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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.140 LETRAS <> 3.082.000 VISITAS * FEVEREIRO 2024

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Gaiola doirada, não

Carlos Conde / Popular *fado corrido*
Repertório de Raúl Pereira 

Deixai-me rir e brincar
Ser livre, livre e mais nada
Ninguém me obrigue a cantar
Numa gaiola doirada


Se o meu nome anda ligado 
Ao fado triste e boémio
Deixai-me ser irmão gémeo 
Das grandes noites de fado;
Quero viver lado a lado 
Com a malta afadistada
Dar o braço à madrugada 
E ver o sol a raiar
Deixai-me rir e brincar
Ser livre, livre e mais nada


Deixai-me gozar a vida 
No que a vida tem de bom
Sem lhe dar aquele tom 
De má sorte ou fé perdida;
Quero andar de fronte erguida 
Sem dependência marcada
Procurar o fim da estrada 
Sem jamais o encontrar
Ninguém me obrigue a cantar
Numa gaiola doirada

Cantiga de abrigo

Letra e música de Samuel Úria
Repertório de Ana Moura 

Vou esperar contigo 
E se quiser tardar
O tempo foi meu amigo
Prendo os ponteiros 
Que o teu instante é meigo

Vou mudar contigo 
E se puder escapar
Teu corpo é meu abrigo
Prendo-me ao peito 
E em ti me desarraigo

Repreendo a própria vida 
Cada dia em que, iludida
Me extingui a sós comigo
Sem guarida, mas sigo 
Que em teu refúgio há fogo

Se me chamares, meu nome 
Meu nome seja aconchego
Prendo-te aos braços 
E o nó que dou é cego

Guitarras da minha vida

Jorge Rosa / José Marques do Amaral
Repertório de Natércia da Conceição 

Trago guitarras na alma
P'ra acompanhar a tristeza
Ouvindo-as tenho a certeza
Que a minha mágoa se acalma

Trago guitarras no rosto 
P'ra acompanhar o meu pranto
Ouvindo-as, não choro tanto 
Adormeço o meu desgosto

Trago guitarras na voz 
P'ra acompanhar o que canto
Ouvindo-as têm encanto
Fados que Deus me compôs

Em constante guitarrada 
Trago guitarras na vida
Vivo assim mais convencida 
Que não sou tão desgraçada

Isso é com ele e com elas

Carlos Conde / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de Hermínia Silva 

Se tens outras, teu proveito
Desconheço-as, nunca as vi
Não tenho tempo nem jeito
Para andar atrás de ti


Em tudo o que seja amor 
Não pode haver preconceito
Se és só meu, tanto melhor 
Se tens outras, teu proveito

P'ra quê armar discussão 
Se o teu amor me sorri
Mesmo que eu saiba quem são 
Desconheço-as, nunca as vi

Sei que existes, sei que existo 
Sei que és tu o meu eleito
E p'ra fazer cenas tristes 
Não tenho tempo nem jeito

Não me importo mesmo nada 
Do que tu fazes p'ra aí
Já nasci muito cansada 
Para andar atrás de ti

Fado pequenino

João José Samouco da Fonseca / António Luís Arrenega
Repertório de João Chora 

Sem ser fadista nem nada
Fiz um fado pequenino
Que chora a vida passada
Nessa Chamusca adorada
De quando eu era menino

Rapazinho de calções 
Quanta vez fugi afoito
P’ra espreitar os dramalhões 
Pelas frestas dos portões
Do velho teatro Foito

E em páscoas que já lá vão 
P’ra fugir à populaça
Ia ver a procissão 
Quinta-feira de paixão
Do antigo largo da praça

E a pena que me fazia 
Ver a saudade cruel
Dos velhos co’a nostalgia 
Da saudosa romaria
Do dia de São Miguel

E o meu fado canta e chora 
Serenatas que se deram
Cantadas p’la noite fora 
Às raparigas que agora
São velhas ou já morreram

Quando tu passas por mim

Vinícius de Moraes / António Maria
Repertório de António Zambujo 

Quando tu passas por mim
Por mim passam saudades cruéis
Passam saudades de um tempo
Em que a vida eu vivia a teus pés

Quando tu passas por mim
Passam coisas que eu quero esquecer
Beijos de amor infiéis
Juras que fazem sofrer

Quando tu passas por mim
Passa o tempo que me leva pra trás
Leva-me a um tempo sem fim
A um amor onde o amor foi demais

Eu que só fiz adorar-te
E de tanto te amar penei mágoas sem fim
Hoje nem olho pra trás
Quando tu passas por mim

Vareira da praia

Fernando Barros / Francisco José Marques *fado zé negro*
Repertório de Francisco Moreira *Kiko* 

Muitos anos se passaram
E no teu rosto deixaram
Marcas de uma geração
Começavas o teu dia
Quando ainda o sol dormia
Com a canastra na mão

Vê-se a vela da catraia
Que entretanto chega à praia 
Com o peixe ainda a saltar
Junto às redes se abeira
A nossa linda peixeira 
Para o peixe arrematar

Partia ainda cedinho
À cabeça com carinho 
A canastra transportava
Pelas ruas e vielas
Iam-se abrindo as janelas 
Quando o peixe apregoava

Já não existe a catraia
Teu olhar fica na praia 
Onde está teu coração
Pobres ruas e vielas
Já não abrem as janelas 
Para ouvir o teu pregão

Graça divina

Letra e música de Caetano Veloso
Repertório de Pedro Moutinho 

Ao seguir aquele vulto
Que percorria o labirinto
Descobri que era eu mesmo, oculto
Dentro das coisas que sinto

E que só sei dizer em prosa e verso
E quando as canto
Eis que pronto surge a rosa do universo
Que desfila ao meu lado
Entre as mãos de um negro anjo alado

Que distribui
Lá do meio da neblina e da fumaça
A graça que vem de cima e vem de graça
Porque é a graça e é divina

Quinta-feira da Ascensão

João José Samouco da Fonseca / António Lourenço Arrenega
Repertório de João Chora 

Se o sol desponta radioso
E promete presunçoso
Uma festa colorida
É maior a vibração
Ouve-se cedo o pregão
Sol e sombra prá corrida

Pela tarde sai a banda 
A fazer a propaganda
Velho uso da função
Seguida p'lo rapazio
Que vive num desvario
Neste dia d'Ascensão

Sai do curro o primeiro toiro 
Capotes de seda e oiro
Alinham-se na barreira
É uma onda de fervor 
Toma breve o espectador
E percorre a praça inteira

Corrida de aficionados 
Cavaleiros inspirados
Prendem ferros cristalinos
Forcados em pegas quentes 
Oferecem peitos valentes
Com coração de meninos

Entre passes de magia 
Naturais, de antologia
E sorrisos de mulher
Há rosas brancas que chovem 
Dentro da alma dum jovem
Que tem ganas de vencer

Porta grande de par em par 
Foguetes a estralejar
Um triunfo que se busca
Com ou sem espera de gado 
Para o bom aficionado
Ascensão é na Chamusca

Duma prisão

António Cálem / Joaquim Campos *fado puxavante*
Repertório de Maria Valejo

Renasce na escuridão
A luz da esperança perdida
Mesmo dentro da prisão
Há sempre um grito de vida

Vejo uma rosa encarnada
Quedar-se lá muito além
Essa rosa é madrugada
Que é nossa e de mais ninguém

Colheremos essa rosa
A rosa do nosso amor
Quando o mundo for só nosso
Ou só nossa aquela flor

Moura

José Eduardo Agualusa / Toty Sa’Med
Repertório de Ana Moura 

Sou moura, o sol me doura a pele
Ao céu do deserto eu chamo meu
No ar aberto ardo, chama e mel
Onde se solta o vento, eu solto o véu

Só desejo o que passa, o breve instante
Asas, navios, a água dos rios
Sou viajante, caminho sempre adiante
Dos frios invernos, dos secos estios

Sou moura, conheço os génios do vento
Sei desatar nós dum mau enredo
Por vezes choro, mas logo invento
Um riso novo para afastar o medo

Só desejo o que não pode ser
Miragens e mitos, e se canto e grito
É p’ra impedir o céu de escurecer
Como largar fogo ao infinito

Guitarra portuguesa

António Mendes / Júlio de Sousa *fado loucura*
Repertório de Luís de Matos 

Oh guitarra portuguesa
Quando o artista te agarra 
Ganhas vida e beleza
Coração bem moldado
Nasceste com o condão 
De fazer chorar o fado

Tu tens vida 
Nas tuas veias de arame
Porque a tua voz sentida
Chora sem ter um derrame
Quando os dedos 
Percorrem a tua escala
Para ti não há segredos
E deixas todos sem fala


Oh guitarra companheira
Daquelas noites de farra 
E do bom fado à maneira
O teu som nos consola
Quando acompanha o tom 
No compasso da viola

Tão certinhos 
Que nos ensina a cantar
Com acordes gemidinhos
Que até parecem chorar
Oh guitarra
Minha amante realista
Sem ti, amiga bizarra
Ninguém seria fadista

Coisas do fado

Tony Carolas / Marco Oliveira
Repertório de Francisco Moreira *Kiko* 

Que saudades do passado
Dos tempos que não vivi
Dos poetas do legado
Dos fados que não ouvi

Do fado fora de portas 
Até alta madrugada
Das patuscadas nas hortas 
Com peixe frito e salada

Já pouco resta d’outrora 
Hoje o fado está mudado
Eu canto o fado de agora 
Com saudades do passado

Mas do meu ponto de vista 
No presente ou no passado
É preciso é ser fadista 
Não deixar morrer o fado

Andorinha do céu que ninguém viu

João José Nogueira / Custódio Castelo
Repertório de João Chora 

Mandei recado p'lo vento norte
Mandei saudades p'la madrugada
E ao encontro do destino fui à sorte
E te encontrei em seu luar, amargurada

Em teu regaço, meu amor, chorei meu pranto
E em teus olhos senti paixão e doçura
E de mansinho, o luar sorriu de encanto
E co'a magia, da noite nasceu ternura

O meu desejo escrevo em pergaminho
Se meus sonhos fizerem sentido
Deixo a amargura presa no caminho
E vou em busca d'um amor que anda perdido


Nas ao romper do dia uma rosa floriu
Derramou perfume, colhi amizade
Como andorinha do céu que ninguém viu
Deixou o amor e levou toda a saudade

Canção das descobertas

Letra e música de João Nobre
Repertório de Berta Cardoso 

Há na praia, olhos chorando 
No mar, gente decidida
Lenços brancos acenando
Num adeus de despedida

É o Infante de Sagres
Que os manda partir ligeiros
Que a Senhora dos Milagres
Guie os nossos marinheiros

Velas erguidas
Naus decididas vão para o mar
Saindo a barra
Uma guitarra põe-se a chorar 
São marinheiros
Aventureiros mais uma vez 
Que vão mostrar 
Cmo este mar é português 

Olhando o mar com desdém
Ondas, ventos traiçoeiros
Nada no mundo detém
Nossos bravos marinheiros

Não há outro mais valente
Nem que valha o que ele vale
Pois só ficará contente
Dando o mundo a Portugal 

São marinheiros
Aventureiros mais uma vez
Por esse mar tão português

Ao sul

João Monge / João Gil
Repertório de António Zambujo 

Ao sul, à procura do meu norte
Subo as águas desse rio
Onde a barca dos sentidos nunca partiu

Lá longe inventei o dia azul
E o desejo de partir
Pelo prazer de chegar ao sul

Cada um tem a sina que tem
Os caminhos são sempre de alguém
Ao sul

Ao sul, entre dois braços abertos
Bate um coração maltês
Que se rende, que se dá de vez
Por amor corto os frutos que criei
Corto os ramos que estendi
Pela raiz que abracei ao sul

Calçada de Lisboa

José Madaleno Geraldo / Carlos da Maia *fado perseguição*
Repertório de Francisco Moreira *Kiko* 

São as cordas das guitarras
Que nos prendem como amarras
À história desta Lisboa
Não há pedra da calçada
Que não fosse já cantada
Desde Alfama à Madragoa

Não há parede nem esquina
De Lisboa, desde menina 
Que não tenha ouvido o fado
Na voz sentida e sincera
Desde o tempos da Severa 
Com saudades do passado

Não há estrela nem luar
Que não saiba já cantar 
As letras desta canção
Com o silêncio, que é de ouro
A voz do fado é tesouro 
Guardado no coração

Homens de amanhã

Frutuoso França / Joaquim Campos *fado alexandrino*
Repertório de Frutuoso França 

Passava à minha rua, manhã de todos dias
Um lindo garotito, maroto e bem traquina
Passava a assobiar, expandindo alegrias
Mas ia pró trabalho cumprir a sua sina

Tinha então doze anos, ainda por fazer
Mas meteu-se em cabeça, também de namorar
Então todos os dias, p’ra ela lhe aparecer
Passava à minha rua, pondo-se a assobiar

A nomorada era uma rosita a abrir
Mas linda como os anjos de rosto meigo e brando
E eu um dia que os vi, perguntei-lhes a rir
Se não tinham vergonha de estarem namorando

Senhor, eu já trabalho e tenho amarga lida
E cumpro o meu dever perante a minha mãe
Sou novo bem o sei, mas ganho a minha vida
E aprendo ao mesmo tempo a namorar também

Vou terminar dizendo quero ter uma casinha
Onde caiba o amor e a pura lei cristã
Eu fiquei a pensar e lá foi à vidinha
O mais bonito exemplo dos homens de amanhã

Ao Deus dará

Frederico de Brito / Alves Coelho Filho
Repertório de Carlos Ramos 

Quando p'la primeira vez, ouvi
Uma guitarra a rezar por nós
Porque sou um português, sofri
E a timidez ali , prendeu-me a voz

Quem ficou olhando o sol, não vê
Nem distingue o próprio céu do mar
Quem não tem amor e fé, não crê
Pois eu não sei porquê, pus-me a cantar

Tudo o que o fado tem
É dum capricho tal
E quando é visto bem
É conhecido mal
Tem feito coisas tais
Sei lá o que ele fez
Até lhe agrada mais 
Ser português
Feito um boémio o vi
Foi um fidalgo já
E tem andado aí ao Deus dará

Doutra vez, quando escutei sem querer
A guitarra a soluçar d'amor
Eu senti o que não sei dizer
Um misto de prazer, d
e mágoa e dor

Quem já sabe o que é amar alguém
E esse alguém nos esqueceu por fim
Já sofreu o mais cruel desdém
Tem que gemer também, porque é assim

A cruz

Manuel Andrade / Pedro Rodrigues *fado primavera*
Repertório de Maria João Quadros


Aquela cruz de pau-santo
Onde um Cristo de marfim
Se contorce em agonia
Faz-me lembrar tanto, tanto
Essa cruz que trago em mim
Essa cruz pesada e fria

De mil rosas coloridas
Era o caminho trilhado 
Que o teu olhar me mostrou
Fizeram-se as rosas feridas
E o caminho desolado 
Num calvário se tornou

O vento levou-me tudo
E a sua suave brisa 
Tornou-se em dorido pranto
Consola-me, quedo e mudo
Esse Cristo que agoniza 
Em sua cruz de pau-santo

Hermínia de Lisboa

César de Oliveira / João Nobre
Repertório de Anita Guerreiro 

Hermínia 
Canta-me um fado como tu sabes 
Um fado como tu sabes 
E não sabe mais ninguém
Ensina-me 
Esse teu gesto de mão amiga
Num jeito de rapariga 
Que só Lisboa é que tem

Castiça... 
Falas à moda que a gente fala
O xaile é traje de gale 
Que traças com fidalguia
Hermínia... 
És como um bairro cheio de raça
És a Senhora da Graça 
Com o manto da Mouraria

Hermínia, tens o teu nome gravado
Hermínia, num livro de ouro do fado
Na era deste cantar português
Até parece que foi a Severa
Que quis voltar outra vez


Hermínia, dizem guitarras saudosas
Hermínia, não deixes mais de cantar
Hermínia, porque o teu nome são rosas
Porque o teu nome são rosas
Que teimam em não murchar


Hermínia... 
Que bem que estilas um fado antigo
Como se afaga um amigo 
Que a gente nunca esqueceu
Teus olhos... 
São uma noite cheia de lua
Senhora dona da rua 
Onde a saudade cresceu

Hermínia... 
Tens a estaleca de uma revista
O teu encanto nocista (?) 
Que faz da gente o que quer
Hermínia... 
Tens a alegria de um fado novo
És a rainha do povo 
Que vem ao Parque Mayer 

Grito de paz

João Aldegalega / João David *fado rosa*
Repertório de Rodrigo

Deixa morrer a saudade
Vê como o sol amanhece
O amor não tem idade
E a alma não envelhece

Sopra as cinzas do passado 
Na maré do esquecimento
Leva o teu corpo embarcado 
Na proa do melhor vento

Entrega o corpo ao futuro 
Ninguém vive a tua vida
Leva o sonho branco e puro 
Da ave à pouco nascida

Ri-te do ódio e da raiva 
E do que o tempo desfaz
Canta para que o mundo saiba 
Que o teu destino é de paz

Balada da distãncia

Horácio Carvalho / Popular *fado das horas*
Repertório de Artur Batalha 

Quero um caminho, um lugar
Onde possa estar mais só
Não quero que pises o pó
Que eu pisei ao caminhar

Quero deixar esta saudade 
Onde tu não me procures
Eu quero um lugar, algures 
Onde encontre a felicidade

Quero um sulco sobre o pó 
Que não se possa apagar
Quero um caminho, um lugar 
Onde possa estar mais só

Quero olvidar a fragrância 
Sopro de perfumes finos
Quero ouvir mil violinos 
Na balada da distância

Ter amor

Carlos Conde / Casimiro Ramos
Repertório de Florinda Maria 

Duas mãos entrelaçadas
Duas bocas muito unidas
Dois corações a bater
E em duas juras sagradas
Duas almas, duas vidas
Prontas a amar e a sofrer;
E começou entre nós 
O desejo de viver

Ter amor é ter o mundo na mão
O sumo da redenção
Todo o sol do nosso bem
Ter amor é ter tudo, mas não ter
É não ter nada a perder
Muito mais do que ele tem


Dias negros de azedume
Duas lágrimas correndo
Na palidez do meu rosto
Outra mulher, o ciúme
E a lei de um martírio horrendo
A marcar um régio posto;
E começou entre nós 
O mais intimo desgosto

Coração do alto mar

Tiago Torres da Silva / Valter Rolo
Repertório de Inês Duarte 

Vem à beira do tempo
Ver a vida passar
Há um rio no meu pensamento
Vai correndo para o mar

Há uma onda 
Que eu jamais hei-de saltar
Ai onda, o
nde o mar morreu de frio
Quem viu o coração do alto-mar
Diz que o rio é o sangue do luar

E quem não viu
Quem não foi, talvez se vá perder
Quem não foi, quem não viu
Jamais vai entender


Há uma esquina 
Que eu jamais hei-de dobrar
Ai... onde o meu amor morreu de frio
Vive o meu coração no alto-mar
Onde um rio é a foz do meu olhar

Vida vazia

Lopes Vitor / Francisco Carvalhinho
Repertório de Berta Cardoso 

Vejo o vazio tão nú e frio 
Do nosso lar 
Sinto a saudade duma verdade 
Que foi amar
Da inconstância olho a distância 
Entre dois mares
Vou-te esperando, sei lá até quando
Até voltares

Não, não, não queiras
Mudar o norte ao meu intento
Pois que de sorte
Eu ando ausente p
P’ra meu tormento
Volta depressa
Pois se a tantos já cheguei
Já perdoei há muito tempo


Os dias morrem e as noites correm 
Na mesma espera
Porque não vens, se tu me tens 
Á tua espera?
Pobre de mim que vivo assim 
Buscando o norte 
Vivendo a dor dum frio amor 
Fugido à sorte

Profeta

Letra e música de Jorge Fernando
Repertório de Maria Dilar 

Vem ouvir na voz do mar
O recado do tempo 
Que a vida tem p’ra dar
O profeta rende o tempo
Fala do futuro
Diz que ele vai chegar

Enquanto a paz se faz do medo
A gente agride a própria gente
E a terra chora triste 
Enquanto vai esperando
Que a hora do profeta chegue cedo

E então n
o coração de cada um 
Nasce uma flor
Será da cor do sol, cheirando a vida 
Chamada amor

Ouve na voz da razão
A esperança renascida 
Que a fé nos dá sentido
Deixa que o teu coração
Aceite as leis da vida
Se torne arrependido

E o amor nos olhos e nos gestos
E as mãos abertas, mãos de dar
Viradas para o infinito azul do céu
Esperando a luz 
Que em breve vai chegar

Eu entrego

Letra e música de Edu Mundo
Repertório de Ana Moura 

Ao entregar me prendi 
Na liberdade dos braços
Teus passos eu perdi
E tão perto quanto agora 
Dói-me ver-te ir embora
O que outrora permiti

Disso já me arrependi 
De deixar o tempo lasso 
Já espaçado calculei 
Quis saltar o inatingível 
Assaltei o intransponível 
Me prendi e te soltei

Vai agora, minha flora
Quem te quer, ao longe também te adora 
Não me chego, mas não nego
Que o que tenho de teu, não entrego
Que o que tenho de teu, eu entrego

Há uma voz que me acorda

Fernando Gomes dos Santos / Raúl Ferrão *fado carriche*
Repertório de Liliana Martins 

Há uma voz que me acorda
Do meu sonho tão cinzento
Uma voz em que transborda
Cada sonho que eu invento;
Há uma voz que me acorda
E me acalma o desalento

A minha noite sombria 
Aclara quando te vejo
Mudas-me a penumbra em dia
Que eu na escuridão, faquejo;
A minha noite sombria
Resplandece no teu beijo

Já me perdi por caminhos
Onde o sol escureceu
Ao caminharmos sozinhos
Há tantas nuvens no céu;
Já me perdi por caminhos
Mas encontrei-me no teu

No teu corpo é que me abrigo
Da solidão mais feroz
Se as trevas dormem comigo
A manhã nasce p’ra nós;
No teu corpo é que me abrigo
E acordo com a tua voz

Os lobos e ninguém

Letra e música de José Luís Tinoco
Repertório de Carlos do Carmo 

Cresceu nas pedras
Falou sozinho co’a voz de relento
Soube do sabor da morte
Da sorte e do vento
Cresceu calado
Dormiu sozinho na terra batida
Marchou descalço no pó 
Dos caminhos da vida

Guardou os rebanhos 
Dos lobos à chuva e ao frio
Suou tardes de terra dura 
Na ponta do estio
Comeu do pão magro
Da magra soldada
Largou a enxada
Largou o noivado
Largou p’ra cidade mais perto
Para um pão mais certo

Malhou no ferro
Abriu trincheiras, estradas
Sonhou
Andou no mato perdeu a infância
Matou
Marchou caldo
Dormiu sozinho na terra batida
Caiu descalço no pó 
Dos caminhos da vida

E os lobos lá longe 
E as asas de abutres sem cara
E o medo na tarde
Na farda, no corpo e na arma
Soldado na morte, do mato no norte
Na sorte do vento, no fogo da terra
Nascido descalço, crescido nas pedras
Dormido sozinho no pó do caminho
Enxada, pão magro, relento, soldado
Na ponta do estio e o medo na tarde
E os lobos lá longe 
E as asas de abutres sem cara

Beleza maldita

Gabriel Silva / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Jaime Dias 

Quero saber quem sou e não consigo
Queria saber quem és mas não consentes
Queria fugir de mim, deste castigo
E nunca mais ouvir-te quando mentes

Não queria mais falar-te mas quero ver-te
Quero saber a razão porque me queixo
Não te quero, tenho medo de perder-te
Já tentei odiar-te e não te deixo

Serás tu deste mundo ou és um mito
Ou serei eu fermente de desejos
Ou tudo será falso e eu acredito
Na loucura fremente dos teus beijos

Queria saber de ti, qual a maneira
Que fez da minha alma um mar de escolhos
Que me faz prender quase em cegueira
À beleza maldita dos teus olhos

P’ra não ver a realidade

Carlos Alberto França / Rodrigo *fado aida*
Repertório de Rodrigo 
Fado Aida, segundo "O Livro dos Fados* do mestre 
António Parreira

Corre as cortinas que a luz
Que me entra pela janela
Traz uma nova manhã
E eu hoje não quero vê-la

Corre as cortinas que a luz 
Do sol que lhe bate em cheio
Vai fazer-me despertar 
E eu hoje tenho receio

Fecha a janela que o ar 
Que vem do lado de fora
Não o quero respirar 
Pelo menos por agora

Fecha tudo bem fechado 
Que não entre a claridade
Eu hoje fico trancado 
P'ra não ver a realidade

Definhar

José Gonzalez / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Margarida Bessa 

Senhora vim pedir, ao teu altar 
A proteção na raiva destas horas
Há uns breves momentos p'ra gastar
E tu, meu amor, porque demoras?

Há um sol de verão à nossa espera
Com chamas de paixão e ansiedade
E tenho um coração que desespera
Ardendo na fogueira da saudade

Existe amargura incontida
Na luz que enegrece esta ribalta
A vida vai gastando a própria vida
E o nosso leito chora a tua falta

Mas vai crescendo em mim esta revolta
E deixo-me embrenhar p'lo sofrimento
O tempo que perdemos já não volta 
Mas volta tu, meu amor, que ainda há tempo

Primavera triste

Aldina Duarte / Jaime Santos *fado alvito
Repertório de Gisela João 

Dá-me os beijos que não déste
Os abraços que esqueceste
Meu amor, cuida de mim
Tanto tempo à tua espera
O meu olhar desespera
Neste mar que não tem fim

Odeio o céu, as estrelas
Já não sei olhar p’ra elas 
O meu norte é o meu chão
Largo o medo pelas águas
Contra o sol as minhas mágoas 
E na lua, o coração

Sou amiga das marés
Por saberem quem tu és 
Como eu e mais ninguém
Sabe Deus mais do que o mundo
Do desejo mais profundo 
De quem sofre a dor d’alguém

Tens os olhos de Deus

Letra e música de Pedro Abrunhosa
Repertório de Ana Moura

Tens os olhos de Deus 
E os teus lábios nos meus
São duas pétalas vivas
E os abraços que dás 
Rasgos de luz e de paz
Num céu de asas feridas
E eu preciso de mais
Preciso de mais

Dos teus olhos de Deus 
Num perpétuo adeus 
Azuis de sol e de lágrimas
Dizes: fica comigo 
És o meu porto de abrigo
E a despedida uma lâmina
Não preciso de mais
Não preciso de mais

Embarca em mim que o tempo é curto
Lá vem a noite, faz-te mais perto
Amarra assim o vento ao corpo
Embarca em mim que o tempo é curto
Embarca em mim

Tens os olhos de Deus
E cada qual com os seus
Vê a lonjura que quer
E quando me tocas por dentro 
De ti recolho o alento
Que cada beijo trouxer
E eu preciso de mais
Preciso de mais

Nos teus olhos de Deus 
Habitam astros e céus
Foguetes rosa e carmim
Rodas na festa da aldeia 
Palpitam sinos na veia
Cantam ao longe que sim
Não preciso de mais
Não preciso de mais