do povo é sua irmã


Fonte rara, espontânea de poesia
Da beleza do “Fado” a voz mais bela
Espírito gentil às musas dado

Quando ele nos descreve a Mouraria
Pinta, com mão de mestre, uma aguarela
Sim! Este Poeta é o Pintor do Fado

(in Revista STADIUM, Ano X, nº. 479, 4ª. Feira, 2-7-1941)

(25/3/1891 – 2/8/1953)
GABRIEL da Anunciação D´OLIVEIRA foi um dos melhores poetas que o Fado conheceu. É, todavia, uma figura pouco conhecida
embora os seus fados sejam constantemente cantados.
Com 18 anos, apenas, assentou praça na Marinha de Guerra Portuguesa, no dia 1 de Agosto de 1909. Daí ser conhecido por “Gabriel Marujo”.
Foi Combatente na Primeira Guerra Mundial, já como artilheiro de 1.ª classe, tendo sido condecorado com a Medalha da Vitória.
Poucos como ele souberam descrever, com grande realismo, os ambientes dos velhos bairros de Lisboa e as suas personagens. 
Autor de dezenas de fados famosos, um dos quais "Senhora da Saúde", conhecido normalmente por "Há Festa na Mouraria".
Mereceu figurar na Antologia dos Poetas Modernos Portugueses, organizada por Fernando Pessoa e António Botto. 
Também o grande actor João Villaret não hesitou em incluí-lo em alguns 
recitais de poesia.
Caso curioso é o de Gabriel de Oliveira, apesar da sua extensa produção
nunca se ter inscrito na Sociedade Portuguesa de Autores. 
Deste modo, nunca recebeu quaisquer direitos.”
Daniel Gouveia e Francisco Mendes, Poetas Populares do Fado
Tradicional, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2014.

Amei-te

Gabriel de Oliveira / Alfredo Duarte *marcha do marceneiro"
Repertório de Laurinda Gonçalves

Amei-te cheia de esperança
Veio a dor, foi-se o desejo
Mas as saudades ficaram
Sepultadas na lembrança
Daquele primeiro beijo
Que nossas bocas trocaram

Amei-te meses seguidos
O teu amor fez-me guerra 
Como não fez a ninguém
Tantos castelos erguidos
E tudo tombou por terra
Ao sopro do teu desdém

Amei-te, revendo o pranto
Dos outros que eu desprezava 
Sendo traída por ti
Agora que eu gosto tanto
Daquele que eu não gostava 
Finges tu gostar de mim

Amei-te, tive mau gosto
Esse desgosto contive 
Mas, visto que te esqueci
Foi-se de todo o desgosto
Desse mau gosto que eu tive 
Em gostar tanto de ti

Doença do fado

Gabriel de Oliveira e Linhares Barbosa
Letra transcrita no livro de A. Victor Machado, “Ídolos do Fado” em 1937 
com a indicação de ser da autoria conjunta dos poetas populares 
Linhares Barbosa e Gabriel de Oliveira”, pertencer, ao repertório de 
Alberto Costa e ser cantada na música do Fado Hilário.
Informação retirada do livro *Gabriel de Oliveira* editado pela  
Academia do Fado e da Guitarra*

Quem diz que o fado é doente
Decerto muito se ilude
Quem o Fado canta e sente
Vê-se que sente saúde

Juro por tudo, confesso 
Não vos pretendo enganar
Eu só sinto que adoeço 
Quando não posso cantar

Estive às portas da morte 
E alguém me veio dizer
Canta o fado, faz-te forte 
Cantei, não pude morrer

Tenho azar de quando em quando 
Mas por estranha ironia
Se passo a noite cantando 
Tenho sorte ao outro dia

Se o fado é a melhor festa 
Das festas de Portugal
Não sei que doença é esta 
Que à gente nunca faz mal

Os garotos da Ribeira

Ana Madalena / Pedro Rodrigues
Repertório de Fernando João


Os garotos da Ribeira
São milhafres, são gaivotas
Andorinhas e pardais
Aves que gritam e agitam
E rasgam todas as rotas
Na vida do nosso cais

Alegrias esfarrapadas 
Voando de rua em rua
Na esperança de ver o mar
Sonhando verde navio  
Nas águas do nosso rio
Com asas por alcançar

Cai a noite, eles lá vão  
Em bandos pela cidade
Deixam o cais desolado
Aquelas aves meninos 
Trazem no ar os destinos
A cumprir um triste fado

Quem os vê não os conhece
Já nem sabe decifrar
No rosto, a sua idade
E cada um faz e inventa
Nesta cidade cinzenta 
Um pouco de felicidade

Nunca mais triste

Gonçalo Salgueiro / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Sofia Ferreira


Não há tem nem compasso nesta hora
Em teus braços tudo esqueço ao meu redor
Ao som do nosso amor, a noite chora
E o fado me acontece em tom maior

Trinadas, trago as cordas na garganta
Que ao céu bradam, num corpo de ternura
Ao som do nosso amor, a noite canta
Um fado já despido de amargura

Os fios do meu cabelo são guitarra
E ao toque dos teus dedos ganham vida
Ao do nosso amor, a note amarra
O nosso fado ao seu, amanhecida

Em nós já nada rima com procura
Somos verso que a qualquer tempo resiste
Ao som do nosso amor, a noite jura
Que o fado nunca mais nos será triste

Manifestação

Manuel Fria / Alfredo Marceneiro
Repertório Manuel Fria


Nuvens baixas, altas vozes
Juventude se debate
Na praça da Liberdade
Suas bandeiras levantam
E o riso duma criança
Lutando pela igualdade

Liberdade para os gestos
Porque os caminhos são longos
E os mares não têm fim
Unidos na mesma forma
Venceremos a batalha
Tão difícil e ruim

Somos a voz da razão
De pés assentes no chão
Que renegam injustiça
Pedindo a quem de direito
Que haja ordem e respeito
Pão, sorrisos e justiça

Carta aberta

Cátia de Oliveira / Manuel Graça Pereira
Repertório de Inês Duarte


Faz tempo que não reconheço
Tão densa se mostra a verdade
Vontade de aceitar o preço
Que nos pede a felicidade

E o som da guitarra 
Que cura e amarra
Em mim, a tristeza, no meu ventre
E ao longe a barra 
Escutando a guitarra
Em mim, a chamar-te feito gente

E nem posso chamar-lhe de saudade
A esta dor imensa que me invade
É ter nos dedos a vida escorrendo
E um grande sonho ardendo
Chora o homem na cidade


Faz tempo que só levemente
A alma qu’inda me resta
Se alegra e canta contente
Poemas de um país em festa

Sob o som da guitarra
A fé que se agarra
Paixão ao que o peito mudo sente
Quanto mais as amarras
Mais altas as guitarras
Dirão de que é feita a minha gente

No teu vidro da janela

João Ferreira Rosa / Jaime Santos
Repertório de Nuno da Câmara Pereira


No teu vidro da janela
Eu escrevi, quero-te bem
Tu p’ra mim és uma estrela
Não sonho com mais ninguém

És uma estrela dif’rente 
Daquelas que há no céu
O sol nascente e o poente 
Do que somos tu e eu

Temos o mesmo olhar 
As mesmas mãos inquietas
Acertamos sem falar 
Pensamentos como setas

Há tanto na nossa alma 
Que o teu corpo não descobriu
Há tanto, nada se acalma 
De tão cheio e tão vazio

Meus lábios sangram fado

Gonçalo Salgueiro / Joaquim Campos *fado tango*
Repertório de Sofia Ferreira


Já não vejo as madrugadas
Já não sonho o que vivi
Por entre esperanças esmagadas
Atrás de portas trancadas
Eu já nem espero por ti

Nesta morada esquecida 
Só a dor comigo mora
Porque à tua despedida
Eu fechei a porta à vida 
E deitei a chave fora

P’ra não ver a claridade 
Fiz minha cama no chão
São meus lençóis de ansiedade
Almofadas de saudade 
E a tristeza é meu colchão

Resta-me a vida tão pouca 
Neste quarto abandonado
Escrava desta paixão louca
Fecho os olhos, mordo a boca 
E meus lábios sangram fado

O pregão duma florista

Rui Manuel / Alfredo Marceneiro-Pedro Rodrigues-Joaquim Campos
Repertório de Natalino de Jesus


Menor-versículo
O pregão duma florista, no Rossio
Bate à porta dos ouvidos, de quem passa
Depois junta-se ao perfume, que é vadio
E passeia alegremente, pela praça

Pedro Rodrigues 
Quem comprar leva ternura 
Sobre as pétalas garridas
E por dentro da verdura 
Vão sorrisos à mistura
Com palavras atrevidas

Marcha do Marceneiro
Muitas vezes, o amor 
Lança mão a uma flor
Para abrir uma coração
E por isso, a vendedeira 
Põe malícia na maneira
Como solta o seu pregão

Fado rosita
Leve orquídeas, leve rosas
Ou violetas, se prefere
E desfolhe a mais vaidosa
De entre as flores… a mulher

Não sei

Ricardo Maria Louro / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Mónica de Jesus

Não sei porque te espero, eu já não sei
Silêncio é pra mim noturno tempo
Não quero nada amor do que te dei
Deixa que te cante este lamento

Não sei porque te amei, eu já não sei
Maldigo aquele instante em que te vi
Não sei se te sonhei ou te inventei
Só sei que te não tive e que te quis

É tudo tão diferente ao que eu sonhei
Brutal, o teu silêncio é solidão
Não sei porque te amei, eu já não sei
Só sei que já calei meu coração

Aconchegado à minha mãe

Letra e música de José da Câmara
Repertório do autor


O sonho de um vento de amor
As mãos que protejem tão bem
Sentir que acordei p’ra melhor
Aconchegado à minha mãe

A brisa do amor que chegou
O terno sorriso de alguém
Ajuda a sentir o que sou
E ao lado tenho a minha mãe

O escuro da noite é feroz
E o medo aparece também
Mas logo sinto aquela voz
A voz da minha querida mãe

As luas vão rodopiando
O tempo chega mais além
Vivi minha vida de encanto
E ao lado esteve a minha mãe

Conta-me uma história

Nuno Guimarães / Custódio Castelo
Repertório de Mara Pedro


Conta-me uma história 
Conta-me por favor
Fala-me de coisas lindas 
Fala-me também de amor
Ou da lua que adormece
Nos braços de um céu maior

Tenho uma história escondida
Que tu conheces de cor;
Vive em mim quase perdida
Chama-se às vezes querida
Outras vezes de flor


Outras ouvi murmurar 
Que tu eras cetim
De um reino feito a fingir 
Imaginado por mim
Onde tu eras a lua
Fazendo-me historia tua

A hora agora é de perigo

Doutor Azinhal Abelho / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Manuel Fria


Bate a chuva no telhado
Passa o vento no postigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Haja fome, peste, ou guerra
A hora agora é de perigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Já baixou o céu à terra
Raivas rogo, pragas digo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Uma pedra dura dura
É dura p’ra teu castigo
Que importa que o mundo acabe
Se eu ando de amores contigo

Na nossa rua

Ricardo Maria Louro / Jaime Santos *fado sevilha*
Repertório de Mónica de Jesus


Meu amor, eu não te vi
Ao passar à minha rua
Nessa rua onde vivi
Bem me lembro, não esqueci
Mas a vida continua

Dessa casa que foi branca 
Nada resta de nós dois
Junto à porta há uma santa 
Um letreiro vem depois
Que tristeza não encanta

Na varanda não há flores 
Nem cortinas nas janelas
A fachada não tem cores 
Nada resta, pobre dela
Da casa dos meus amores

Mas no meu peito continua 
Desse tempo que abalou
A saudade nua e crua 
Que da casa já passou
Mas ficou na nossa rua

Canta meu bem

Cátia de Oliveira / Manuel Graça Pereira
Repertório de Inês Duarte


Por mais que a gente diga
A tudo me calo
Não guardo rancor
Pouco importa amor
Se nem o padre nos aprova
Do meu amor quem sabe?
Sei eu só onde cabe
E é nos braços teus 
Cruzados nos meus
Que o meu amor se renova

Canta comigo
Canta lá este meu fado
Canta meu bem, canta meu bem
Sonho contigo
Sonho ver-te em todo o lado
E a mais ninguém, a mais ninguém


Passo sem dar conversa
Não ouço conselho
O meu pai não quer
Mas venha quem vier
Dizer que este amor não é certo
Quem sabe do que sinto?
Deste amor tão distinto?
Herança que vai,
Bonança que vem
No teu peito sempre perto

Rapariga da estação

Letra e música de Duarte
Repertório do autor


Não sei se tinha chegado
Se porventura partia
Mas tinha um lugar sentado
E reparei no que lia

Cabelos negros caídos 
Longos, lisos, deprimidos
Escodem o decote ousado 
Do seu cinzento vestido

Não consegui dizer nada 
Preferi que fosse assim
Antes só que acompanhada 
Mesmo que seja por mim

Condição de quem resiste 
Abandono, solidão
Tão inspiradora e triste 
Rapariga da estação

Noite da madrugada

Clemente Pereira / Jaime Santos
Repertório de Maria Valejo


Sonhei com a alvorada
Da ventura prometida
Julguei seres a madrugada
E és noite na minha vida


Se o sonho quando começa 
Põe a alma iluminada
Lembrando a tua promessa 
Sonhei com a alvorada

Tanta ventura supus 
Tanta crença tive erguida
Que nos sonhos via a luz 
Da ventura prometida

Ao ver-te pelo caminho 
Duma ternura elevada
Do desejado carinho 
Julguei seres a madrugada

Julguei-te como te via 
Na mih’alma adormecida
Mas ao ver-te à luz do dia 
És noite na minha vida

Sinais de cinza

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


No beco abandonado 
Sem horas que distinga
Com letra que se vinga 
Do sangue atormentado
Vai inscrevendo o fado 
Na trémula restinga
Do corpo macerado
E a pena é uma seringa

Quase em andrajos, nua
No olhar parado voga
Torpor de asas de droga 
Na palidez da sua
Face, de quem se afoga
Chupou-lhe o rosto a lua
Sonâmbula flutua 
E nada aos deuses roga

Tão longe a juventude 
Em cinzas deslembrada
E tão desfigurada
Ajude ou desajude
Já não lhe vale de nada
Mesmo que a sombra mude
Na sombra se degradada 
Sem que anjo algum a escude

Menina e moça assim 
Em casa de seus pais
Criada entre alecrim 
E rosas no jardim
Levaram-na os sinais 
Das luzes irreais
Agora é quase o fim
Que a vida estava a mais

Tu serás

Artur Ribeiro / Pedro Rodrigues “quintilhas*
Repertório de Maria Valejo


Tu serás na minha vida
O passar dos dias meus
Nos teus braços escondida
Bem pequenina e atida
Ao mexer dos lábios teus

Tu serás meu dia a dia 
Sem um dia repetido 
Meu fugir da ventaina
Neste sentir alegria 
Por haver-te conhecido

Tu serás teimosamente 
O meu corpo sem marés
Este meu sentir-me gente
O meu amar loucamente 
Tudo aquilo que tu és

Tu serás, se Deus quiser 
Meu renascer hora a hora
A minha razão de ser
Meu ficar até morrer 
A teu lado, vida fora

De ti

Rosa Lobato Faria / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Luís Manhita


De ti só quero o cheiro dos lilases
E a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
E a tua voz de sombras e matizes

De ti só quero o riso que não ouço
Quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
Vampiro que já sou da tua luz

De ti só quero as rosas amarelas
Que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
Da casa abandonada dos meus dias

De ti só quero o eco do teu nome
E um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
Mendiga que já sou da tua pele

Portugal triste

Letra e música de Lima Brummon
Repertório de Teresa Tarouca


Meu país esperando na esquina do tempo
De braços abertos a todo o momento
Vou seguindo sempre calculando os passos
E se o que criei desfaço e refaço;
Meus olhos despertos abrem-se pró mundo
E eu caio em mim cada vez mais fundo

Meu país perdido na esquina do tempo
Triste Portugal tão pequeno e imenso
Pois eu te garanto país, que este povo
Traz no coração sempre um amor novo

Não quero que pensem que já me perdi
Nem quero que julguem que fujo de mim
Tenho lucidez p’ra poder viver
Eu sou vertical, não me hão-de torcer;
Sempre fui mais forte quando me quiseram
Tornar serva ou fraca e nunca me venceram

Tenho a dimensão do que quero alcançar
E nada que fiz tenho a lamentar
Pois p’ra me encontrar, ainda vos digo
Que nunca vendi meu cantar amigo

Portugal que eu canto 
Deixa a boca amarga
Mas eu estou bem firme 
Não estou derrotada

Toada de Goa

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Com um nó na garganta
Com o sarro de tanta noitada de Lisboa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser o resgate do coração que bate
Descompassado à toa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser uma espuma de já coisa nenhuma
Só lembrança que voa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser o inseguro fogo-fátuo no escuro
Lá no mastro da proa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Pode ser este brusco silêncio ao lusco-fusco
Que nas almas ressoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Entre azul e lilás
Pode ser que o fugaz tempo, que não perdoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa 

Nesta dura deriva da memória cativa
Que a saudade magoa
Amanhecer em Goa, entardecer em Goa

Manhã

Castro Infante / Eduardo César
Repertório de Maria Valejo


Era a manhã que se abria nos teus braços
E a promessa que sorria nos teus beijos
Era o mar que se envolvia em teus braços
O sol que ardia em teu corpo de desejos

E fui primavera na tua manhã
Enorme sol do teu corpo quente
Na suavidade azul do teu olhar
Afoguei-me lentamente, lentamente

Renasci no calor dos teus sentidos
Despertei totalmente em tua idade
Acordei a cidade em selvas de gritos
E madrugadas de claridade;
Ai meu amor, meu amor, nesse dia
Fomos só nós em toda a verdade

Ficção e realidade

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Ela cantava o fado e de repente
Fez-se na tasca enorme zaragata
Chegara o seu amante da fragata
E não gostou de ouvi-la tão ardente

E ao ver que os olhos dela se cravavam
Nos olhos de um rufia, devagar
A cena foi de faca e alguidar
Como depois os outros relatavam

Calaram-se o guitarra e o viola
E os mais à meia-luz emudeciam
Pois só passos felinos se mediam
No lampejar riscado a ponta e mola

É quando um deles cambaleia e vence-o
A golfada fatal de sangue e vinho
Tingindo peito, mangas, colarinho
E a quebrar num soluço esse silêncio

Já não há casos destes na cidade
E eu já não sei quem estendeu a mão
Mas num golpe certeiro ao coração
Tornou-se esta ficção realidade

De madrugada em segredo

Jorge Fernando / Popular
Repertório de Nuno da Câmara Pereira


Se acaso eu não voltar cedo
Se acaso vires que eu demoro
Minha mãe, não tenhas medo
É tudo porque eu namoro
De madrugada em segredo
Descansa que eu não te acordo


Vou rondar sua janela
Eu sei que ela vem espreitar
E ao pôr os meus olhos nela
Os dela vou encontrar
E a lua junto à viela
P’ra que eu possa namorar


Se o galo cantar cedinho
Sou eu que venho a chegar
Vou cuidar-me no caminho
P‘ra ninguém de mim falar 
A ti, que me tens carinho
O meu amor vou contar

Fado do recado

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Repertório de António Pinto Basto


Leva a Lisboa azul quadriculada
Que a Vieira da Silva já pintou
E a última gaivota que riscou
A sua leve luz acidulada

Leva a névoa que cai pela amurada
E a corrente do tejo não lavou
Leva as pedras que o tempo afeiçoou
E a saudade na voz sobressaltada

Leva uma vela branca desfraldada
A que no mar salgado desenhou
Um rumo que dos mapas não constou
E se desfez depois sob a nortada

Leva também a vida amargurada
Que o pobe coração desgovernou
E o recado febril que não chegou
Contando da paixão desesperada

Leva o tempo que foi e não voltou
E levarás contigo tudo e nada

Toca p’ra mim

Matilde Cid / Martinho d’Assunção *fado faia*
Repertório de Matilde Cid


Ligaram-me ainda agora
P’ra jantar fora, p’ra ir ao fado
Fui lá parar por magia
No outro dia vi-te pasmado
Não poderia supor
Que um tal amor surgisse assim
Mas a verdade foi esta
Será que é desta que eu estou afim

Quando estás a meu lado
Ficas calado, tocas p’ra mim
Não é preciso falar
Quando há no ar olhares assim
Só te quero ouvir tocar
E decifrar tua mensagem
Naquele momento és meu
E eu vou ao céu numa viagem


O whisky já foi bebido
Vem o corrido e o triplicado
Quero que toques p’ra mim
E ter-te enfim aqui a meu lado
Não quero cá mais conversa
Pois não me interessa ouvir tua voz
Quero os meus olhos fechar
Imaginar o amor em nós

Reencontro

Matilde Cid / Ricardo Rocha *alexandrino*
Repertório de Matilde Cid


Nós eramos crianças naqueles belos dias
No tempo em que vivias inteira, a liberdade
O tempo não passava, parecia infinito
E tudo era bonito sem ódio nem maldade

Levavas-me ao jardim sem um cruzar de olhares
Voando no vaivém, por vezes lá te rias
Sentia borboletas, soltava gargalhadas
Um pouco envergonhadas, sabia que me querias

Voltei a ver-te há dias, ficaste ali sem jeito
E eu com nó no peito não soube o que senti
Tornei a ser criança ao ver aquele amor
O mesmo antigo ardor e tudo o que eu vivi

Fado da corda bamba

Vasco Graça Moura / José Campos e Sousa
Dueto de António Pinto Basto com Maria João Quadros


Se você me deixou na corda bamba
E se eu me estatelei mordendo o pó
Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba
Se mantém a toada ou se descamba
Sei que se foi embora e fiquei só;
Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba

Não sei se isto é um fado 
Ou se é um samba;
Se é um fado 
Deixaste-me no Tejo
Se é samba 
Foi no Rio de Janeiro
Duas medidas para um só desejo
Em fado ou samba 
Assim no duplo ensejo
Da mesma língua 
A dar-lhe um só roteiro;
Duas medidas para um só desejo


Duas medidas para um só desejo;
Antes fique eu a meio do caminho
Da nossa vida para recordá-la
Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho
Poderei sussurá-la num fadinho
Ou num sambinha doce murmurá-la;
Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho

Ou mais depressa 
Ou mais devagarinho;
Se é fado direi “tu” mas imagina
Que se é samba 
Prossigo com “você”
Em qualquer caso nunca desafina
Sujeito e predicado são rotina
De em fado ou samba 
Perguntar porquê;
Em qualquer caso nunca se desafina