Repertório de Neca Rafael
Fingi que morri p'ra ver
De todos, qual mais chorava
E vi que minha mulher
Co'a mãe, dançava e cantava
Bate à porta, o armador
Que vem trazer o caixão
Elas, em gritos de dor
Desempenham um papelão
E depois ele foi embora
Cheio de dar-lhes conforto
Já nenhuma delas chora
E toca a vestir o morto
A farpela era apertada
Que até me punha encolhido
Pois tinha comprada
A um tipo já falecido;
Pois tinha sido comprada
P'rós lados do Carvalhido
Mas a sogra pega e zás
Pensou bem, e de repente
Descoseu o casaco atrás
P'ra abotoar bem à frente
Depois foram p'rá cozinha
Sem respeito algum por mim
Comeram uma galinha
Depois cantaram assim
O que se leva desta vida
É o que se come é o que se bebe
E o que se brinca ai, ai
O que se leva desta vida
É o que se come, é o que se bebe
E o mais mal é de quem vai
E só se foram deitar
Depois de ter escoado
Um valente garrafão
Eu então muito zangado
Pior que um gato assanhado
Saltei fora do caixão
Saltei fora do caixão
Mas p'ra não fazer chinfrim
Saí, deixei um cartão
Que à sogra dizia assim
Querida sogra, és bestial
P'ra cantar e p'ra sambar
P'ra não estar a cheirar mal
O morto foi passear
E não volto mais aqui
Já vi bem o que isto é
Guarda lá o caixão p'ra ti
Que eu morrendo, vou a pé