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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.140 LETRAS <> 3.082.000 VISITAS * FEVEREIRO 2024

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Fado jurídico-criminal

João Gigante-Ferreira / André Teixeira
Repertório de Helena Sarmento

P'lo artigo cento e tal
Da regra dos bons costumes
A maçã do senhor Nunes
É um bem celestial

Estão a postos os jurados 
Numa sala as testemunhas
O arguido rói as unhas 
Os juízes descansados

Não fui eu, foi a serpente
Não sei mais o que lhes diga
Isso é história muito antiga 
Contada por muita gente

Comi por ter muita fome 
Suplicou o acusado
Sou órfão de pai e mãe 
E estou desempregado

Quantos anos p'ra que constem 
Perguntou o presidente
Oitenta feitos ontem 
O Meirinho diligente

O senhor não tem vergonha 
De ter fome àquela hora
Mas que vício ou que peçonha 
O não deixou vir embora?

Já me custa muito a andar 
E o que eu quero já me esquece
Fui vítima de maus tratos 
E não tinha GPS      

Não pense que nos engana 
É suprema esta questão
A maçã que aqui se trata 
É a civilização

E que sorte tem o senhor 
Demandado nesta liça
Que tem pago defensor 
Que a tremer, pediu justiça

Vai o réu, pois, condenado
À pena mais capital
Disse o último jurado
Esconjurado está o mal

Tudo está no seu lugar 
A maçã dos bons costumes
A árvore que é do Nunes 
Os polícias a acenar

O arguido prá cadeia 
A cadeia a transbordar
O Meirinho pró Ikea 
Os juízes a jantar

Nossa Senhora de mim

Tiago Torres da Silva / José António Sabrosa
Repertório de Teresa Tarouca

Todos os dias eu morro
E cada dia mais só
Ai, vinde em nosso socorro
Nossa Senhora do Ó

Este pavor de estar viva 
Já ninguém pode tirar-mo
Salvai um filho à deriva 
Nossa Senhora do Carmo

Que eu trago o corpo alagado 
De lágrimas e suores
Oh, Mãe do Deus torturado 
Nossa Senhora das Dores

Diante não tenho nada 
Toda a vida está pra trás
Oh, Virgem Imaculada 
Nossa Senhora da Paz

Sinto os olhos a fechar 
E vejo estar perto o fim
Só me poderá salvar 
Nossa Senhora de Mim

Não quebres a tua jura

Isidoro de Oliveira / Alfredo Duarte *marceneiro*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Foste junto do altar
A outro homem jurar
Fidelidade e amor
Meu pobre sonho mataste
Meu amor abandonaste
No desespero e na dor

De todo um sonho desfeito
Resta hoje no meu peito 
Um amor feito saudade
E conservo a tua imagem
Como a mais grata miragem 
Do tempo da mocidade

Essa imagem de ternura
De pureza e de candura 
Eu guardo no coração
Tu não a queiras manchar
O amor que me queres dar 
É fruto duma traição

O meu amor morreria
Se me desses algum dia 
Os beijos que não são teus
Antes quero saber-te pura
Que ter-te, quebrada a jura 
Que fizeste perante Deus

Porque hei-de chorar por ti?

Manuel Andrade / Popular *fado das horas*
Repertório de Manuel João Ferreira

Tive pena de deixar-te
Tive pena mas parti
Só se chora por quem parte
Porque hei-de chorar por ti?

No rasto do teu caminho 
Cansei-me de procurar-te
Mas quando parti sozinho 
Tive pena de deixar-te

Dessa paz branda e serena 
Que nos teus olhos senti
Confesso que tive pena 
Tive pena mas parti

Por que razão teimarei 
Se não sirvo para amar-te?
Parti e não chorarei 
Só se chora por quem parte

Se tu nunca te lembraste 
Daquele amor que senti
Se nunca por mim choraste 
Porque hei-de chorar por ti?

Calçada da serra

Vitorino de Sousa / João Calvário
Repertório de Maria Rosa Rodrigues

Vejo a Serra do Pilar
E sinto ressuscitar
Velhas saudades d’outrora
Era o nosso miradouro
E lá em baixo o Rio Douro
Lá seguia, barra fora

Pela Calçada da Serra
Seguiamos distraídos
Aos domingos, que saudade
Eu e tu muito entretidos;
A olhar prá nossa terra
A olhar nossa cidade

Pela Calçada da Serra
Donde eu via a minha terra
“tantos pares de namorados”
Como tu e como eu
Estavam mais perto do céu
E sonhavam acordados

Lonjura

Joaquim Sarmento / João Black *fado menor do porto*
Repertório de Helena Sarmento

A lonjura é um degredo
Sem grades para assaltar
Sem olhos, sem mãos, segredo
A boca calada d'amar

É mar que afunda a fragata 
É cotovia sem voz
É um orvalho sem prata 
Letra sem rosto, sem foz

É lágrima, é destempero 
É tabuada aldrabada
Diário de desespero 
Diário branco, sem nada

Um chapéu cheio de traça 
A sina contada à toa
A lonjura é uma desgraça 
Não há dor que tanto doa

Despedida

Isidoro de Oliveira / Alfredo Duarte *fado cravo*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Tu ficas, eu vou partir
Meu coração a sofrer
Vai sangrar de verdade
Levo uma esp’rança a sorrir
Que ainda te hei-de ver
Se não morrer de saudade

Nunca mais nos separamos
Disse-te eu, apaixonado 
No mais profundo sentir
Como nós nos enganamos
Como é triste o nosso fado 
Tu ficas, eu vou partir

Disse-te adeus minha querida
Como quem ao próprio ser 
Diz adeus d’eternidade
E ao dizer adeus à vida
Meu coração a sofrer 
Vai a sangrar de verdade

Mas como eu tenho um amor
E nesse amor confiança 
Posso dizer sem mentir
Por grande que seja a dor
Meu amor levo uma esp’rança 
Levo uma esp’rança a sorrir

O futuro a Deus pertence
Mas ‘stou seguro que hei-de ter 
Um pouco de felicidade
É a fé que me convence
Que ainda te hei-de ver 
Se não morrer de saudade

Noite de outono

Manuel Andrade / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de João Braga                         

Naquela noite de Outono
No jardim ao abandono
Todo o roseiral chorava
Mas numa roseira esguia
Uma só rosa floria
Um só botão despontava

O vento agreste soprou
Toda a roseira vergou 
E a pobre rosa caiu
Desde essa noite fatal
Nunca mais no roseiral 
Uma só rosa floriu

Minha vida foi tal qual
A do triste roseiral 
Hoje toda luto e dor
Que vive chorando ainda
A morte da rosa linda 
Que foi seu último amor

Cada palavra que eu digo

Tiago Torres da Silva / João Blak *fado menor do porto*
Repertório de de Tereza Tarouca

Dizer de minha justiça
É coisa que não consigo
Porque a saudade cobiça
Cada palavra que eu digo

Até o meu pensamento 
É por ela cobiçado
De tudo o que é desalento 
Ela só desdenha o fado

E talvez seja por isso 
Ou talvez por ser mulher
Que quando canto, cobiço 
O que a saudade não quer

Mas o fado quer chorar 
Quer chorar por todos nós
E é por não a cobiçar 
Que lhe dou a minha voz

Fado não Valentim

João Gigante-Ferreira / Popular
Repertório de Helena Sarmento

Eu quero cantar palavras 
De letras por inventar
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
Implacáveis como espadas 
Tão profundas como o mar
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem

As palavras por dizer 
Por dentro das que são ditas
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
Impossíveis a crescer 
Por fora das mais bonitas
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem

Ditas todas devagar 
No silêncio mais sonante
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
Como um conto d' encantar 
Como a vaga mais distante
Quero outro fado ó-laró-lar
Quero outro fado ó-laró-meu-bem

E quando para as cantar 
Elas se façam escrever
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
As letras serão meus lábios 
A tinta o meu sangue a arder
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem

Dizer palavras de mel 
Até a voz ficar rouca
Quero outro fado ó-laró-laró
Quero outro fado ó-laró-meu-bem
Distante da minha pele 
Nos beijos da tua boca
Quero outro fado ó-laró-laró
Nos beijos da tua boca

Poeira que vai no vento

Manuel Andrade / Franklim Godinho
Repertório de João Braga
                                                                                  
Poeira que vai no vento
Poesia e pensamento
Tudo me veio de ti
Do correr de meigos dias
Da canção que tu me ouvias
E da luz com que te vi

Em cada noite que passa
O teu vulto em vão me abraça
De tão longe que o não vejo
Sinto as nossas mãos unidas
As nossas sombras perdidas
Como um sonho sem desejo

Vieram brancas saudades
Trazer-me frias verdades
Que tanto quis esquecer
Vieram estranhos incensos
Acenaram brancos lenços
Mas não te tornei a ver

As voltas que a vida tem

Tiago Torres da Silva / José António Sabrosa
Repertório de Teresa Tarouca
Ao Pedro Homem de Melo

Trazia no peito o Minho
Nos olhos, a Serra d'Arga
Trazia um fado velhinho
A enfeitar-lhe a ilharga

Pela estrada o vento gira 
Lembrando os passos de quem
Prendeu às voltas do vira 
As voltas que a vida tem

E as vozes das ciganas 
Falam dele a toda a hora
Pela mata de cabanas 
Onde a sua alma mora

É verde  a sua canção 
Canção que um dia me deu
Por não a cantar em vão 
O verde não escureceu

A minha alma inquieta 
Encontrou um fado novo
Nas palavras do poeta 
Que me fez subir ao povo

E porque a morte é mentira 
De que a dor sente desdém
Eu prendo as voltas do vira 
Às voltas que o fado tem

Contigo por Lisboa

João Gigante-Ferreira / André Teixeira
Repertório de Helena Sarmento

Nasce o vento da manhã
Fim da tarde, calmaria
Nascem lábios de romã
Com ardor de meio dia

Fico tão dentro de mim 
Se por ti em mim não estou
Quem me dera ser assim 
Se não fosse assim que sou
Fico tão dentro de mim 
Se por ti em mim não estou    

Madrugada pela proa
Pelo mastro livre a vela
As colinas de Lisboa
São do vento caravela

Se não fosse ser assim 
Como ser como quem sou?
Ficas tão dentro de mim 
Que por ti eu sou quem sou
Se não fosse ser assim 
Como ser como quem sou?

Nasce o vento da manhã
Fim da tarde, calmaria
Nascem lábios de romã
Com ardor de meio dia

Se não fosse ser assim
Como ser como quem sou?

Mãe fadista

Daniel Gouveia / António dos Santos *balada do antónio*
Repertório de Carla Linhares

Já alguém cantou um dia
Ter dois amores – quem diria
Só que em nada eram iguais
Também eu dois amores tenho
Cada um do seu tamanho
Talvez tamanho de mais

Um como o outro são fortes
Qualquer deles é das sortes
Maiores que a vida me deu
Um, na alma me floriu
Outro, do corpo saiu
Mas a alma é que sofreu

Um é a quem eu mais quero
Sem o outro, desespero
P’ra ambos quero viver
Tal é esta minha sina
Pois cada um me domina
Quem sabe se até morrer

Um é música de encanto
Todos os dias o canto
Dá pelo nome de fado
Outro é criança nascida
Há-de crescer para a vida
É o meu filho adorado

O tempo que me é dado

Tiago Torres da Silva / Fernando Freitas *fado noquinhas*
Repertório de Carlos Leitão

Dos muitos que já fui já não encontro rasto
Se a vida me possui é nela que eu me gasto
Saber que já fui tantos e achar isso comum
Faz-me chorar por quantos pensam que são só um

Esse que em mim resiste à dor de ser do fado
Alegra-se ao ser triste e ri de ter chorado
Mas só tenho esta vida pra tantos que hei-de ser
Que assim tão dividida vai passando a correr

Ser quantos eu quiser é toda uma ilusão
Sempre que uma mulher me prende o coração
No dia em que surgiste tanto de mim mudou
E agora só existe aquele que te amou

Palmatória de prata

Manuel Andrade / Joaquim Campos *fado amora
Repertório de Manuel João Ferreira

Junto à cama, pobre dela
Tapada a chita barata
Tremula sempre uma vela
Na palmatória de prata

A palmatória guardada 
Em testemunho de amor
É ricamente lavrada 
Com requinte e a primor

Certo conde, seu amante 
Um dia lha ofereceu
E depois, partiu distante 
E nessa noite morreu

Essa mulher, pobre dela 
Que de saudade padece
Acende sempre uma vela 
De cada vez que anoitece

Por isso, no quarto dela 
Entre a mobília barata
Tremula sempre uma vela 
Na palmatória de prata

Lisboa

Isidoro de Oliveira / Alfredo Duarte *lembro-me de ti*
Repertório de Manuel Cardoso de Menezes

Eu lembro-me do Tejo como era antigamente
Fragatas encostadas junto ao Cais da Ribeira
A gente a trabalhar cantava alegremente
Fazendo da canção alívio da canseira

Lembro-me das varinas da velha Madragoa
De canastra à cabeça logo ao romper do dia
A chinelar ligeiras nas ruas de Lisboa
Fazendo do pregão um hino de alegria

Lembro a zona elegante e culta, do Chiado
Mas culta e elegante muito à nossa maneira
Vinda do Bairro Alto uma brisa de fado
Fazia portuguesa a própria Brasileira

Lembrar Lisboa antiga não nos causa tristeza
Esse tempo passou e o tempo não perdoa
A Lisboa moderna tem a sua beleza
O povo não mudou e o povo é que é Lisboa

Minha amiga tão calada

João Fezas Vital / Acácio Gomes *fado acácio*
Repertório de Vasco Rafael

Se puderes, abre-me as mãos
Entorpecidas p’lo frio
Dum corpo que mal toquei
Tanto sonho, todos vãos
Ai amor que me fugiu
E que nunca te contei

Se puderes, minha amiga 
Beija-me os olhos e os dedos
Olha p’ra mim e mais nada
E não permitas que eu diga 
O que doem os segredos
Minha amiga tão calada

É tão bom o teu calor 
Que queria morrer agora
Como quem sabe o que diz
Se puderes, meu amor 
Não me deixes ir embora
E não faças o que eu fiz

Se não gostasse de ti

Jorge Rosa / Jorge Atayde
Repertório de Anita Guerreiro

Se não gostasse de ti 
Chamava-te troca-tintas
Ao ver as cores com que pintas
O nosso quadro, a teu modo
Mas eu já me convenci 
Que és assim, que não mudas
E só não te chamo Judas
Por não seres falso de todo

Tudo o que dizes
À meia volta desdizes
Prometes sermos felizes
E fazes tudo às avessas
Não é bonito
Dar o dito por não dito
Por isso não acredito
No rol das tuas promessas

Agora dizes-me sim
Mais logo dizes-me não
Não sei se é de Inverno ou Verão
O clima no teu peito
Nunca estás assim-assim 
E como assim nunca estás
Aceito quanto me dás
Sem saber bem porque aceito