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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.140 LETRAS <> 3.082.000 VISITAS * FEVEREIRO 2024

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Guitarra carpideira

Manuel Andrade / Alfredo Duarte Marceneiro
Repertorio de Carlos Mendes Pereira

Ó guitarra carpideira
Doce e triste companheira
Voz dolente do meu fado
Cordas tensas a vibrar
Como é lindo o teu chorar
Nesse tom terno e magoado

És como as rosas de Outono
Folhas murchas e sem dono 
Que o vento leva em carreira
Como o riso das crianças
Relicário de lembranças 
Ó guitarra carpideira

E à noite, ruas desertas
Procuras portas abertas 
Com teu sussurro amoroso
E é tal qual assim, guitarra
Quando a sorte se desgarra 
Nesse fado desditoso
- - -
Esta estrofe (3a do original) não foi gravada 

A um canto da taberna
À luz fosca da lanterna 
Vais carpindo o teu penar
Esta voz rouca e cansada
É perdida e abafada 
No confuso vozear
- - -
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Tradicional*

Fogueira da desgraça

Isidoro de Oliveira / Filipe Pinto *fado meia-noite*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Ardem fogueiras na praça
Ardem, deixá-las arder
Na fogueira da desgraça
Ninguém se pode aquecer

Passam dias, passam anos 
Só a verdade não passa
Com lenha de desengano 
Ardem fogueiras na praça

Em atitudes ligeiras 
Todos nós, sem o saber
Deitamos lenha às fogueiras
Ardem, deixá-las arder

Não vê insensato o homem 
Na vaidade a que se abraça
Quantas almas se consomem 
Na fogueira da desgraça

É belo o fogo dourado 
Duma vida de prazer
Mas nesse fogo gelado 
Ninguém se pode aquecer

Por te ver na procissão

Tiago Torres da Silva / Carlos da Maia *fado perseguição
Repertório de Jorge Morgado

Não posso cantar o fado
Se o meu coração parado
Deixou-me o peito vazio
Mas se ele bate, não sinto
E só canto por instinto
Se já não choro nem rio

No desejo de ir embora 
Sinto que a alma não chora 
Só porque o fado a impede
E sei que o meu coração
Se bate, pede perdão 
Se não bate, já nem pede

Por isso, sempre que eu canto
Nasce em mim um dia santo 
E é nesta inquietude
Que ao pé do meu coração
Passa sempre a procissão 
Da Senhora da Saúde

Ponham colchas nas janelas
Que ao passar em frente delas 
Talvez o meu coração
Se lembre daquele dia
Em que sentiu alegria 
Por te ver na procissão

Dona fortuna

Alberto Ribeiro / Frederico de Brito
Repertório de Alberto Ribeiro

Vocês já p’raí
Uma senhora importuna
Chamada fortuna, chamada fortuna
Que anda sempre acompanhada 
Doutra senhora mais forte         
Que se chama sorte, que se chama sorte

Nasceu na rua da fé 
E mora desde criança
No bairro da esperança
No bairro da esperança
E por mais que a gente fale
E por mais que a gente diga
Não liga, não liga, não liga, não liga

Pois se alguém a encontrar 
Era favor perguntar
Onde vive agora
Onde é que ela mora
A fortuna, quando vem 
Nunca espera por ninguém
Chega só na hora
Vai-se logo embora

Já disse a dona calúnia
Qe ela é filha do acaso
Mas não façam caso, não façam caso
Também há muito quem diga 
Que ela é irmã da cobiça
É uma injustiça, é uma injustiça  
                                                       
Que ela anda um pouco indiferente 
Co’a dona felicidade
É uma verdade, uma verdade
Há quem diga que o pudor
Quando ela passa, suspira
Mentira, mentira, mentira, mentira

Fado jurídico-criminal

João Gigante-Ferreira / André Teixeira
Repertório de Helena Sarmento

P'lo artigo cento e tal
Da regra dos bons costumes
A maçã do senhor Nunes
É um bem celestial

Estão a postos os jurados 
Numa sala as testemunhas
O arguido rói as unhas 
Os juízes descansados

Não fui eu, foi a serpente
Não sei mais o que lhes diga
Isso é história muito antiga 
Contada por muita gente

Comi por ter muita fome 
Suplicou o acusado
Sou órfão de pai e mãe 
E estou desempregado

Quantos anos p'ra que constem 
Perguntou o presidente
Oitenta feitos ontem 
O Meirinho diligente

O senhor não tem vergonha 
De ter fome àquela hora
Mas que vício ou que peçonha 
O não deixou vir embora?

Já me custa muito a andar 
E o que eu quero já me esquece
Fui vítima de maus tratos 
E não tinha GPS      

Não pense que nos engana 
É suprema esta questão
A maçã que aqui se trata 
É a civilização

E que sorte tem o senhor 
Demandado nesta liça
Que tem pago defensor 
Que a tremer, pediu justiça

Vai o réu, pois, condenado
À pena mais capital
Disse o último jurado
Esconjurado está o mal

Tudo está no seu lugar 
A maçã dos bons costumes
A árvore que é do Nunes 
Os polícias a acenar

O arguido prá cadeia 
A cadeia a transbordar
O Meirinho pró Ikea 
Os juízes a jantar

Nossa Senhora de mim

Tiago Torres da Silva / José António Sabrosa
Repertório de Teresa Tarouca

Todos os dias eu morro
E cada dia mais só
Ai, vinde em nosso socorro
Nossa Senhora do Ó

Este pavor de estar viva 
Já ninguém pode tirar-mo
Salvai um filho à deriva 
Nossa Senhora do Carmo

Que eu trago o corpo alagado 
De lágrimas e suores
Oh, Mãe do Deus torturado 
Nossa Senhora das Dores

Diante não tenho nada 
Toda a vida está pra trás
Oh, Virgem Imaculada 
Nossa Senhora da Paz

Sinto os olhos a fechar 
E vejo estar perto o fim
Só me poderá salvar 
Nossa Senhora de Mim

Não quebres a tua jura

Isidoro de Oliveira / Alfredo Duarte *marceneiro*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Foste junto do altar
A outro homem jurar
Fidelidade e amor
Meu pobre sonho mataste
Meu amor abandonaste
No desespero e na dor

De todo um sonho desfeito
Resta hoje no meu peito 
Um amor feito saudade
E conservo a tua imagem
Como a mais grata miragem 
Do tempo da mocidade

Essa imagem de ternura
De pureza e de candura 
Eu guardo no coração
Tu não a queiras manchar
O amor que me queres dar 
É fruto duma traição

O meu amor morreria
Se me desses algum dia 
Os beijos que não são teus
Antes quero saber-te pura
Que ter-te, quebrada a jura 
Que fizeste perante Deus

Porque hei-de chorar por ti?

Manuel Andrade / Popular *fado das horas*
Repertório de Manuel João Ferreira

Tive pena de deixar-te
Tive pena mas parti
Só se chora por quem parte
Porque hei-de chorar por ti?

No rasto do teu caminho 
Cansei-me de procurar-te
Mas quando parti sozinho 
Tive pena de deixar-te

Dessa paz branda e serena 
Que nos teus olhos senti
Confesso que tive pena 
Tive pena mas parti

Por que razão teimarei 
Se não sirvo para amar-te?
Parti e não chorarei 
Só se chora por quem parte

Se tu nunca te lembraste 
Daquele amor que senti
Se nunca por mim choraste 
Porque hei-de chorar por ti?

Calçada da serra

Vitorino de Sousa / João Calvário
Repertório de Maria Rosa Rodrigues

Vejo a Serra do Pilar
E sinto ressuscitar
Velhas saudades d’outrora
Era o nosso miradouro
E lá em baixo o Rio Douro
Lá seguia, barra fora

Pela Calçada da Serra
Seguiamos distraídos
Aos domingos, que saudade
Eu e tu muito entretidos;
A olhar prá nossa terra
A olhar nossa cidade

Pela Calçada da Serra
Donde eu via a minha terra
“tantos pares de namorados”
Como tu e como eu
Estavam mais perto do céu
E sonhavam acordados

Lonjura

Joaquim Sarmento / João Black *fado menor do porto*
Repertório de Helena Sarmento

A lonjura é um degredo
Sem grades para assaltar
Sem olhos, sem mãos, segredo
A boca calada d'amar

É mar que afunda a fragata 
É cotovia sem voz
É um orvalho sem prata 
Letra sem rosto, sem foz

É lágrima, é destempero 
É tabuada aldrabada
Diário de desespero 
Diário branco, sem nada

Um chapéu cheio de traça 
A sina contada à toa
A lonjura é uma desgraça 
Não há dor que tanto doa

Despedida

Isidoro de Oliveira / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Tu ficas, eu vou partir
Meu coração a sofrer
Vai sangrar de verdade
Levo uma esp’rança a sorrir
Que ainda te hei-de ver
Se não morrer de saudade

Nunca mais nos separamos
Disse-te eu, apaixonado 
No mais profundo sentir
Como nós nos enganamos
Como é triste o nosso fado 
Tu ficas, eu vou partir

Disse-te adeus minha querida
Como quem ao próprio ser 
Diz adeus d’eternidade
E ao dizer adeus à vida
Meu coração a sofrer 
Vai a sangrar de verdade

Mas como eu tenho um amor
E nesse amor confiança 
Posso dizer sem mentir
Por grande que seja a dor
Meu amor levo uma esp’rança 
Levo uma esp’rança a sorrir

O futuro a Deus pertence
Mas ‘stou seguro que hei-de ter 
Um pouco de felicidade
É a fé que me convence
Que ainda te hei-de ver 
Se não morrer de saudade

Noite de outono

Manuel Andrade / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de João Braga                         

Naquela noite de Outono
No jardim ao abandono
Todo o roseiral chorava
Mas numa roseira esguia
Uma só rosa floria
Um só botão despontava

O vento agreste soprou
Toda a roseira vergou 
E a pobre rosa caiu
Desde essa noite fatal
Nunca mais no roseiral 
Uma só rosa floriu

Minha vida foi tal qual
A do triste roseiral 
Hoje toda luto e dor
Que vive chorando ainda
A morte da rosa linda 
Que foi seu último amor

Cada palavra que eu digo

Tiago Torres da Silva / João Blak *fado menor do porto*
Repertório de de Tereza Tarouca

Dizer de minha justiça
É coisa que não consigo
Porque a saudade cobiça
Cada palavra que eu digo

Até o meu pensamento 
É por ela cobiçado
De tudo o que é desalento 
Ela só desdenha o fado

E talvez seja por isso 
Ou talvez por ser mulher
Que quando canto, cobiço 
O que a saudade não quer

Mas o fado quer chorar 
Quer chorar por todos nós
E é por não a cobiçar 
Que lhe dou a minha voz

Fado não Valentim

João Gigante-Ferreira / Popular
Repertório de Helena Sarmento

Eu quero cantar palavras 
De letras por inventar
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
Implacáveis como espadas 
Tão profundas como o mar
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem

As palavras por dizer 
Por dentro das que são ditas
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
Impossíveis a crescer 
Por fora das mais bonitas
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem

Ditas todas devagar 
No silêncio mais sonante
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
Como um conto d' encantar 
Como a vaga mais distante
Quero outro fado ó-laró-lar
Quero outro fado ó-laró-meu-bem

E quando para as cantar 
Elas se façam escrever
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
As letras serão meus lábios 
A tinta o meu sangue a arder
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem

Dizer palavras de mel 
Até a voz ficar rouca
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
Distante da minha pele 
Nos beijos da tua boca
Quero outro fado ó-laró-laró
Nos beijos da tua boca

Poeira que vai no vento

Manuel Andrade / Franklim Godinho
Repertório de João Braga
                                                                                  
Poeira que vai no vento
Poesia e pensamento
Tudo me veio de ti
Do correr de meigos dias
Da canção que tu me ouvias
E da luz com que te vi

Em cada noite que passa
O teu vulto em vão me abraça
De tão longe que o não vejo
Sinto as nossas mãos unidas
As nossas sombras perdidas
Como um sonho sem desejo

Vieram brancas saudades
Trazer-me frias verdades
Que tanto quis esquecer
Vieram estranhos incensos
Acenaram brancos lenços
Mas não te tornei a ver

As voltas que a vida tem

Tiago Torres da Silva / José António Sabrosa
Repertório de Teresa Tarouca
Ao Pedro Homem de Melo

Trazia no peito o Minho
Nos olhos, a Serra d'Arga
Trazia um fado velhinho
A enfeitar-lhe a ilharga

Pela estrada o vento gira 
Lembrando os passos de quem
Prendeu às voltas do vira 
As voltas que a vida tem

E as vozes das ciganas 
Falam dele a toda a hora
Pela mata de cabanas 
Onde a sua alma mora

É verde  a sua canção 
Canção que um dia me deu
Por não a cantar em vão 
O verde não escureceu

A minha alma inquieta 
Encontrou um fado novo
Nas palavras do poeta 
Que me fez subir ao povo

E porque a morte é mentira 
De que a dor sente desdém
Eu prendo as voltas do vira 
Às voltas que o fado tem

Contigo por Lisboa

João Gigante-Ferreira / André Teixeira
Repertório de Helena Sarmento

Nasce o vento da manhã
Fim da tarde, calmaria
Nascem lábios de romã
Com ardor de meio dia

Fico tão dentro de mim 
Se por ti em mim não estou
Quem me dera ser assim 
Se não fosse assim que sou
Fico tão dentro de mim 
Se por ti em mim não estou    

Madrugada pela proa
Pelo mastro livre a vela
As colinas de Lisboa
São do vento caravela

Se não fosse ser assim 
Como ser como quem sou?
Ficas tão dentro de mim 
Que por ti eu sou quem sou
Se não fosse ser assim 
Como ser como quem sou?

Nasce o vento da manhã
Fim da tarde, calmaria
Nascem lábios de romã
Com ardor de meio dia

Se não fosse ser assim
Como ser como quem sou?

Mãe fadista

Daniel Gouveia / António dos Santos *balada do antónio*
Repertório de Carla Linhares

Já alguém cantou um dia
Ter dois amores – quem diria
Só que em nada eram iguais
Também eu dois amores tenho
Cada um do seu tamanho
Talvez tamanho de mais

Um como o outro são fortes
Qualquer deles é das sortes
Maiores que a vida me deu
Um, na alma me floriu
Outro, do corpo saiu
Mas a alma é que sofreu

Um é a quem eu mais quero
Sem o outro, desespero
P’ra ambos quero viver
Tal é esta minha sina
Pois cada um me domina
Quem sabe se até morrer

Um é música de encanto
Todos os dias o canto
Dá pelo nome de fado
Outro é criança nascida
Há-de crescer para a vida
É o meu filho adorado