-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* 7.260 LETRAS <> 3.120.500 VISITAS * MARÇO 2024 *

. . .

Meu amor, sou vinho e pão

Manuel Guimarães / José Maria dos Cavalinhos *fado anadia*
Repertório de Nélson Duarte

Sou filho de um campo verde
O trigo que está no chão
Vinho que te mata a sede
Meu amor, sou vinho e pão

Sou farinha na masseira 
O pão, amor e carinho
A raiz de uma videira 
Forno, lagar, pão e vinho

Cubro de parra o meu rosto 
De farinha o coração
Teus lábios cheiram a mosto 
O teu corpo, a vinho e pão

Abraçaste trigo aos molhos 
Num celeiro de paixão
Na vindima dos meus olhos 
Encontraste vinho e pão

No fermento que fizemos 
Cresceu em fermentação
O filho que hoje temos 
Para nós é vinho e pão

Canto para não chorar

1a estrofe de Teresa Tarouca / 2a estrofe de Francisco Stoffel
Restantes estrofes de de Manuel Andrade 
Música de Joaquim Campos *fado puxavante
Repertório de Francisco Stoffel 
Este tema também aparece com o título *Eu vivo só p'ra cantar*
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Eu canto p'ra não chorar
Chorando canto também
Eu vivo só p'ra cantar
Toda a dor que a vida tem

Como uma prece diferente 
Que aos pés de Deus vá rezar
Cada um canta o que sente 
Eu canto p'ra não chorar

E esta canção tão linda 
Que me ensinou minha mãe
Cada vez que a lembro ainda 
Chorando-a, canto também

Comecei de pequenino 
Neste louco caminhar
Fiz do fado o meu destino 
Eu vivo só p'ra cantar

Na minha voz dolorida 
O fado retrata bem
As incertezas da vida 
Toda a dor que a vida tem

Verão, Alentejo e os homens

Letra e musica de Manuel Conde Fialho
Repertório de António Zambujo

Meu Alentejo
Enquanto isto se processa
O sol ferindo sem pressa
Queima mais a tez bronzeada
O suor rasga a camisa
Homem queimado mais fica
A vida é feita de brasa

No Verão
A brasa dourada e celeste
Esvaiando o sol agreste
Dourando mais as espigas
Ceifeiros, corpos curvados
Ceifando e atando em molhos
A benção loira da vida

O calor caustica os corpos
Os ceifeiros vão ceifando
Sem parar o seu labor
O seu cantar é dolente
É certo que é boa gente
Tem verdade e tem mais cor

P’ra onde quer que me volte

Mário Rainho / Francisco Viana *fado vianinha*
Repertório de António Zambujo

Por muito que me revolte
Seres, somente, uma miragem
Pra onde quer que me volte
Vejo sempre a tua imagem

Imagem que me enlouquece 
Como um louco no deserto
Que do nada me aparece 
E tão distante é tão perto

Vejo-te envolta, em poeira
Ou transparente cristal
E a loucura é mais inteira
O sonho quase real

Por muito que me revolte
Seres, somente, uma miragem
P'ra onde quer que me volte
Vejo sempre a tua imagem

Mais fado para sonhar

Torre da Guia / Georgino de Sousa *fado georgino*
Repertório de Nélson Duarte

Sonhei em frente, sonhei
E sei lá quanto passei
Pr'alcançar a realidade
Sonhei e desde menino
Entre as curvas do destino
Firmei a minha vontade

Cantei à minha cidade
Fui feliz, tive vaidade 
Em ser arauto e cantor
Até que mudei um dia
Prá nostálgica melodia 
Que à vida alivia a dor

Todo me dei em pendor
Ao sentimento em flor 
Que do peito sobe à voz
O fado reza bendita
Onde em magia levita 
O sonho de todos nós

Sonhei e do sonho após
O tempo passou veloz 
Mas logrei enfim chegar
À trilha do meu almejo
E agora apenas desejo 
Mais fado para sonhar

Sou a noite, sou o fado

Manuel Guimarães / João Maria dos Anjos
Repertório de Nelson Duarte

Sou a noite na cidade
Sem sol nem claridade 
Mas aqueço o coração
Sou o fumo do cigarro
Quando a guitarra agarro
Canto o fado com paixão

Sou um fado de raiz
A cantar estou feliz 
Trago poemas na voz
Tradição e fado novo
Eu quero ser voz de um povo 
De um povo que somos nós

Sou o copo de sangria
A lanterna que alumia 
A noite, a madrugada
Semeio para colher
E ver um filho nascer 
Na minha seara amada

Sou companheiro da lua
Travessa, viela e rua 
Coração apaixonado
A noite é que me ensina
A minha vida é uma rima 
Sou a noite, sou o fado

Alma de quem o sente

Manuel Bogalho *fado bagdad*
Repertório de Marina Mota

Há muito p’raí quem diga
Que o fado já não é fado
Que essa canção tão antiga
Está a ser posta de lado

Quem o diz que desista 
É melhor estar calado
Do passado ao presente 
Fado é a voz do povo
Quando nasce um fadista 
Nasce com ele um fado
Por isso eternamente 
O fado é sempre novo

O fado que é meu enlevo
Com prazer devo
Sempre estimar
Faz parte do meu viver
E até morrer 
O hei-de cantar;
P’ra mostrar a essa gente
Que o fado é alma 
De quem o sente

Desde os tempo que lá vão
Esta canção sem igual
É a mais bela canção
Das canções de Portugal

Por isso não aceito 
Aquele que se arrisca
A escutar fado ali 
Mostrando desagrado
Porque tenho no peito 
Um coração fadista
P’ra cantar e sentir 
O verdadeiro fado

Noite cheia de estrelas

Letra e musica de Candido das Neves
Repertório de António Zambujo

Noite alta, céu risonho
A quietude é quase um sonho
O luar cai sobre a mata
Qual uma chuva de prata
Claríssimo esplendor
Só tu dormes
Não escutas o teu cantor
Revelando à lua airosa
A história dolorosa deste amor

Lua, manda a tua luz prateada
Despertar a minha amada
Quero matar meus desejos
Sufocá-la com meus beijos
Canto, e a mulher que eu amo tanto
Não me escuta, está dormindo
Canto e por fim
Nem a lua tem pena de mim
Pois ao ver que quem te chama sou eu
Entre a neblina se escondeu

Lá no alto a lua esquiva
Está no céu tão pensativa
As estrelas tão serenas
Qual dilúvio de falenas
Andam tontas ao luar
Todo o astral ficou silente para escutar
O teu nome entre as endeixas
As dolorosas queixas ao luar

Cravo poeta

Fernando Jô / Carlos da Maia
Repertório de Artur Batalha

A NECESSITAR DE CONIRMAÇÃO
Embora na ficha técnica da gravação apareça mencionado o nome de Fernando Jô 
como tendo sido o autor da letra, chegou-me a informação que a autoria pertence a 
Jorge Fernando.

Nesta hora, a poesia
É a máxima distância
Que me separa do mundo
E da noite negra e fria
Sobe a haste da infãncia
Nasce um cravo vagabundo

Cresce de tudo um poema
Pelos muros da cidade 
Sem medos de amanhecer
Nas raízes morre a algema
Que lhe prendia a idade 
Com decretos de viver

Sorri ao mundo, sorri
Em cada folha um poema 
Cravo de verso na mão
As pétalas que te vesti
Sem usar de estratagema 
Dão ao meu fado, razão

Trago uma rua no peito

Tó Moliças / Popular *fado das horas*
Repertório de Ricardo Ribeiro

Trago uma rua no peito
Toda empedrada com fado
Que vou pisando com jeito
P’ra não pisar o passado

Quero morrer na saudade 
Que vivo morrendo em ti
Quero os beijos que perdi 
Na traição da felicidade;
Quero morrer na saudade 
Do teu corpo idolatrado
Pra reviver a teu lado 
Este amor puro e perfeito
Trago uma rua no peito
Toda empedrada com fado

E quero a doce loucura 
De te ouvir aqui presente
De te ver à minha frente 
E andar à tua procura;
Quero viver na tortura 
Do teu corpo destroçado
Vago num grito calado 
P’ra te merecer no meu leito
Que vou pisando com jeito
Pra não pisar o passado

Que mãos são essas

Fernando Campos de Castro / Henrique Lourenço *fado cigana*
Repertório de Nélson Duarte

Que mãos são essas que trazes
Essas mãos com que me fazes
Carícias que nunca vi
São duas mãos que se agitam
E em cada gesto me gritam
Palavras que bebo em ti

Que mãos são essas libertas
Nas madrugadas abertas 
De cada noite que temos
São duas mãos de ansiedade
A procurarem verdade 
Nos sonhos que os dois vivemos

Que mãos são essas tão frias
Essas mãos com que fazias 
Carícias como ninguém
Que mãos são essas paradas
Como marés adiadas 
Nas praias que o corpo tem

Que mãos são essas distantes
Essas mãos tão inconstantes 
Que habitam os sonhos meus
Que mãos são essas erguidas
A lembrarem despedidas 
A quem não quer um adeus

Passeio de Santo António

Augusto Gil / Frei Hermano da Câmara
Gravado em fado por Natércia da Conceição

Saíra Santo António do convento
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento
Um cândido sermão sobre o pecado

Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando
E nem notou que a tarde esmorecia
Que vinha a noite plácida baixando

E andando, andando, viu-se num outeiro
Com árvores e casas espalhadas
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas

Surpreendido por se ver tão longe
E fraco por haver andado tanto
Sentou-se a descansar o bom do monge
Com a resignação de quem é santo

O luar, um luar claríssimo nasceu
Num raio dessa linda claridade
O Menino Jesus baixou do céu
Pôs-se a brincar com o capuz do frade

Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais
Os rouxinóis ouviam-se distante
O luar, mais alto, iluminava mais

De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito
Ela trazia ao ombro a cantarinha
Ele trazia… o coração no peito

Sem suspeitarem de que alguém os visse
Trocaram beijos ao luar tranquilo
O Menino, porém, ouviu e disse:
Ó Frei António, o que foi aquilo?

O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada
Mentiu numa voz doce como o mel:
Não sei o que fosse, eu cá não ouvi nada

Uma risada límpida, sonora
Vibrou em notas de oiro no caminho
Ouviste, Frei António? ouviste agora?
Ouvi, Senhor, ouvi, é um passarinho!

Tu não estás com a cabeça boa
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim

Corado como as vestes dos cardeais
Achou esta saída redentora:
Se o Menino Jesus pergunta mais
Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!

Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento
Pegou-lhe ao colo e acrescentou:
Jesus, são horas… e abalaram pró convento

Fado da solidão

Nelson de Barros / Frederico Valério
Repertório de Fernanda Maria

Não sei se voltas ou não
Ou já não és meu... talvez
Só sei que o meu coração
A fé não perdeu... de vez

A noite traz o receio
Faz medo faz
Pois o meu quarto está cheio
De sonhos em que não estás

Não quis dar por coisa vã
Aos nossos fracassos... fim
Feliz, a minha manhã
Nascia em teus braços... sim

Carícia que era calada
Que mal sentias
De te beijar desesperada
Enquanto amor, tu dormias
Ciúmes, tive-os de amante
Como punhais
Mas nunca se ama bastante
Quando não se ama demais

Santa mentira

Domingos G. Costa / Casimiro Ramos *fado três bairros*
Repertório de Tristão da Silva

Quando a vires faz-me um favor
Diz-lhe que nunca a amei
Que pode andar à vontade
E que todo aquele amor
Que mentindo lhe jurei
Foi pura leviandade

Diz-lhe mais, que o meu sorriso
Com que ela julgava preso 
O meu coração ao seu
Muita vez me foi preciso
P'ra mascarar o desprezo 
Que na minh’alma viveu

Corre e vai dizer-lhe agora
Que não choro, o ter perdido 
Algum amor verdadeiro
A minha revolta mora
Na razão de não ter sido 
Eu a deixá-la primeiro

E mal me voltou as costas
Esse amigo, os olhos meus 
Ficaram baços de pranto
Fiquei p’ráli de mãos postas
Pedindo perdão a Deus 
Por lhe ter mentido tanto

Ao menos se tu soubesses

Flávio Gil / Raul Pinto
Repertório de Sandra Correia

Soubesses quanto desejo
Do teu nome ter a cor
Tatuada no meu peito
E poderia num beijo
Ser a calma e o calor
Dum ninho mais que perfeito

Soubesses quanto preciso
Das tuas mãos, dos teus dedos
A desenharem-me o rosto
E logo sem pré-aviso
Sem receios nem segredos
Ser-me-ias sol de agosto

Quanto quero, amor-verdade
Ter-te em mim mais do que a mim
De tanto que me aconteces
Ó minha boca metade
Meu princípio, no meu fim
Ao menos se tu soubesses

Longe daqui

Hernâni Correia / Arlindo de Carvalho
Repertório de Amália

Em sonho lá vou de fugida
Tão longe daqui, tão longe
É triste viver tendo a vida
Tão longe daqui, tão longe

Mais triste será quem não sofre
Do amor a prisão sem grades
No meu coração há um cofre
Com jóias que são saudades

Tenho o meu amor para além do rio
E eu cá deste lado cheinha de frio
Tenho o meu amor para além do mar
E tantos abraços e beijos p'ra dar

Ó bem que me dá mil cuidados
Tão longe daqui, tão longe
A lua me leva recados
Tão longe daqui, tão longe

Quem me dera este céu adiante
Correndo veloz no vento
Irás a chegar num instante

Onde está o meu pensamento

Pela mão da dor

Jorge Fernando / Alfredo Duarte *fado versículo*
Repertório de Jorge Nunes

Obrigado, como dóis, mas obrigado
A que fundos de mim mesmo eu desci
Deste de mim a ver um outro lado
E não sei se ainda vivo ou se morri

Mas pla mão dor desci ao meu profundo
Não sabia existir-me em tal lugar
Meus dois olhos só viam p’ra ver o mundo
Sem saber o que há p’ra ver, se os fechar

Onde estou não é onde quero estar agora
Resta-me apenas crescer, mesmo forçado
Vou pôr-te fora de mim, deitar-te fora

Não gostas dela não gostas de mim

José Patrício / Armando Machado *fado licas*
Repertório de José Patrício

Nada mais entre nós há p’ra falar
Estar perto de ti eu já não quero
Jamais tu voltarás a enganar
Quem tinha amor por ti louco e sincero

Disseste não gostar dessa mulher
A quem devo a razão do meu viver
Repara que não é uma qualquer
Foi ela que sofreu ao meu nascer

Por isso nunca mais podes ser minha
Não podemos pisar o mesmo trilho
Se dizes não gostar dessa velhinha
Também não poderás gostar do filho

Um outro amor p’ra mim quero encontrar
Que tenha como eu amor também
Àquela a quem p’ra sempre eu hei-de amar
Pois é a minha querida e santa mãe

Aquele casaco amigo

José Patrício / Georgino de Sousa *fado georgino*
Repertório de José Patrício

Em noite fria sem lua
Encontrei naquela rua
Uma mulher soluçando
Eu dela me aproximei
Com respeito perguntei
Porque é que estava chorando

Ela nada respondeu
Apenas me olhou, Deus meu 
Que tristeza o seu olhar
O meu casaco despi
Os seus ombros eu cobri 
Sem na maldade pensar

P’ra minha casa a levei
A minha cama eu lhe dei 
Outra p’ra mim fui fazer
Mas quando a manhã surgiu
Ela não estava, saiu 
Foi-se sem nada dizer

Que Deus lhe dê bom caminho
Luz de esperança, algum carinho 
Neste mundo de ilusões
Se outro casaco encontrar
E os seus ombros tapar 
Sejam boas intenções

Fado Vasco Graça Moura

Tiago Torres da Silva / Armando Machado *fado licas*
Repertório de Cristina Nóbrega  
Letra cantada na cerimónia de entrega do Prémio 
Amália Rodrigues a Vasco Graça Moura

Há versos que nos fazem ter vontade
De voltar ao lugar de onde partimos
Só para descobrirmos que a saudade
Já estava à nossa espera… e nós não vimos

Há livros que nos fazem ter esperança
De chegar ao lugar da nossa morte
Levando uma palavra na lembrança
 Que, mesmo sem ser dita, nos conforte

Há homens que nos fazem ter coragem
Pra distinguir a dor da solidão
E sabem que o destino da viagem
Se cumpre no bater de um coração

Tu és o Livro e o Homem… és o Verso
Que vive entre a memória e o prazer
E entendes a saudade como um berço
Prós versos que ficaram por escrever

Deixa que te prenda em mim

Ana Lúcia / Jorge Nunes
Repertório de Jorge Nunes

Fica só por um momento
Sente sem pesar-te o tempo
Ver-te faz-me acreditar
Que a vida não se faz pesar

Deixa-me que eu te prenda em mim
Com a alma solta
Que livre, viva preso em ti
Qual asa que volta

Pensa como a voz se cala
Ouve tudo o que nos fala
Quebra o que te fez quebrar
Que a sede ficou por matar

No teu conforto

Letra e musica de Jorge Nunes
Repertório do autor

Sigo tão longa estrada
Noite cerrada no pensamento
O meu lamento
Ver-te prostada

Conforto quando em teus braços
Recordo os laços que em teu abraço
No meu cansaço eu me entreguei
Devolvo à minha alma profunda calma
Quando em teu leito me entrego e deito
Eu me encontrei

Que intensa mágoa no meu peito debruçada
Quando em teus olhos a solidão se fez espelhar
Assim me entrego na razão do teu olhar
Vou-me perder sem me encontrar
E de novo vão brilhar

Eu nasci a ouvir o fado

Linhares Barbosa / Popular *fado corrido*
Repertório de José Freire

Eu nasci a ouvir o fado
Ao colo de minha mãe
A ama que me criou
Cantava o fado também

Comecei de tenra idade 
A puxar prá fadistice
Minha mãe como isto visse 
Quis-me tirar da cidade;
Mas porém, já era tarde 
Estava um faia consumado
Foi num colete encarnado 
Que me cobriram de loiros;
Foi numa espera de toiros 
Que eu ouvi cantar o fado

Cantaram-me belos fados 
E bebeu-se do bom vinho
Gemia o triste pianinho 
Nos seus sons ternos, magoados;
Estávamos todos entrados 
Quando a luta se travou
Um faia que então entrou 
Cantou mais esta cantiga;
Que era linda a rapariga 
A ama que me criou

Que é moda ser-se fadista 
Isto está mais que provado
Todos querem cantar o fado 
Ficam a perder de vista;
O galo quer-se com crista 
Triste de quem não a tem
Todos cantam, mal ou bem 
Até mesmo o padre santo;
Sabendo o fado um encanto
Cantava o fado também

Hora da partida

Jorge Fernando / Miguel Ramos *fado alberto*
Repertório de Jorge Nunes

À hora da partida, tu partiste
Fria, intransponível, indulgente
Se foi pouco ou se foi muito, decidiste
Entre a gente, não haver nada, entre a gente

Incrédulo pensei: mas porquê isto ?
Que desígnio esfriou o nosso amor
Eu que me vejo vivo e só me existo
Se longe de ti nunca me supôr

Que relação resiste à indiferença
Da fuga persistente a um só abraço
A bater como um pulsar na consciência
A resurmir-se na vida a um triste passo

Então diz-me quem sou, ou quem tu és
Qem que meantros fomos dois e logo após
De me sentires prostrado a teus pés
Os dois nunca mais deu p’ra sermos nós

Raminho de violetas

E. Sobredo / Mário Martins
Repertório de Sara Pinto

Era feliz no seu casamento
Embora o marido 
Escondesse os sentimentos
Era fechado, tinha cara d’inverno
E ela se queixava de que não era terno

Mas o mistério durava há três anos
Eram cartas de um estranho
Cartas cheias de poesia
Que lhe devolviam a alegria

Quem lhe escrevia versos
Ai quem seria
Quem lhe mandava flores 
Num certo dia
Quem é que no seu aniversário
Fazia como os poetas
E lhe mandava um raminho de violetas

Por mais que pense, não adivinha
Quem será aquele que tanto a estima
Porque será que o estranho a não procura
Sorriso aberto e nas mãos a ternura

E nessa angústia sofre em silêncio
Quem pode ser este amor secreto
Sonha com ele de madrugada
Na ilusão de ser desejada

E quando à tarde, regressa o marido
Silencioso, exausto e de si esquecido
Nada lhe diz porque só ele sabe
Que ela é feliz, ignorando a verdade

Porque ele é quem lhe escreve os versos
É o seu amante, o seu amor secreto
E ela que não pode imaginar
Olha o marido e fica a sonhar

Um quê de eternidade

Tiago Torres da Silva / Raul Pereira *fado zé grande*
Repertório de Cristina Nóbrega

Talvez a solidão se torne um mito
Para aqueles que se entregam à saudade
Pois se uma tem um pouco de infinito
A outra tem um quê de eternidade

A solidão não sabe de quem gosta
Por isso é que elas andam sempre juntas
Porque uma é a pergunta sem resposta
E a outra é a resposta sem pergunta

Mas é com a saudade que me entendo
Porque ela se apaixona só por quem
Descobre em cada verso que vai lendo
Que a solidão não gosta de ninguém

Não sei porque é que vai baixando a voz
Nem sei porque é que esconde o que revela
Mas sei que se ela diz gostar de nós
Já não aceita que gostemos dela

Hoje, amanhã e ontem, agora

Carlos Maia e Linda Leonardo / Fernando Silva e Carlos Maia *fado maia
Repertório de Carlos Maia e Linda Leonardo

Esperava-te na curva do caminho
Murmurando o teu nome em pensamento
Agitou-se o meu corpo de mansinho
E mandei-te um recado pelo vento

Acreditei no amor que me trazias
E ergui as mãos ao céu por ser assim
Brinquei com as estrelas, noite e dia
E a noite trouxe a lua para mim

Aonde estás que nem te vi partir
Nem o vento me trouxe o teu adeus
No meu livro de sonhos, por abrir
Um sonho que é agora, apenas meu

Mas não te vás, amor, fica comigo
Olha que a vida te é enganadora
Eu sou e és para mim porto de abrigo
Hoje e amanhã, ontem, agora

Escadinhas da Bica

Tiago Torres da Silva / Pedro Jóia *marcha da bica*
Repertório de Cristina Nóbrega

Eu vivo num bairro pequenino
Com escadinhas que vão dar ao mar
E sobe por elas o destino
De quem vem p’ra rua p’ra cantar

Estende-se a passadeira vermelha
Para a Bica subir as escadinhas
Pôs um brinco d’oiro em cada orelha
E todas as moças são rainhas

O destino não é mau
Para um bairro de tal porte
Sobe-se um degrau, dá-se com um pau
Na tristeza e na má sorte
O destino não é mau
P’ra quem sobe esta ladeira
Salta-se um degrau e vai-se ao cacau
Que se bebe na Ribeira

Dizem que nos falta uma coroa
Que nos ombros não nos pesa um manto
Mas p’ra ser rainha de Lisboa
A Bica tem pouco e já é tanto

Lisboa é um livro de poemas
A Bica é apenas o prefácio
Fez das caravelas, diademas
E das ruas fez o seu palácio